Especialistas de diferentes áreas apontam caminhos para tirar o país da crise

Tatiana Moraes
tmoraes@hojeemdia.com.br
13/05/2016 às 22:31.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:26
 (Editoria de Arte)

(Editoria de Arte)

Pelos próximos seis meses, no mínimo, o Brasil será comandado sob uma batuta liberal. O plano de governo a ser seguido é completamente diferente do apresentado por Dilma Rousseff quando ela e o atual presidente em exercício, Michel Temer, ganharam as eleições, em outubro de 2010. Trata-se de uma reviravolta. Um giro de 180º.

Se antes as ações sociais prevaleciam, agora o foco está na ordem e no progresso. Ministérios considerados emblemáticos do governo PT foram cortados e cortes na previdência são esperados. O Hoje em Dia conversou com especialistas nas principais áreas de desafio do governo em exercício para colher análise, perspectivas e propostas.

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Retomada do crescimento, segundo Paulo Haddad

Sem fortes ajustes estruturais o país dificilmente voltará a crescer. A análise é do ex-ministro do Planejamento e da Fazenda do governo Itamar, Paulo Haddad, que defende a redução da taxa básica de juros, hoje em 14,25%, como mola-propulsora da economia brasileira.

Afinal, para ser farto, o crédito precisa ser barato. A reboque, ele costuma levar o varejo e, consequentemente, a indústria.

“Precisamos de uma nova e forte conjuntura, capaz de criar ambiente para que a Selic seja reduzida. Com os juros baixos, a indústria e o varejo vão voltar a gerar empregos”, afirma o especialista.

Vale lembrar que, em 2015, o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 3,8% no confronto com o ano anterior, para R$ 5,9 trilhões. Para 2016, o relatório Focus do Banco Central (BC), divulgado em 6 de maio, projeta nova retração de 3,6%.

Cortes
Haddad defende um corte drástico nos custos da máquina pública. A reorganização começaria com eliminação dos ministérios. Ponto para Temer, que cortou 10 pastas. Mas foi pouco, segundo o economista. Dilma tinha 32 ministros. Segundo Haddad, pelo menos 20 teriam que ser guilhotinados para que o corte fizesse sentido econômico.

Ainda segundo o ex-ministro, promover as reformas tributária, previdenciária, trabalhista e analisar periodicamente os resultados e a eficácia dos programas do governo é fundamental.

No “Uma ponte para o futuro”, documento do PMDB considerado leme do governo, todos os programas deveriam ser avaliados anualmente pelo Congresso. Aqueles considerados desnecessários, seriam encerrados. Haddad acredita ser uma boa medida. “Precisamos implantar o orçamento base zero”, diz.

O problema é que programas importantes para o desenvolvimento social passariam a depender de alianças políticas com deputados e senadores. E, segundo Haddad, a intervenção do Estado para a inclusão social das populações carentes ainda é fundamental, ao contrário do que defendem muitos economistas.

Ele afirma que o atual “círculo vicioso” da crise é consequência de economias mal gerenciadas. Nestes casos, os pobres ficam cada vez mais pobres, e os ricos, cada vez mais ricos. Mas a distribuição de renda é assunto para outro especialista.

O fato de o país ter atualmente mais de 11 milhões de desempregados soa mal ao mercado internacional e afasta os investidores. Afinal, são 11 milhões de pessoas fora do mercado consumidor

 A reforma da Previdência, segundo Roberto de Carvalho Santos

Uma profunda reforma na previdência é desnecessária. É o que afirma o presidente do Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev), Roberto de Carvalho Santos. Ele afirma que a previdência urbana é superavitária em R$ 8 bilhões, em média. A previdência rural, relativa aos agricultores familiares, no entanto, é responsável pelo rombo. O motivo é simples: o homem do campo não contribui com a previdência.

“Temos que enxergar a previdência como uma forma de distribuir renda”, pondera. Ele explica que alguns estudiosos defendem que o benefício dos trabalhadores rurais seja transferido para a pasta da assistência social. Neste caso, porém, só receberiam a aposentadoria aqueles que provarem serem pobres. “Estaríamos formando pobres pois, quem não for, acabaria sendo”, diz.

