Conter a inflação sem interromper a valorização do salário mínimo é desafio

Bruno Porto - Hoje em Dia
12/01/2015 às 09:16.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:38

De 2003 a 2015 o salário mínimo acumulou ganhos reais de 76,62% e, em valores nominais, saltou de R$ 240 para R$ 788. A política de valorização do mínimo se tornou um dos motores da inflação, embora não o de maior potência, e gerou conflito entre a presidente da República, Dilma Rousseff, e o novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que em entrevista afirmou que o governo alteraria a forma de cálculo do salário mínimo. O ministro foi desautorizado pela presidente, que assegurou a manutenção do mecanismo atual de reajuste.   A divergência jogou luz em uma discussão que já estava na iminência de entrar para o centro do debate econômico: como manter a valorização do mínimo sem perder o controle da inflação? Os economistas entendem que o ajuste fiscal viabilizará a um mínimo mais robusto, e o governo federal tem indicado que trilhará este caminho.   Pelo menos desde 2003 houve ganho real no salário mínimo ano a ano, mas a política de valorização foi instituída formalmente em 2007, por meio de Medida Provisória (MP), e transformada na Lei 12.382, em 2011.   A fórmula de cálculo utilizada consiste no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) medido nos 12 meses anteriores ao reajuste do mínimo, acrescido da soma da variação percentual do Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores.   O aumento do mínimo gera maior renda dos trabalhadores, eleva por consequência o consumo e, naturalmente, se torna fator de inflação. Em 2014, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o item “despesas pessoais” registrou variação percentual no Índice de Preços ao Consumidor – Amplo (IPCA), de 8,31% no acumulado de janeiro a dezembro , acima do fechamento do IPCA para o ano, de 6,41%.   “Dentro de despesas pessoais estão manicure, cabeleireiro, empregada doméstica e outros serviços que têm o aumento de preços mais relacionado com o ganho de renda do consumidor, que gera demanda adicional”, diz Antonio Braz, analista do IBGE.   Os dados do INPC revelam que desde a implantação da política de valorização do real, as taxas de inflação se posicionam na maioria dos anos mais próximas do teto do que do centro da meta estabelecida pelo governo, de 4,5% ao ano.   O professor do Ibmec e doutor em economia Reginaldo Nogueira observa que o patamar em que se encontra a taxa de inflação depende mais da política monetária e fiscal do governo do que da valorização do mínimo. “Se o governo quer uma sociedade que consome mais, ele, o governo, tem que consumir menos. A inflação que vemos hoje é resultado da política fiscal e monetária do governo federal, e não da política de valorização do salário mínimo do mesmo governo”, afirmou Nogueira.   Piso salarial redistribuiu renda   O poder de compra gerado pelo salário mínimo, medido pelo número de cestas básicas que se pode adquirir com a quantia, bateu seu recorde em janeiro com o reajuste de R$ 64. O mínimo vigente, de R$ 788, garante a compra de 2,22 cestas  básicas, superando as 2,13 cestas básicas do recorde anterior, em 2012.   “A política de valorização foi importante porque fortaleceu o salário mínimo como instrumento de distribuição de renda e ressaltou seu aspecto social. No entanto, mais do que isso, evidenciou-o como forte mecanismo de estímulo à economia. Derrubou argumentos de que seria promotor de desemprego e que inviabilizaria as contas públicas e a Previdência”, afirma o coordenador de Relações Sindicais do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioe-conômicos (Dieese), José Silvestre.   Sobre a pressão inflacionária gerada pelo mínimo e seu impacto na Previdência, Silvestre considera que existem fatores além do mínimo que contribuem para o desequilíbrio. “Primeiro é importante notar que o mínimo, embora tenha ampla importância econômica, também deve ser visto no seu aspecto social e político. A inflação existia quando o mínimo não tinha valorização quase nenhuma. E os impactos sobre a Previdência existem, mas podem ser controlados”, afirma. De acordo com o Dieese, o acréscimo de R$ 1 no salário mínimo tem um impacto estimado de R$ 285,84 milhões ao ano sobre a folha de benefícios da Previdência Social.   Perda de produtividade ameaça nível de emprego   O aumento constante do salário mínimo de forma descasada com a produtividade do trabalhador no Brasil pode ameaçar as taxas de emprego. É apontado, também, como fator de pressão inflacionária.   “O aumento de salário sem correspondência no aumento de produtividade significa aumento de custos. O empresário, quando vê aumento de custos, pode reduzir margens. Mas se a margem já é pequena, como hoje na maioria dos setores, a opção é aumentar preços, o que gera perda de clientes porque o Brasil tem concorrentes com maior produtividade. Nessa situação, que é a que vivemos, a única saída é reduzir o quadro de trabalhadores”, diz o diretor de Relações do Trabalho da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Osmani  Teixeira de Abreu.   O Brasil ficou em 117º lugar no Ranking Internacional de Competitividade do Fórum Econômico Mundial sobre a relação entre o pagamento e a produtividade do trabalhador em 2014. Em 2012, o país ficou em 81º. com nota 3.8.   O professor do Ibmec e doutor em economia Reginaldo Nogueira também pondera  que os ganhos de renda do trabalhador devem guardar vínculo com a produtividade. “Se o trabalhador produz cem celulares por hora e passa a produzir 110, ele pode receber aumento que isso não significará mais custos”, diz. A produtividade também está relacionada com fatores como infraestrutura do país e especialização da mão de obra.   No Brasil, conforme o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), 46,8 milhões de trabalhadores têm os vencimentos referenciados pelo salário mínimo.   O aumento vigente desde o primeiro dia deste ano, de R$ 64, passando o valor de R$ 722 para R$ 788, gerou um incremento de renda de R$ 38,4 bilhões na economia e um acréscimo de R$ 20,7 bilhões na arrecadação tributária sobre o consumo.

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