Curta-metragem conta a história praticamente apagada de uma atleta mineira

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
04/11/2016 às 16:58.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:31
 (Divulgação)

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Recordista sul-americana nos 800m, a atleta mineira Irenice Maria Rodrigues enfrentou o regime militar, chegando a fingir que iria correr uma prova e sair andando como forma de protesto, quando obrigaram-na a participar da competição mesmo lesionada. Foi punida e banida do esporte. Era para ser hoje uma heroína, mas a história dela só agora está sendo contada. 

Exibido no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro, o curta-metragem “Procura-se Irenice”, de Thiago B. Mendonça e Marco Escrivão, é exatamente o que diz o título: uma investigação sobre um “apagamento” histórico. “Praticamente não havia registros dela. Alguns poucos falavam de uma questão de indisciplina”, registra Thiago.

Esse “ato de indisciplina”, ocorrido nos Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México, tirou a mineira de Itabirito da delegação. Não chegou a competir e teve que voltar para casa após ter buscado o índice de maneira corajosa, peitando o seu clube, o Fluminense, que havia lhe dado uma suspensão. Disputou a classificatória de roupas brancas, sem marcas.

“Ela sempre teve uma história de contestação. Os pensamentos autoritários tinham entrado em toda a estrutura do país, inclusive no esporte. Irenice era negra, mulher e pobre. Sua história é reveladora de lutas que aconteceram em outros extratos, como a classe trabalhadora. No Brasil, só se contam os presos políticos como vítimas da ditadura”, afirma.

O cineasta, que nesse ano ganhou a Mostra de Cinema de Tiradentes com o longa “Jovens Infelizes ou Um Homem que Grita Não É um Urso que Dança”, destaca que a atleta enfrentou a repressão sozinha, com postura de “black panther” – grupo revolucionário surgido na década de 60 que lutava pelos direitos da população negra americana.

“Essa é uma história perversa de apagamento, tirando uma pessoa do mapa, ainda que seu recorde nos 800m tenha perdurado até recentemente. O que ela fez não foi pouca coisa. O Comitê Olímpico Brasileiro recomendava, na época, que as mulheres não disputassem os 800m, mas ela buscou o índice para os Jogos”, destaca Thiago.

A equipe foi a Itabirito falar com familiares, que pouco sabiam da história esportiva de Irenice. “Fomos ao cemitério e, na lápide, não há o nome dela. Não sei o quanto disso se dá por descaso ou receio. Quando ela morreu, em 1981, a ditadura ainda estava presente”, pondera o diretor, que foi à rádio local conseguir mais depoimentos. Algumas informações não puderam ser comprovadas, como a de que Irenice tenha sido proibida de estudar em universidade pública. “Após 71, quando teve que deixar o atletismo, as informações foram se perdendo. Irenice é só a ponta do iceberg de tantos apagamentos ocorridos nesse Brasil”.

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