CINEMA

'O Acontecimento' aborda aborto sem fazer julgamentos

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
11/07/2022 às 09:56.
Atualizado em 11/07/2022 às 09:57
Filme é uma adaptação do romance homônimo de Annie Ernaux, que aborda a sua experiência com o aborto, quando este ainda era ilegal em França nos anos 60 (Zeta Filmes/Divulgação)

Filme é uma adaptação do romance homônimo de Annie Ernaux, que aborda a sua experiência com o aborto, quando este ainda era ilegal em França nos anos 60 (Zeta Filmes/Divulgação)

Se fosse lançado nas décadas de 1970 e 1980, “O Acontecimento” teria virado provavelmente um daqueles dramalhões envolvendo o tema da gravidez indesejada, soterrado em sentimentos de culpa e contaminado por uma visão religiosa.

O aborto aqui é sinônimo de alívio. A vontade de Anne não é defendida exaustivamente, afrontando a Igreja Católica e a família. Não há nenhum padre na trama e os pais só sabem que a filha está com dificuldades da escola.

Em nenhum instante Anne abre mão de sua opção de abortar. Somente uma vez ouvimos os motivos, ao dizer que futuramente quer ter um filho, mas neste momento prefere viver. Ela é uma garota normal, simples e estudiosa.

Somos apresentados a ela depois que a relação sexual acontece, tirando foco do ato em si. Essa omissão é um dos trunfos do filme de Audrey Diwan, ganhador do Leão de Ouro no Festival de Veneza no ano passado. 

Sem a cena de sexo, Diwan exime a protagonista de julgamentos – se foi inocente ou promíscua ao se entregar a um desconhecido. Com a câmera 100% em cima da personagem, “O Acontecimento” vira uma espécie de thriller.

A passagem do tempo cria uma grande ansiedade. Nessa luta contra o relógio não se põe em questão o fato de Anne querer eliminar uma vida. O tema central é uma legislação (estamos nos anos 60) que proíbe o aborto na França.

A lei não é palpável, não tem defensores agindo como um cadáver obstruindo a passagem. Os tempos são outros, mas o risco de ser preso muda tudo à volta. A delicadeza de Anne se contrapõe a esse grande “monstro”.

Esse é outro ponto acertado de “O Acontecimento” – o título já ajuda a retirar qualquer outro aspecto que não seja o jurídico na discussão. Interpretada por Anamaria Vartolomei, Anne ganha contornos angelicais.

Diwan conduz o filme até o final nessa perspectiva, realizando a proeza de afunilar o debate. O sentimento de alívio é presente e ganha uma cena muita sugestiva, valendo-se principalmente do som para expressar a conclusão.

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