Aumentar a idade mínima para a aposentadoria, como prevê o plano Temer, também não seria solução. “Quem trabalha desde cedo e contribui desde cedo será prejudicado, pois vai contribuir mais tempo do que os outros. Os jovens não vão querer trabalhar com carteira”, justifica. Além disso, Santos comenta que nos países desenvolvidos a expectativa de vida é de 84 anos e, por isso, a aposentadoria se dá aos 65, 67 anos.

No Brasil, as pessoas se aposentam, em média, aos 55 anos. No entanto, a expectativa de vida é de 74 anos. Há, ainda, o fator previdenciário. “A maioria das pessoas que se aposentam com 50 anos recebe 40% do salário. Ou seja, elas escolhem deixar uma parte do dinheiro para trás. O sistema já é justo”, explica.

Soluções
Entre as alterações que poderiam ser feitas, ele sugere idades iguais para aposentaria para homens e mulheres, inclusive na fórmula 85/95, que une idade e tempo de contribuição, e fim dos benefícios impróprios.

“As filhas solteiras de militares recebem pensão. E quem paga essa conta é o tesouro. Além disso, militares também recebem aposentaria na íntegra. A regra tem de ser a mesma para todos”, diz.

No Brasil, as pessoas se aposentam, em média, aos 55 anos. No entanto, a expectativa de vida é de 74 anos


Inclusão internacional, segundo Stefan Salej

Não é só o povo brasileiro que têm enxergado o país com desconfiança. O investidor internacional também tem visto o Brasil com maus olhos. Tanto que as três principais agências de crédito do mundo, Fitch, S&P e Mood’s revisaram recentemente as notas brasileiras para grau especulativo. Isso significa que investir em solo tupiniquim não é uma boa. Pelo menos, até que reformas sejam consolidadas.
 
“Os investimentos não voltarão simplesmente pela troca de governo e pelo ministério que foi formado. São necessárias ações firmes, como a redução da dívida”, afirma o ex-presidente da Fiemg, cientista político e especialista em economia internacional, Stefan Salej. Ele criticou a escolha do Ministro da Indústria, Marcos Pereira (PRB), e elogiou José Serra (PSDB) na cadeira das Relações Exteriores. “A indústria está caindo dois dígitos e o ministro é praticamente desconhecido, inexperiente. Serra não. Serra é conhecido em todo o mundo”, pondera.

Na avaliação do especialista, o fato de o país ter mais de 11 milhões de desempregados soa mal ao mercado internacional e afasta os investidores. “Afinal, são mais 11 milhões de pessoas fora do mercado consumidor, quadro que terá de ser analisado com afinco pelo presidente em exercício Michel Temer”, diz Salej.

Leis trabalhistas
De acordo com ele, a legislação trabalhista é outro entrave para a atração de investimentos estrangeiros diretos.

“O Brasil tem o sistema trabalhista mais complexo do mundo, um dos mais onerosos”, critica.

A solução, segundo Salej, seria flexibilizar as legislação do trabalho que vigora atualmente, realizando uma grande reforma.

“Essa árvore de Natal que são os direitos dos trabalhadores tem que mudar. Tem direito que prejudica o próprio trabalhador. E prejudica a empresa também”, critica.


Riscos para a distribuição de renda, segundo Cláudio Gontijo

Depois de mais de uma década avançando na distribuição de renda, o Brasil pode sofrer um baque e voltar a concentrar a riqueza. Com planos de privatizar estruturas públicas e fazer drásticas alterações na previdência, o novo governo corre o risco de promover uma involução do coeficiente de Gini brasileiro.

O índice mede a concentração de renda dos países. Quanto mais próximo de zero, mais distribuída é a riqueza daquela nação. O coeficiente do Brasil, que em 2001 era 0,563, evoluiu para 0,489 em 2014, último dado divulgado.

O professor de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-presidente do Conselho Regional de Economia do Estado (Corecon-MG), Cláudio Gontijo, lembra que nos documentos “Uma ponte para o futuro” e “Travessia Social”, ambos utilizados para nortear o novo governo, a privatização é citada diversas vezes. Na última quinta-feira (12), Temer, por meio de medida provisória, lançou o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Como foi um dos primeiros atos do presidente em exercício, o anúncio foi visto como um sinal de que privatizações acontecerão.

“Quem precisa utilizar serviços públicos deve se preocupar”, alerta o economista. Ele prevê que o privado deve imperar sobre o público, inclusive nos serviços básicos como na saúde e educação.

