Igor de Alvarenga

Secretário de Educação é o primeiro diretor de escola pública a assumir a pasta

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
07/11/2022 às 12:05.
Atualizado em 07/11/2022 às 13:03
 (Lucas Prates/Hoje em Dia)

(Lucas Prates/Hoje em Dia)

Entre as muitas funções de Igor de Alvarenga como diretor da escola estadual Ari da Franca, no bairro Santa Mônica, em Belo Horizonte, estava um serviço bem doméstico: lavar as cortinas das salas de aula e os uniformes do time de futebol. “Se eu não contar isso para todo mundo, ninguém vai entender o que é Educação”, registra, divertido, o atual secretário de Educação de Minas Gerais.

Primeiro diretor de escola a ocupar o posto – e, provavelmente, o primeiro representante da rede estadual –, ele sentiu na pele as agruras da educação pública. Por isso, entre as muitas medidas para melhorar o ensino em Minas Gerais, Alvarenga ajudou a criar um catálogo de aquisições pelas escolas que vai muito além de carteiras e cadeiras. Entre elas, está o tanquinho (de lavar roupas).

“Eu, como diretor de escola, passei por situações muito difíceis, sem ter, às vezes, dinheiro para comprar gás. Hoje nós conseguimos dobrar o valor da merenda. Se visito escola e vou merendar sem avisar o diretor, chegando de surpresa, tem merenda lá de qualidade. Tem escola que está servindo peixe assado, coxa de frango inteira”, comemora.

Alvarenga defende a ideia de que, para pensar na escola, tem que ser de forma global. Não adianta, segundo ele, se restringir ao estudante dentro da sala de aula. “Tem que falar da escola acolhedora, acolhendo o estudante com qualidade, proporcionando uma merenda adequada e aulas bem dadas, além do estudante dentro da sala de aula. São esses fatores todos que irão interferir”, receita.

Você era sub-secretário estadual de articulação educacional e, desde agosto, assumiu a pasta, no lugar de Julia Sant’Anna. Como tem sido esses primeiros meses?
Primeiro, é um grande desafio. E também mais um pouco de responsabilidade – porque responsabilidade é igual para um aluno e para 1,6 mil estudantes que temos na rede. É o momento de fecharmos alguns pontos que já tínhamos abertos e fazer todas as entregas, além de criar mais possibilidades de melhoria na educação de Minas. Eu já estava dentro da rede, como sub-secretário, responsável pelas 47 regionais de ensino. Estou na secretaria há três anos e meio. Antes, fui diretor da escola Ari da Franca (no bairro Santa Mônica, em Belo Horizonte) por nove anos. Também fui membro e diretor de comunicação da Adeomg, que é a Associação de Diretores de Escolas Oficiais de Minas Gerais. Sou professor efetivo da rede, na matéria de Biologia. Se a gente for olhar, historicamente, eu devo ser o primeiro professor da rede que assume a Secretaria de Educação. Diretor de escola é certo, nunca esteve aqui, nem como sub-secretário.<

O fato de ter uma experiência tão recente com o dia a dia de uma escola vem contribuindo para o seu trabalho na pasta?Contribui muito. Uma coisa que tenho feito muito é rodar o Estado. Meu trabalho não está focado em gabinetes. Já visitei 40 regionais de ensino. Faltam sete apenas. Em todas essas visitas eu converso com os diretores diretamente. Sempre visito escolas. É uma prática muito próxima com a rede mesmo para fazer a diferença. Outro fato, histórico também, é que nossos sub-secretários, todos eles, são servidores públicos e da rede. A nossa secretária-adjunta também é servidora da rede. É um corpo, de fato, formado por educadores, que trabalham dentro da rede de educação e assumiram o primeiro e segundo escalões da pasta.

