Vamos Brincar?

Paulo Henrique Silva / Hoje em Dia
11/10/2015 às 07:44.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:00
 (Flávio Tavares / Hoje em Dia)

(Flávio Tavares / Hoje em Dia)

Amanhã, Dia das Crianças, não é exagero dizer que milhões de presentes, novinhos em folha, vão aportar às mãos de “baixinhos” de todo o país. Desses, a maioria vai traçar o script habitual: anos depois, ser repassada a outras crianças. Ou não. Os brinquedos que forem elevados à categoria “objeto de afeto” poderão ter destino similar ao de “Paulinho”, um boneco que resiste bravamente ao passar dos anos e até hoje é conservado por sua orgulhosa proprietária, Tatiana Azevedo.

A moça, aliás, tem sua história de vida atavicamente ligada aos toys. Ela é neta da saudosa Dona Luiza, idealizadora do Museu dos Brinquedos, localizado na av. Afonso Pena, 2.564. Lá, o visitante encontra um bom pedaço da memória dos primeiros anos de vida de Tatiana, hoje, coordenadora de projetos da instituição. Mas Paulinho... bem, este não está exposto. “Ganhei dos meus pais – ou melhor, do ‘Papai Noel’, quando tinha oito anos. Hoje, quem brinca com ele é a minha filha, Lara. Paulinho continua me levando ao encontro de minha infância” observa ela, que, vale dizer, quase chegou a perder seu amigo diário de brincadeiras. É que, quando tinha seus 11 anos, a mãe chegou a passar o boneco para outra criança – no caso, filha da funcionária da casa.

Proteção
“Fiquei tão chateada que dei um jeito de juntar dinheiro e comprar uma boneca nova, convencendo- a fazer uma troca e devolver meu Paulinho”, recorda Tatiana. Afinal de contas, era um “filho”. “Menina tem muito disso, da maternidade, o cuidado. Mesmo crescendo, tinha que protegê-lo. Dentro daquele imaginário infantil, já carregava uma espécie de responsabilidade com o indivíduo”, assinala.

Paulinho foi o parceiro de todos os momentos. Como ela gostava de brincar de casinha, o boneco tomava café, almoçava, passeava e atuava nos cenários criados pela mente de Tatiana. “Brincar de casinha é assim: a menina fica o dia inteiro com o boneco”, diz.

Velocípede
Antes de Lara nascer, Paulinho ficava sempre à vista, sobre a cama de Tatiana, entre as almofadas. Transportado para o quarto da menina, o boneco não está entre os preferidos, mas é o “filhinho” de sua mãe.

O preferido da bisavó está entre as atrações do Museu dos Brinquedos. Uma boneca artesanal, sem nome, que Dona Luiza fez questão de guardar para as filhas e netas se divertirem. Na instituição, há vários casos de adultos que doam seus brinquedos para preservar histórias de infância.
“Muita gente não tem espaço em casa e, ao se desfazer do brinquedo, prefere doar para o museu, como uma maneira de manter a importância, devido ao valor sentimental”, afirma.

Um velocípede veio de Franca por causa disso. Junto a ele, trouxe o emocionante relato de um menino de dois anos que foi atropelado por um caminhão e, após seis meses no hospital, desaprendeu a andar. “O pai adaptou um velocípede, adicionando engrenagens que estimulavam o filho a pedalar”, explica Tatiana.

Valor afetivo versus consumismo
Brinquedo, só no Dia das Crianças e no Natal. E por serem tão raros na casa de Riva Mara Paulino, durante sua infância, ela fez questão de preservá-los na vida adulta. Além de ter um significado educativo, mostrando às filhas a importância do zelo e o perigo do consumismo.

A boneca Atchim é uma das que ficaram como lição de que, sim, era possível ser feliz com pouco. “A vida era difícil e aprendemos a valorizar o que tínhamos. Hoje as crianças não têm limites”, compara Riva, valendo-se das filhas gêmeas Marina e Giovana, de sete anos, como exemplos.

O quarto da dupla é recheado de brinquedos, ampliado devido à festa de aniversário do último domingo, comemorado em um cinema. “Poucos dias depois de ganharem um monte de brinquedos, muitos ainda na caixa, já estavam me pedindo outro. É abusivo e desnecessário”.

No meio da rua
Em sua época, lembra Riva, a quantidade não era o mais importante. Ela trocava com os amiguinhos e tinha a rua como um palco barato e democrático para toda sorte de brincadeira. “Era rouba-bandeira, queimada... Juntava todo mundo na porta de casa, algo que não se vê mais”.

Na década de 70, recorda Riva, brinquedo “era igual disco do Roberto Carlos: só lançavam no Natal”. Agora, destaca, vivemos a cultura do excesso de opções. “Elas (as crianças) não têm mais noção do valor das coisas. Acham que é só ir no banco e tirar dinheiro”, lamenta.

Além do Museu dos Brinquedos, outro local de culto aos antigos passatempos é o bar Soho Orb Pub & Games. Junto com uma montanha de batatas fritas é possível, para quem tem mais de 30 anos, reviver jogos de tabuleiro. São mais de 80 opções, que vão do ludo ao War.

Matar a Saudade
Foi esse atrativo, por sinal, que fez o Soho ganhar uma cara própria. E principalmente clientes. “Quando inauguramos, há 23 anos, não se tinha nada para fazer no bar. Aí os amigos começaram a trazer seus tabuleiros”, conta Fábio Ferreira, um fã dos jogos de gamão.

Como se trata também de seu ambiente de trabalho, Fábio só joga para ensinar aos clientes, momento em que aproveita para matar a saudade. Morando até hoje no mesmo bairro de sua infância, no Santa Cruz, ele se lembra dos tempos em que descia as ruas em carrinho de rolimã.

Uma das chateações de Fábio é ter descoberto que sua mãe havia doado seu autorama, que ele ganhou quando tinha 7 anos. “Por eu ter 54 anos, ela achou que eu não queria mais”, lamenta. “Mas minhas irmãs ainda têm as bonecas”, diverte-se.

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