Em ‘A Palavra no Espelho’, Cristina Ávila volta a trilhar o caminho aberto por seu pai

José Antônio Bicalho
jleite@hojeemdia.com.br
29/07/2016 às 17:16.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:03
 (Reprodução)

(Reprodução)

Afonso Ávila foi o grande reinventor da teoria do barroco. E Cristina Ávila, sua fiel escudeira e continuadora. No recém-lançado “A Palavra no Espelho”, Cristina volta a trilhar o caminho aberto por seu pai, em 1967, com o clássico “Resíduos seiscentistas em Minas”.

A grande descoberta de Afonso foi que a expressão artística do barroco na arquitetura e na ornamentação era uma projeção da alma do homem que habitava Minas Gerais nos setecentos. A opressão por meio do exagero decorativo, a teatralidade do interior das igrejas e a ilusão gerada pelos jogos de luzes e sobreposição de planos seriam a expressão da alma atormentada do homem barroco.

Afonso deu sequência e solidificou sua teoria com a publicação de “O lúdico e as projeções do mundo barroco”, de 1971, obra de grande erudição. Os livros de Afonso são clássicos e obrigatórios para quem deseja estudar as origens da arte e da arquitetura brasileiras. E a vertente de pensamento inaugurada por ele une todos os teóricos do barroco.

Ciclo
“A Palavra no Espelho” também caminha nessa direção. Cristina foi diretora da revista Barroco, inaugurada por Afonso no final dos anos sessenta, importantíssima publicação que reuniu teóricos brasileiros e estrangeiros das artes, e que em 2013 fechou o ciclo de 20 volumes com uma edição póstuma em homenagem a Afonso (morto em 2012). Cristina era, portanto, ligada não apenas afetivamente ao pai, mas também intelectualmente.

Em seu novo livro, Cristina faz um paralelo entre a ornamentação das igrejas barrocas e os escritos dos setecentos (poesia árcade, textos literários e discursos religiosos). Mostra que os mesmos recursos iconográficos das igrejas mineiras dos setecentos também estam presentes nos escritos do período. Não poderia ser diferente, já que ambos seriam fruto do ambiente social opressor gerado pela religião e pelo controle do ouro. 

A ação da contrarreforma e a mão pesada do governo português gerou uma sociedade absolutamente mística e reprimida. Mas, também, exuberante na representação do divino, nas celebrações religiosas e nas festas públicas. Essa contradição está projetada na profusão de ornamentos, no exagero teatral e no ambiente opressor do interior das igrejas barrocas. E, também, nos textos hiperbólicos, adjetivados e distorcidos do período, sejam literários ou religiosos.

Costura
A ideia central desenvolvida por Cristina não é original (e isso não diminui a importância do livro), mas a autora é a que mergulhou mais fundo na costura entre o texto, a arquitetura e a ornamentação barrocos. As colunas torsas das igrejas teriam seu paralelo nas hipérboles da literatura; o exagero ornamental na adjetivação; as curvas e sobreposições nos silogismos; os interiores escuros das igrejas na falta de clareza dos argumentos.

Um trabalho de fôlego da herdeira intelectual de Afonso Ávila. O livro, editado pelo Instituto Cultural Amilcar Martins, dentro da Coleção Memória de Minas, traz ainda uma bem selecionada documentação iconográfica.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por