Imagino que a realidade em cada uma dessas regionais seja bem distinta das demais, devido às diferenças socioeconômicas no Estado.
Minas é extremamente distinto. Em Januária, por exemplo, estive visitando uma comunidade indígena, os Xakriabás. São duas horas de estrada de terra entre Januária e a aldeia. Também em Januária tive o prazer de conhecer uma escola quilombola. Aqui em Ribeirão das Neves fui a uma escola prisional. São várias realidades e a gente tem que ter muito cuidado para poder atender as demandas educacionais. Não é possível fazer uma regra geral para todo mundo. Você pode até criar uma regra geral, mas é preciso escutar a rede para atender as especificidades. Um exemplo: nesse ano tivemos um investimento de mais de R$ 400 milhões em mobiliário escolar. Ao invés de comprarmos o mobiliário centralmente e pedirmos para entregar, lançamos um catálogo em que o diretor de escola pôde pedir a quantidade que ele precisava. Teve diretor que pediu escaninho, data show, cadeira, mesa, tudo que precisava... Nós liberamos o dinheiro e eles estão finalizando as compras. Tem televisão que o diretor precisa comprar. Pouca gente sabe que o diretor tem que ter tanquinho na escola (risos). Se eu não contar isso para todo mundo, ninguém vai entender o que é Educação. Eu lhe pergunto: quem lava a cortina da escola? Quem lava o uniforme dos meninos que jogam futebol? É o diretor que pega e leva para a casa dele ou pede à ASD (auxiliar de serviços gerais). Agora lançamos um catálogo que será obrigatório em todas as escolas do Estado, com pelo menos um tanquinho para lavar uniforme, cortina, toalha de mesa... Já estamos nesse nível agora. Diretor de escola está feliz com isso. 

Após dois anos de pandemia e com aulas on-line, qual o diagnóstico da SEE sobre a situação de aprendizagem dos alunos?
Conseguimos, por duas vezes consecutivas, no estudo da Fundação Getúlio Vargas, ser reconhecido como terceiro melhor regime remoto no país. Fizemos de uma forma muito interessante, com boa qualidade. O ensino remoto na educação básica nunca existiu no mundo. Não havia uma referência. Até conseguir construir isso nós contamos com o apoio dos professores da rede. O PET (Plano de Estudo Tutorado) foi escrito por professores da rede em dois meses. As aulas que foram dadas na TV foram os professores da rede que fizeram, alguns deles sem nunca ter entrado num estúdio antes. Enquanto isso, os diretores de escola iam de porta em porta levar o kit alimentação na casa dos estudantes. Nós sabíamos que teríamos perda de aprendizagem, com os estudos mostrando que seria muito grande, mas o resultado do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que saiu recentemente, revelou que conseguimos reduzir essa perda de aprendizagem e surpreender todos os estudos. 

Quais são as ações de recomposição da aprendizagem dos alunos da rede pública no pós-pandemia?
Agora vamos intensificar as práticas de reforço escolar. Já estamos trabalhando com o pós-pandemia. Não esperamos o resultado do Ideb para começar a trabalhar. Já sabíamos onde deveríamos atuar. Estamos com 91 mil estudantes matriculados no reforço escolar, que acontece no contraturno ou no sexto horário, com professores específicos das aulas de Matemática e Português para aqueles estudantes que estão com déficit de aprendizagem. Hoje, o nosso desafio é um pouco maior, porque nós também temos as questões socioemocionais, que estão refletindo dentro da escola, após o estudante ficar muito tempo dentro de casa. São duas frentes: recomposição de aprendizagem, por meio de ferramenta de reforço escolar, tendo lançado recentemente o Mapa, um guia para que o professor siga com o currículo-referência, com plano de curso e aulas no “Se Liga Educação”, no “Conexão Escola” e com o jornal “Lupa”. Assim, eles estarão alinhados com o que os estudantes serão cobrados no Enem, nas avaliações externas e diagnósticas formativas. Segundo ponto: expansão do ensino médio em tempo integral. Além disso, contratamos 460 psicólogos e assistentes sociais que atuam em núcleos em todas as nossas regionais para realizar projetos de assistência emocional, porque o cenário nos exige que isso seja feito. E também, como consequência da pandemia, nós temos um aumento da violência. Tudo que a gente tem na sociedade reflete dentro da escola. Com isso, lançamos uma medida educacional de paz nas escolas.

Nós temos avaliações diagnósticas e formativas que são aplicadas nas nossas escolas e servem para o diretor ter um diagnóstico dessa aprendizagem. Em Juiz de Fora, nós lançamos uma escala formativa, em que é uma espécie de régua. A partir de  nossas avaliações formativas, nós temos uma nota ideal que servirá para avaliar a aprendizagem do estudante. Com isso, poderemos fazer intervenções pedagógicas específicas. É algo inédito também na educação brasileira. Apesar de diversas críticas que recebemos, nós conseguimos fazer avaliações diagnósticas dos estudantes de como ele estava antes e como saiu (da pandemia) e traçar políticas públicas em cima. Tivemos muita coragem. Quando a gente olha para trás, às vezes achamos que somos um pouquinho doido, mas é um tantão de gente apaixonada pela educação que tem aqui. Está todo mundo empolgado, sempre achamos que podemos fazer mais. O mais legal é isso: uma equipe extremamente alinhada para produzir ainda mais. Esse é nosso diferencial.

