Flávia Magalhães

'Há uma história de pioneirismo e lutas para ser contada’, diz médica mineira que atende a Seleção

Com mais de 20 anos atuando no futebol, a presidente da Sociedade Mineira de Medicina do Esporte fala de conquistas e desafios no mundo da bola

Angel Drumond
angel.lima@hojeemdia.com.br
Publicado em 11/12/2023 às 07:00.
Flávia Magalhães é especialista em medicina esportiva e pós-graduada em Fisioterapia Traumato-ortopédica, Fisiologia do Exercício e Ciências do Futebol (Mourão Panda)

Flávia Magalhães é especialista em medicina esportiva e pós-graduada em Fisioterapia Traumato-ortopédica, Fisiologia do Exercício e Ciências do Futebol (Mourão Panda)

A temporada do futebol brasileiro se encerrou na última quarta-feira (6), com atletas em diversos estágios de desempenho. Enquanto alguns ficaram entregues ao Departamento Médico, outros entraram em campo “voando”, correndo como se estivessem iniciando os trabalhos. Um dos fatores fundamentais para que isso aconteça está na educação alimentar. E é aí que entra Flávia Magalhães, médica e nutricionista, especialista em gestão de saúde e performance de atletas.

Natural de Belo Horizonte, a profissional é especialista em medicina esportiva e pós-graduada em Fisioterapia Traumato-ortopédica, Fisiologia do Exercício e Ciências do Futebol. Com mais de 20 anos atuando no futebol, Flávia é a atual Presidente da Sociedade Mineira de Medicina do Esporte (SMEXE) e atuou como membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte (SBMEE) por duas gestões.

Desde 2015 acumula convocações para as seleções brasileiras (masculina e feminina) de futebol, além de já ter coordenado o departamento médico em competições da CBF. Entre 2018 e 2023 atuou no departamento de futebol profissional, base e feminino do América-MG. 

Nesta conversa com o Hoje em Dia, falou de ações que alguns atletas acreditam ser eficazes para melhorar o desempenho. Porém, muitas são intervenções “milagrosas” proibidas, “como o uso de anabolizantes sem indicação clínica”. Fora do dia a dia de uma equipe de futebol profissional, Flávia ainda tem o sonho de voltar à rotina, mesmo diante das adversidades e do preconceito.

A experiência no mundo da bola virou um livro, que deverá ser lançado em março de 2024, no mês da mulher. Em um dos relatos, Flávia Magalhães relembra o momento em que foi convocada pelo Brasil e se tornou a primeira mulher mineira a vestir a camisa da Seleção Brasileira como médica.

Como e quando começou a sua relação com o esporte?
Desde criança sou muito ligada ao esporte. No colégio fiz ginástica olímpica, também fiz jazz e ballet. Em casa, jogava bola com os irmãos desde os três anos de idade. Comecei a jogar com mais familiares aos seis anos, disputando jogos da família. Aos 11 anos, com o objetivo de crescer, iniciei treinos de basquete, em uma parceria entre o Atlético e o Colégio Santo Agostinho. Disputei várias competições e vencemos muitos intercolegiais na época. 
Participava de todas as modalidades esportivas: corria, nadava, jogava basquete, handebol, vôlei. O futebol não era comum entre as mulheres e, por isso, demorei a competir na modalidade, embora já treinasse com os meninos. Depois, aos 15, já disputava campeonatos escolares e foi nessa idade que recebi o primeiro convite para jogar futebol de campo em um clube, no caso, o América, mas minha mãe não autorizou. Anos mais tarde joguei futsal, já na categoria profissional, no Minas Tênis Clube, no América e no Atlético, onde também atuei no futebol de campo.

O que levou você a se especializar e exercer função na medicina esportiva?
A paixão pelo esporte e pela saúde. Tenho inúmeras formações na área, além de médica, sou nutricionista e gestora. Busco aprimorar meu conhecimento a cada dia, com o objetivo de ter uma visão ampla da medicina esportiva, servindo como suporte para atletas profissionais e até mesmo para aqueles que têm o exercício físico como hobby. 

