'A torcida sonhou com o título assim como eu’, comemora Fernanda Garay, do Praia Clube

Henrique André e Cristiano Martins
esportes@hojeemdia.com.br
27/04/2018 às 20:46.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:34
 (Wander Roberto/Inovafoto/CBV )

(Wander Roberto/Inovafoto/CBV )

Ela chegou com status de uma das melhores do mundo na posição e não decepcionou. Principal contratação do Dentil/Praia Clube para a Superliga Feminina, a ponteira Fernanda Garay foi a segunda melhor atacante do torneio e a maior pontuadora da final que encerrou a hegemonia do Sesc-RJ e inaugurou a sala de troféus da equipe de Uberlândia.

Com contrato renovado até 2019, a gaúcha de 31 anos fala neste Papo em Dia sobre o título inédito também para o próprio currículo, o retorno ao Brasil depois de quatro anos no exterior e o pedido de dispensa da Seleção Brasileira, pela qual conquistou o ouro olímpico em 2012.

Esse foi o seu primeiro título na Superliga. A motivação pelo troféu inédito explica o fato de você ter sido a maior pontuadora da campanha e da grande final?

Na verdade, não teria porque procurar justificativa para a quantidade de pontos. É um título que eu desejava muito, pois já tinha conquistado vários em nível internacional, em outros países, mas não aqui na minha casa, na minha terra. Tinha tido apenas uma oportunidade real, pelo Osasco (2012/13), em meu último ano no Brasil. Estou muito feliz, porque foi um trabalho árduo, de muita dedicação. E não poderia ser melhor, finalizando com o título.

Juntou a fome com a vontade de comer. Vi no Praia a oportunidade de voltar ao Brasil com um projeto sério, uma proposta boa e um elenco forte, com jogadoras que eu já conhecia. Era uma chance real de brigar pelo título"

Após a final, algumas atletas desabafaram sobre as críticas ao time por ter investido alto e não ter conquistado nada até então. Quando você chegou, sentiu essa cobrança por um troféu?

É difícil falar, porque esse foi meu primeiro ano no clube. Claro que não dá para ignorar o histórico, mas desde o início interpretei isso positivamente. A torcida e a cidade de Uberlândia tinham sede pelo título. São pessoas que sonhavam com a conquista assim como eu, então, para mim, foi um fator motivacional. A cada jogo, além de fazer o melhor por mim, sabia que por trás havia muita gente torcendo, vibrando e desejando o título tanto quanto eu.

A cidade abraçou o projeto e proporcionou bons públicos. Nesse sentido, qual foi o peso de jogar o “Super Set” em casa diante da torcida?

Fez toda a diferença, porque havia um ambiente de expectativa positiva. O nosso trabalho foi mostrando que éramos capazes. Fomos criando essa esperança ao longo da temporada. Dividimos a campanha em pequenos objetivos, como ficar em primeiro lugar no turno, depois manter a liderança no returno para termos a oportunidade de jogar em casa. A cada pequena meta alcançada, o grupo se fortalecia.

Você já havia trabalhado com o técnico Paulo Coco no Pinheiros e durante muitos anos na Seleção. A ida dele para o Praia influenciou na sua decisão de defender o clube?

Na verdade, foram vários fatores. O Praia já tinha uma boa relação com meus empresários e já havia manifestado o desejo de me trazer de volta ao Brasil. Esses anos lá fora foram uma opção minha, pelo meu desenvolvimento, crescimento e objetivos pessoais. Depois da Olimpíada (Rio-2016), eu também já tinha decidido voltar, para ficar mais perto da minha família. Então juntou a fome com a vontade de comer. Vi no Praia a oportunidade de voltar com um projeto sério, uma proposta boa e um elenco forte, com jogadoras que eu já conhecia. Era uma chance real de brigar pelo título.Praia Clube/Divulgação

Gaúcha foi maior pontuadora do time mineiro na campanha e na finalíssima contra o Sesc-RJ

 Se especula sobre a possibilidade de o time ocupar uma das vagas por convite no Mundial de Clubes. Com a experiência de quem jogou nas potências Turquia e Rússia, você vê o Praia ou o Minas em condições de disputarem o título?

Eu não sabia dessa possibilidade. É difícil avaliar, porque os elencos mudam muito depois de cada Superliga. Se fôssemos agora, com o ritmo e o entrosamento adquiridos durante a temporada, acho que teríamos chance de brigar lá, sim. Com essa quebra das férias, não tenho certeza. Acredito que os clubes brasileiros precisam, sim, pensar em formar equipes competitivas mirando não só a Superliga, mas também o Mundial.

Sobre as suas experiências no exterior, você estava no Japão na época do terremoto, em 2011. O episódio influenciou na sua primeira volta ao Brasil naquele momento? E na Turquia, enfrentou problemas com atentados, a exemplo da Thaísa (em janeiro 2017)?

Na Turquia, não. No Japão, era meu primeiro ano jogando fora do Brasil, mais nova e inexperiente, então me marcou mesmo. Foi algo muito triste, inclusive o campeonato foi encerrado e não tivemos a possibilidade de disputar o título. Acabei voltando para o Brasil porque, para mim, foi realmente uma situação insustentável. Segurei a onda por um tempo, mas fiquei muito abalada psicologicamente. Era um clima ruim, de caos, como se vê nos filmes. Começou a me afetar, principalmente porque alguns voos nem chegavam mais a Tóquio. A questão da usina (acidente nuclear em Fukushima) também me deixou muito insegura. Conversei com o clube e me deixaram voltar ao Brasil. Lamentei muito pelo acontecido.

