Traço da cultura brasileira, as simpatias viraram objeto de pesquisa em BH

Vanessa Perroni
vperroni@hojeemdia.com.br
22/07/2016 às 19:27.
Atualizado em 15/11/2021 às 19:58
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Pode ser que você já tenha feito, ou ao menos conhece alguém que já fez. Estamos falando de simpatias, tema que faz parte da tradição brasileira e que se tornou objeto de pesquisa do projeto “Simpatias da Dalva”. “Muita gente pode não fazer uma receita de simpatia inteira, mas está ligada a isso de certa forma. Seja colocar uma espada-de-são-jorge na frente da casa, ou deixar um terço no carro”, exemplifica a pesquisadora Thais Mol, de 39 anos, que ao lado de Luciana Tanure, 38, desenvolve o projeto que resultará em um livro.


As pesquisadoras deram início ao trabalho a partir do material deixado por Dalva Moreira Borges (1928-1988). Dona de casa mineira radicada no Rio de Janeiro, ela registrava seus rituais de cura em bilhetes que enviava ao marido, e também em uma caderneta intitulada “Simpatias de A a Z”, que continha receitas para saúde, casamento, filhos, dinheiro e trabalho.

"Esse é um patrimônio imaterial que está se perdendo. É um tema muito popular e familiar para a maioria das pessoas. Ele também nos fala de História”, justifica Thais.

Para tirar a simpatia do lugar comum, somente feitas pelas senhoras do interior, as pesquisadoras fazem links com as artes. “Vamos trazer para o universo das performances, das artes plásticas, porque muitas delas são visuais”, comenta ela ao falar da série de fotografias que prepara para o livro. “Tem uma receita que você desenha seu pé na árvore e depois arranca a casca dessa árvore. Isso é visual demais e tem uma entrega do sujeito muito grande”, elucida Thais.

Como parte da pesquisa para a obra, o projeto promove a “Ciranda de Conversas sobre Ritualizações no Cotidiano”, aberta ao público. O primeiro encontro ocorreu no último dia 14. “Queremos dar um viés crítico, filosófico e artístico para o tema. Mostrar que os elementos das receitas não estão ali de forma aleatória, existe uma origem”, acrescenta.

“O assunto que mais se repete nos escritos de dona Dalva é sobre o amor. Tem a ver com o tempo e as questões da mulher naquela época. Tem simpatias para conseguir um amor, para esquecer, para ele não pensar em outra...”

  

Bem-estar
O uso de chás, benzeções e simpatias estão ligados ao universo do bem-estar. “Antigamente – e em muitas localidades isso ainda acontece – as pessoas não tinham acesso à saúde. Muitas moravam longe da cidade e a estrada era de terra. Então recorriam às tradições que são fruto da nossa miscigenação, segundo estudos”, explica o sociólogo Arlindo Castro.

Embora uma tradição, o tema é tratado, por alguns, de forma jocosa. “É um medo de assumir alguns desejos. De parecer ridículo por recorrer aos rituais para conseguir algo. O que está no campo emocional é mais difícil de a pessoa assumir”, esclarece Thais. 

E ao contrário do que muitos pensam, a simpatia não é algo ligado a pessoas sem instrução. “Acreditar ou não independe de escolaridade, classe social ou qualquer outra coisa nesse sentido. Tem relação com a sua crença e seus valores”, analisa.

Todos essas questões estarão presentes no livro “Simpatias da Dalva”, que deve ser lançado até o final do ano. Ele será bilíngue e também contará com uma versão audiobook. “Nosso objetivo é possibilitar o acesso e a valorização desses saberes”.

 Wesley RodriguesSimpatia é uma tradição na família de Junia, que agora passa para a filha Sofia

 Tradição e fé são passadas de mãe para filhos

Sempre que não se sente bem, a artesã e geógrafa Junia Lima, de 38 anos, recorre à sua mãe. “Ela me benze ou faz alguma simpatia mesmo à distância”, comenta. Ela, que cresceu em Alvinópolis, tem esses rituais como um porto seguro. “Morávamos longe do centro da cidade e não tínhamos acesso a medicamentos. Minha mãe sempre resolveu tudo com chás e simpatias. Tenho uma crença grande nisso”, explica Junia.

O aprendizado ela trouxe na mudança para a capital, e utiliza algumas receitas com a filha Sofia, 9 anos. “Já fiz contra mau-olhado, asma e espinhela caída. Minha filha sempre pede para minha mãe benzê-la. Quis passar essa tradição para ela”, pontua. 

Vinda de uma família grande, Junia foi um dos 11 irmãos a perpetuar os ensinamentos de sua mãe Rita de Cássia, 71 anos. “São mais as mulheres da família que fazem as simpatias”.

Sal, água, pano branco, carvão são alguns elementos que Junia utiliza nas simpatias. “Agora quero fazer um livro com todas as receitas da minha mãe para isso não se perder. As coisas vão modernizando e a gente esquece”.

 Flávio TavaresSimpatias envolvendo a imagem de Santo Antônio estão entre as mais conhecidas para encontrar um amor


Amor
“Coitado do Santo Antônio. Briguei muito com ele”, brinca a fonoaudióloga M.A.S, 31 anos, que se casa daqui a três meses. “Minha avó contou que tinha feito essa simpatia e conheceu meu avô. Pensei: porque não?”, conta.

Há um ano e meio ela colocou o santo de ponta-cabeça em um copo de arroz para encontrar um namorado. Após cinco meses conheceu o futuro marido. “Minha família brinca com ele que está casando por culpa do santo. Mas ele se diverte”. E o que ela fez com o santo? “Continua no arroz. Só sai de lá depois que eu disser sim no altar, que é para garantir”, ri.

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