Filme trata o Brasil com certa dose de angústia

Estadão Contéudo
06/05/2016 às 08:30.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:18
 (Divulgação)

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A juventude dourada da zona sul aluga uma laje para festinhas de embalo onde rolam drogas, sexo... e música sertaneja. Tal é o ambiente colocado em cena, na base da porrada, por Neville D’Almeida (de Os Sete Gatinhos), em A Frente Fria Que a Chuva Traz, filme baseado em peça de Mario Bortolotto.

Em torno da garotada rica, vazia e ávida por novas experiências, gravitam um segurança (o próprio Bortolotto), o proprietário da laje (Flávio Bauraqui) e uma garota de programa (Bruna Linzmeyer), que entra no embalo para conseguir drogas de graça. Comparece também um cantor de sertanejo universitário, ídolo brega da turma.

Os primeiros planos são muito bonitos. Imagens do Rio. Cartão-postal, porém a contrapelo, visto da comunidade. É onde chega um rapaz de moto de grife e uma garota, a bordo de uma BMW. Estacionam no sopé do morro e sobem pelas vielas, até a laje com vista panorâmica.

E é então que começam os diálogos. Quem se incomodar com grosseria, é melhor nem começar. São três palavrões para cada duas palavras. O sexo é assunto dominante. Mas sexo mais falado do que visto. É para chocar? Talvez seja. Bortolotto não é de muitas sutilezas. Assim como Neville também não é. Com pé no cinema marginal, sempre revelou gosto pelo grotesco. Daí as críticas às suas bem-sucedidas adaptações de Os Sete Gatinhos e A Dama do Lotação, de Nelson Rodrigues, dois grandes sucessos de bilheteria.

De certa forma, Neville restabelece diálogo com Rio Babilônia, seu filme de 1982. Rodado na fase final da ditadura, já prefigurava o Brasil que dali sairia, com violência urbana, niilismo dos ricos, indiferença dos outros. E assim chegamos aos anos atuais, os de A Frente Fria que a Chuva Traz, com sua juventude corrompida e à beira da autodestruição na busca desesperada pelo prazer instantâneo.

Num ambiente desses, seria risível falar em qualquer tipo de politização ou comiseração pelos outros. Ou de autorrespeito ou qualquer coisa assim. Tudo vira motivo de piada. Tudo é competição boçal (até para ver quem bebe mais, droga-se mais ou transa mais), além de sentimento de desprezo e repulsa em relação a classes mais baixas. Sobe-se o morro não por sentimento de pertencimento ou mesmo populismo, mas apenas pela busca da adrenalina.

Claro que isso é um retrato de Brasil e tão mais desconfortável quanto mais sentimos que se aproxima da realidade. A negatividade chega a tal grau que nem os contrapontos parecem surtir efeito, para dano da dramaturgia. Por exemplo, os personagens como o morador Gru (Bauraqui) e o segurança da festa (Bortolotto) parecem frouxos em relação ao grupo de jovens que se esbalda no centro da ação. E mesmo o solo revoltado de Amsterdã (Bruna) expressa mais desejo de catarse do que outra coisa qualquer.

Em todo caso, a escolha do registro é do diretor e Neville tem todo direito de escolher um certo paroxismo para tratar do Brasil contemporâneo. Talvez tenha razão, e o Brasil atual não caiba mais nos limites severos do realismo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. 

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