Quais são os principais desafios da medicina esportiva hoje e qual é a diferença dela para as demais áreas médicas?
Hoje existe uma abordagem do esporte por várias áreas e muitas intervenções “milagrosas” proibidas, como o uso de anabolizantes sem indicação clínica. A sociedade imediatista quer resultados rápidos e se submete a tratamentos que não têm comprovação científica e que podem trazer consequências negativas. Sobre o diferencial da medicina do esporte, ela é uma especialidade que entende o atleta ou praticante de atividade física em todos os aspectos. Falamos de um especialista que abrange todas as áreas médicas para gerar a condução dos casos em consonância com as alterações fisiológicas provenientes do exercício.

Você ainda tem vontade de voltar a trabalhar em clubes?
Sim. Hoje possuo mais um diferencial que é a formação em gestão. Isso me permite um olhar ampliado de gestão de departamento médico ou até gestão de equipes. Por conta dos meus 20 anos de experiência na área, me vejo com muitas possibilidades de contribuir para a transformação da modalidade, tendo uma voz mais ativa, mesmo diante das adversidades e do preconceito.

Em termos de departamento médico, você notou muita diferença entre o futebol masculino e o feminino? Acredita que, nesse ponto, está ocorrendo uma evolução?
Sim, há diferenças e existe uma evolução, mas ainda precária por falta de equidade. Além disso, vejo conceitos errôneos na percepção de pessoas ligadas ao esporte. Muitos se limitam apenas à questão de gênero e acreditam que o departamento tem que ser formado só por homens ou só por mulheres. Falta bom senso. O que deve prevalecer é a qualidade do profissional, sua capacidade de comunicação, boa gestão e conhecimento técnico e prático dos aspectos ligados à saúde do atleta. Equidade se faz com oportunidades.

Soubemos que você está escrevendo um livro com o nome de “A inSUSTENTÁVEL leveza de ser mulher no futebol”. O que ele trará de mais interessante? Quando deve ser o lançamento e qual é o seu objetivo ao fazer esta obra?
É um livro autobiográfico, que apresentará a minha caminhada no mundo do esporte, com particularidades da mulher neste cenário, explicando também questões da legislação. Meu objetivo é criar mais autoridade no meu campo de atuação, externar vivências e inspirar outras mulheres a seguirem o caminho do esporte. Ao longo dos últimos anos, assumi vários papéis nesse meio e vivi vários “desgastes”, por ser muito proativa, sonhadora e pelo pioneirismo que tive em um cenário machista. Não gosto de mimimi. Quero escrever histórias. Quero deixar grandes legados. Existe sim a verdade de ser apaixonada e fominha pelo futebol e, portanto, querer estar presente em tudo. Mas também existe uma história de pioneirismo e de lutas que precisa ser contada. Em relação ao lançamento, nossa ideia inicial é fazê-lo em março de 2024, no mês da mulher.

Atuando na parte médica de clubes e seleções, quais foram as suas principais conquistas?
Acredito ser a primeira mulher do país a ter uma carteira assinada no futebol. Além disso, fui a primeira mulher de Minas Gerais a atuar em clubes mineiros e também a primeira a atuar nas categorias profissionais do masculino. Também acredito que tenha sido a primeira a ser coordenadora de categorias de base, iniciação e feminina em clubes. Também fui a primeira mulher mineira a vestir a camisa da Seleção Brasileira como médica e participei de uma Copa do Mundo feminina. Ou seja, é uma sequência de feitos que me deixam feliz, mas que, ao mesmo tempo, mostram que a mulher, de forma geral, ainda tem pouca oportunidade no meio do futebol.

Agora sobre um tema que está muito em alta. Fernando Diniz, técnico do Fluminense e da Seleção Brasileira, e Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, deram declarações recentes criticando a questão do gramado artificial. O que você, como especialista em medicina esportiva, pode falar sobre esse tema?
Primeiro, é bom deixar claro que ainda não há consenso na literatura sobre a relação entre gramados artificiais e lesões em atletas profissionais. O que as pesquisas indicam é que em atletas amadores o índice de lesões aumentou. Nesse aspecto, inúmeras variáveis podem interferir no resultado do estudo, como tipo de calçado, clima e desgaste do campo. Portanto, no momento, é errado dizer que atletas profissionais sofrem mais lesões em gramados sintéticos do que em naturais, porque não há dados científicos que comprovem essa afirmação.

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