Por falar em violência, o tema recorrente nos debates sobre educação. Quais outras ações têm sido adotadas para prevenção e combate nas escolas?
Adequamos o fluxo de encaminhamento desses casos de violência e lançamos novamente a ferramenta Sima (Sistema Integrado de Monitoramento e Avaliação em Direitos Humanos), que fizemos em parceria com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, em que o diretor da escola registra as ocorrências dentro desse sistema e é orientado, passo a passo, como deve agir. Temos um programa que é a nossa menina dos olhos, o Plano de Enfrentamento ao Assédio Sexual nas Instituições de Ensino. Em parceria com a Controladoria do Estado, estamos criando uma cartilha de orientação com processos para enfrentamento, voltado para corpo docente e estudantes. Estamos muito felizes com isso, pois estamos colocando a mão num lugar que poucos gostam de botar. Também temos o Proerd (Programa Educacional de Resistência às Drogas) e a patrulha escolar atuando nas escolas.

Quais são as ações da Secretaria para a valorização dos professores?

Nós lançamos o "Trilhas dos Educadores", que oferece mais de 90 mil vagas para os professores da rede e servidores das regionais poderem fazer pós-graduação em instituições de ensino superior, podendo ser mestrado ou doutorado. Já lançamos 25 mil bolsas de estudos. Pessoa que está fazendo mestrado e tem aula presencial, vai ser afastado para poder estudar. Já temos professores fazendo pós-graduação em instituições de ensino públicas e privadas, custeadas pelo Estado. No próximo semestre do ano que vem, vamos lançar mais uma edição, possibilitando fazer pós em várias aulas da educação.É o maior programa de formação para profissionais da educação feito no Brasil. Ainda em relação à valorização dos professores, nós fizemos a incorporação do Adveb - Adicional de verba da educação básica na folha de pagamento, no valor de R$ 5,4 milhões. Fizemos o reajuste de 10,6% do salário de todo mundo, sendo que o pagamento tem sido feito em dia. Acabamos com o parcelamento. Para o diretor de escola, já estamos pagando a projeção especial para quem está há mais de três anos, com um reajuste de 3.5%, levando-o para a aposentadoria. Temos previsto, para o próximo ano, um concurso, com 19 mil vagas para todas as carreiras da educação, exceto ajudante de serviços gerais, que é um campo mais específico para ser feito.  

As universidades estaduais – UEMG e Unimontes – são sempre foco de discussões sobre a necessidade de mais investimentos  e melhoria de estrutura. O que tem sido feito por essas instituições?

Fizemos um investimento robusto nessas universidades , com o intuito de apoiar a educação superior. Só a Unimontes, em 2019, recebeu R$ 7,5 milhões em investimentos. Em 2020, foram R$ 6,6 milhões. Em 2021, R$ 100 milhões. Já a Uemg recebeu, em 2019, R$ 31 milhões. Em2020, R$ 6,5 milhões. Em 2021, R$ 73 milhões. Estamos fazendo a descentralização de verbas e apoiando as universidades federais no Estado, com R$ 350 milhões, para projetos que contemplem a educação básica, como uma forma de aproximar as escolas de ensino superior à educação básica. Na semana retrasada, conseguimos concretizar algo que todos os reitores que tinha pedido.

Qual é o principal gargalo da educação no Estado?

Nosso principal gargalo é promover a recomposição da aprendizagem. Nós temos uma consequência do período de pandemia que tem que ser tratada com muito carinho. Nós precisamos ganhar velocidade na aprendizagem dos estudantes, com ferramentas diversas e aulas mais próximas da realidade local, para que a gente consiga recompor a aprendizagem de um ano e meio de distanciamento social. Também temos um outro desafio, que é muito bom, que é ampliar as vagas do “Trilhas do Futuro”, um programa de grande sucesso, em que os nossos estudantes fazem cursos profissionalizantes em instituições de ensino privado. Hoje nós temos 107 mil estudantes fazendo esses cursos, com bolsas pagas pelo Estado. E queremos ampliar ainda mais as vagas. O estudante do ensino médio tem que sair preparado para o mercado de trabalho. Nós temos um programa, que é muito especial para mim, que o é de reconhecimento “Escola Transformação”, em que já investimos R$ 105 milhões. As escolas são premiadas ao longo do ano pela boa gestão e boa prática pedagógica. Além do prêmio de honra ao mérito, ganham ainda R$ 100 mil para serem usados com os estudantes. Isso porque temos visto trabalhos de campo, com estudantes nossos indo para Porto Seguro para conhecer a história do Brasil, por exemplo.

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