‘A seleção de 70 uniu qualidade individual com força coletiva’, avalia Tostão

Alexandre Simões e Henrique André
esportes@hojeemdia.com.br
29/04/2016 às 21:33.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:12
 (Arquivo/Hoje em Dia)

(Arquivo/Hoje em Dia)

Maior jogador mineiro de todos os tempos, Tostão fez história há 50 anos como o primeiro jogador do Estado a participar e marcar gol numa Copa do Mundo.

 Mas sua trajetória na Seleção Brasileira, que inclui o fato de ser o maior parceiro de Pelé na equipe, tem como ponto máximo a participação decisiva na conquista do tri, em 1970, no México.

 E termina com a decepção de ficar de fora daquela que seria a sua Copa, em 1974, na Alemanha. Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, Tostão conta a sua gloriosa história com a camisa amarela.

 Você se lembra da sua estreia pela Seleção, no Maracanã? Foi um jogo-treino contra o Atlético.
Esse aí não estou lembrado. Quando a Seleção estava em Caxambu, teve um jogo treino contra o Cruzeiro e outro contra o Atlético, ambos lá. Era num campo de treino. Agora, jogo contra o Atlético no Maracanã eu não lembro.

 Não consegue puxar na memória os 5 a 0 contra o Galo?
A minha estreia na Seleção foi contra o Atlético? Acho que eu lembraria. Olha com mais calma isso aí (risos).

 Você era menino ainda (19 anos) naquela época. Do que se lembra daquele momento?
Na época, primeiro que o Cruzeiro estava no auge, jogando muito. Então surgiam informações que um jogador mineiro seria convocado para a Copa. Lembro que os jornais faziam pesquisas para saber quem iria. Três nomes apareceram: eu, Dirceu Lopes e o Buglê, do Atlético. Acabei sendo o escolhido. Além de mim, foram também o gaúcho Alcindo e o pernambucano Nado. Na época só era convocado jogador de Rio e São Paulo. Então saíram críticas e fofocas de que nós três tínhamos sido convocados por imposição da Ditadura. Falavam que a gente ia ser cortado. Nos treinos, no time reserva, tive o primeiro contato com Pelé, Garrincha e uma turma campeã em 1958 e 62. Treinei e joguei muito bem, até garantir meu lugar na Copa.

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 Achou que estaria na lista definitiva?
Foram resolvidos os 22 convocados na Suécia. Ficamos 20 dias lá treinando e jogando amistosos. A lista final saiu quando íamos viajar para Liverpool. Foram cortados alguns aqui no Brasil e o corte definitivo seria depois. O supervisor da Seleção, Carlos Nascimento, era uma pessoa bem austera, que os outros tinham muito medo dele. Eu estava treinando e jogando muito bem, por isso estava certo que iria. Encontrei com ele no hotel e perguntei quando que iríamos viajar para Liverpool. Ele me olhou com a cara feia e me perguntou como eu sabia que estava na lista. Fiquei sem graça e achei que aquilo me tiraria da lista definitiva.

 Liverpool já era a capital mundial do rock, pois é a terra dos Beatles. Pensava muito nisso?
Os Beatles estavam no auge. Eu era fã deles. Na primeira folga em Liverpool, fui passear pela cidade. Fui ao local onde eles cantavam (Cavern Club), com a esperança de vê-los. Cheguei na porta e fiquei decepcionado porque imaginei uma coisa maior, mas era um “inferninho”. Tinha muita gente na porta, vários turistas. E fiquei lá, no meio deles. Na esperança de quem sabe ver um dos Beatles.

 Você fez o primeiro gol em Copas, mas o Brasil foi um fracasso. A campanha na Inglaterra te fez temer por seu futuro na Seleção?
Apesar da derrota eu entrei bem, fiz gol e, por isso, garanti meu lugar nas outras convocações. Vários jogadores ali, como Jairzinho, Gérson e outros se destacariam na Copa de 1970. Foi o amadurecimento para muitos.