Se criou uma polêmica por ser novidade. Ela (Tiffany) quebrou um tabu e adquiriu uma representatividade muito grande. Para nós, leigos, é difícil de avaliar"

No início da carreira, você teve uma passagem longa pelo Minas (2004-08), quando estreou na Superliga e recebeu a primeira convocação para a Seleção. E, agora, renovou para ficar mais um ano em Uberlândia. Já se sente um pouquinho mineira?

Muita gente achava que eu era mineira, pois realmente foi onde apareci no vôlei adulto. Tenho só memórias maravilhosas. Foi uma época muito especial na minha vida profissional, e na pessoal também, porque foi onde conheci o meu marido. No começo, até cogitamos viver em Belo Horizonte, pelos momentos felizes que vivemos na cidade, mas está muito longe do Rio Grande (risos). Sempre que tenho a oportunidade, apareço para reencontrar os amigos que conservo até hoje. Nunca deixei de falar ‘uai’, o povo até hoje acha que sou mineira (risos).

Você foi detentora do recorde quebrado neste ano pela Tiffany e recuperado pela Tandara (39 pontos numa partida de Superliga). Como vê a polêmica sobre a atleta transexual e a performance dela em quadra?

Se criou uma polêmica por ser novidade. Ela quebrou um tabu e adquiriu uma representatividade muito grande. As pessoas e os comitês não estavam preparados. O mais importante é que haja um debate positivo, porque o esporte é algo para agregar. Mas também que seja algo justo, pois nós trabalhamos muito duro e o alto nível nos exige dedicação a 100%. Ela tem uma condição física muito grande, mas para nós, leigos, é difícil de avaliar. Por isso, é importante que haja uma investigação e um acompanhamento com muita responsabilidade. Quando é algo bem estudado e comprovado, não tem como questionar. Mas é preciso também termos sabedoria e nos manter abertos ao diálogo para aprendermos com as situações novas que aparecem.FIVB/Divulgação

Ponteira brilhou em virada antológica sobre a Rússia nas quartas de final e fez ponto do ouro olímpico em 2012

 Você pediu dispensa da Seleção no ano passado para se casar. Já se decidiu sobre um possível retorno?

Tive uma conversa muito bacana com o Zé Roberto (Guimarães, técnico). Não tem como você servir à Seleção se não for 100%. A entrega, o amor... Vestir aquela camisa era um sonho desde muito pequena, então foi muito difícil tomar essa decisão. O voleibol esteve em primeiro lugar na minha vida por muitos anos. É algo que eu amo e me dedico, mas que também me levou a abdicar de coisas importantes na minha vida. Agora, eu gostaria de viver essas coisas que ficaram tanto tempo ali guardadinhas em segundo plano. Me dedicar à minha família e ao meu marido, e retribuir todo o carinho e o suporte que sempre me deram. Casei agora (setembro de 2017), mas estou com o meu marido há dez anos, e ele sempre abriu mão de tudo para que eu tivesse totais condições de me dedicar aos clubes e à Seleção. As pessoas me veem na quadra, mas às vezes não entendem que, para eu estar ali, a entrega e a preparação são muito grandes. Sobra pouco tempo para a Fernanda esposa, filha e irmã.

Tive uma conversa muito bacana com o Zé Roberto. Não tem como você servir à Seleção se não for 100%. Eu gostaria de me dedicar à minha família e ao meu marido. Sobra pouco tempo para a Fernanda esposa, filha e irmã"

Você brilhou na Olimpíada de Londres-2012, mas também viveu uma grande decepção na derrota em casa na Rio-2016. Já é algo superado?

Ai, guri (respira fundo)... Nossa, é realmente uma ferida que cicatriza, cria aquela casquinha, mas ainda dói. Nunca consegui assistir ao último jogo, não tenho estrutura. Eu acreditava muito naquele grupo, que seríamos capazes de conquistar o ouro, um vice, ou talvez até o bronze, que também seria uma vitória. Mas nunca imaginei que encerraríamos a nossa participação ali contra a China (quartas de final). Fiquei muito mal depois. Mas faz parte. Foi uma geração de muito sucesso, e fui abençoada com a medalha de ouro em 2012. Escrevemos uma história de muita superação, por isso realmente ficou marcada.

Uma marca da sua carreira é a grande quantidade de prêmios individuais. Consegue apontar qual deles tem maior importância pessoal para você?

Não consigo (risos)! Os prêmios individuais se tornam tão pequenos quando conquistamos uma medalha de ouro, um título significativo, que sinceramente eu nem lembro muito de algo assim. O que passa pela minha cabeça agora é um prêmio que nem foi oficial. Na Olimpíada, algumas jogadoras são eleitas pelas estatísticas, mas não recebem troféu nem tem cerimônia. Fui a melhor passadora (Londres-2012), e é para mim um motivo de muito orgulho, porque eu era central e fui aprendendo a passar ao longo da carreira. Mas, realmente, nenhum desses prêmios individuais é mais importante do que qualquer título que ganhei.

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