No caso da previdência, o “Uma ponte para o futuro” prega a desvinculação entre o salário mínimo e os benefícios dos aposentados e pensionistas. Hoje, as aposentadorias não podem ser inferiores ao salário. Caso haja a desindexação, isso pode acabar. “Se aposentados começarem a receber menos de um salário mínimo a distribuição de renda será absolutamente afetada”, critica.

Outra questão citada pelo economista, que consta do plano Temer, é o fim dos ajustes automáticos do salário mínimo. Atualmente, ele é reajustado anualmente pelo PIB reatroativo mais o INPC, ou seja, a inflação. “Se o salário pode parar de ser reajustado pela inflação, será mais um problema para agravar a distribuição de renda”, alerta.


Como reerguer a indústria, segundo Lincoln Gonçalves

Mudanças radicais no tratamento dado à indústria são necessárias para que o setor volte a prosperar. “Precisamos que o governo nos trate de forma linear, como age com a agricultura. As normas mudam muito para a indústria, há muita insegurança jurídica e benefícios para setores específicos”, critica o presidente do Conselho de Política Econômica da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Lincoln Gonçalves.

Diminuir a taxa básica de juros, hoje em 14,25%, também é fundamental para que haja uma recuperação da indústria. Com a Selic em queda, o mercado interno seria estimulado. Para que o produto brasileiro seja competitivo no exterior, o representante da indústria defende que o dólar fique acima de R$ 3,70. “O dólar a R$ 3,70 já está incorporado à inflação”, diz.

As questões trabalhistas também são citadas pelo representante da indústria como fundamentais. “A reforma trabalhista é imperativa. As leis do trabalho são velhas, temos que discutir algo mais novo”, afirma.

O representante das indústrias destaca que o que é acordado nas Convenções Trabalhistas deve estar acima da CLT. Se o trabalhador e a empresa definirem que é melhor abrir a empresa de segunda a quinta durante mais horas e não abrir às sextas, por exemplo, seria correto.

O problema é que flexibilizar os contratos dos trabalhadores pode dar margem para tirar alguns direitos, como 13º salário, férias remuneradas, um terço de férias, entre outros.

 O esperado retrocesso na política social, na opinião de Nilmário Miranda

A incorporação dos ministérios voltados às questões sociais e de vulnerabilidade pelo ministério da Justiça foi duramente criticada pelo secretário dos Direitos Humanos do governo Lula e secretário de Estado de Direitos Humanos, Cidadania e Participação Social de Minas Gerais, Nilmário Miranda. O Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, que também incluía a juventude, perdeu a pasta. “As questões sociais deixaram de ser questão de política para se tornar questão de polícia”, afirma o deputado.

Nilmário Miranda diz que o fim do ministério é um sinal claro do presidente em exercício Michel Temer de que os movimentos sociais não terão espaço no novo governo. “Mulheres, LGBT, negros e outros não têm representatividade neste governo”, critica. A própria composição ministerial, formada por homens, ricos e brancos, seria mostra de representatividade do novo governo. “É para estas pessoas que eles irão governar”, afirma.

Mais conservador, o governo em exercício tende a aprovar pautas polêmicas, entre elas o Estatuto da Família, que entende como família apenas relações formadas por homens e mulheres, por meio de casamento ou união estável. Se apenas um dos pais criar o filho, também será considerado família. Homossexuais são excluídos.

“Já temos mais de 30 tipos de famílias na sociedade. Não podemos excluir estas pessoas com base na religião dos parlamentares. O Estado é laico”, critica Nilmário.

 A Reforma Tributária, segundo Guilherme de Almeida Henriques

Não se pode falar em reforma tributária sem pensar em reforma fiscal, ressalta o professor de Direito Tributário da PucMinas e da Milton Campos, Guilherme de Almeida Henriques. Para melhorar as contas do governo, ele afirma que existem duas formas. Uma é aumentar impostos. A outra, e indicada pelo especialista, é reduzir os gastos do governo.

No Brasil, o imposto é indireto, cobrado no consumo. “Nos países mais desenvolvidos é diferente, mas ainda não temos condições de mudar a estrutura”, afirma. A taxação das grandes fortunas e a tributação dos lucros e dividendos são descartadas pelo especialista no médio prazo. “Os empresários podem ver com maus olhos estas medidas. Além disso, são medidas superficiais para o momento”, diz. A unificação de impostos é citada por ele como uma das soluções.

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