“Dei dois dos melhores passes da minha carreira no jogo contra o Uruguai (em 1970), e ainda dei um terceiro para o Pelé, que quase marcou. Contra a Inglaterra fiz aquela jogada do gol do Jairzinho”

  

A Seleção Brasileira de 1970 foi a melhor de todos os tempos?
Há uma discussão em relação à Seleção de 1958. Tinha Garrincha, Pelé, Nilton Santos, o maior defensor da história na minha opinião, Didi. Tinha mais craques do que a de 1970. A de 70 tinha um cunho moderno para a época. Era uma Seleção de craques, muito organizada coletivamente e muito preparada fisicamente. Foi feito ali, pela primeira vez, uma preparação científica. Somando tudo, acredito que tenha sido a melhor de todas. Ela uniu a qualidade individual com uma força coletiva e um preparo físico muito grande.

 As conversas sobre influência da Ditadura nas convocações, em 1966, continuaram em 1970? Sentiram isso na pele novamente?
Dentro da Seleção não tinha nada. O que acontecia era fora. O país vivia um ambiente ruim e assustador.

 Qual foi seu maior jogo pela Seleção na Copa de 1970?
Fiz dois grandes jogos na Copa, contra Inglaterra e Uruguai. A minha maior atuação foi na semifinal contra o Uruguai. Dei dois dos melhores passes da minha carreira naquele jogo e ainda dei um terceiro para o Pelé, que quase marcou, naquele lance que entrou para a história com a finta dele no goleiro sem tocar na bola. Contra a Inglaterra fiz aquela jogada do gol do Jairzinho.

 Por muito tempo você foi considerado reserva de Pelé no time de 1970. Como isso mudou?
Quando o João Saldanha assumiu a Seleção, ele me colocou de titular absoluto, ao lado do Pelé. O maior momento individual que tive foi nas Eliminatórias, em 1969. Quando o Zagallo entrou, ele veio com a conversa que eu tinha as mesmas características do Pelé e que eu seria reserva. Disse que precisava de um centroavante. Aí convocou o Dario, do Atlético, e o Roberto, do Botafogo. Chegando próximo à Copa ele viu que eu que tinha que ser o titular e me escalou ao lado do Pelé.

 Você acha que Zagallo foi injustiçado?
O Zagallo era um técnico extremamente na frente dos outros em termos de estratégias naquela época. Ele era tocado por detalhes táticos. Treinava, repetia. Aprendi coisas que nunca tinha feito na Seleção ou no Cruzeiro. Uma coisa que hoje é comum, mas que na época nenhum time brasileiro fazia. Ele deu uma cara coletiva ao time. É uma injustiça quando falam que a Seleção só tinha craques e que não precisava de técnico.

 A Copa de 1974 seria “a sua Copa”?
Depois da Copa de 70, o Pelé parou de jogar na Seleção. Eu, teoricamente, seria um dos astros do time. Era colocado como um dos protagonistas, por isso tinha tudo para chegar em 74, mas parei de jogar um ano antes por causa de um problema no olho.

“O detalhe mais importante é que o futebol mudou. Se não melhorar, o Brasil vai correr risco (nas Eliminatórias). Pode até não ir à Copa de 2018”

  

Como analisa a Seleção Brasileira hoje?
As seleções sul-americanas melhoraram muito. O Brasil não consegue formar um bom conjunto e sente falta de “dois Neymar”. Os outros são bons jogadores, mas faltam mais atletas excepcionais, próximos ao Neymar. Muitos estão crescendo, mas na prática, em campo, o futebol brasileiro não consegue coletivamente formar um time muito forte. O detalhe mais importante é que o futebol mudou; os europeus evoluíram muito taticamente, com capacidade de atacar e defender com muitos jogadores. O Brasil vai correr risco (nas Eliminatórias) se não melhorar. Pode até não ir à Copa de 2018.

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