‘Assisti à final da Libertadores pela televisão, no vestiário’, revela Alexandre Kalil

Alexandre Simões
asimoes@hojeemdia.com.br
01/07/2017 às 07:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:20
 (CARLOS ROBERTO/ARQUIVO HOJE EM DIA–24/7/2013)

(CARLOS ROBERTO/ARQUIVO HOJE EM DIA–24/7/2013)

Maior presidente da história do Atlético, Alexandre Kalil, que completa seis meses à frente da Prefeitura de Belo Horizonte, falou com exclusividade ao Hoje em Dia na tarde da última quarta-feira (28), no seu gabinete.

Ao lado do filho João Luiz, que é advogado e apontado como quem tem tudo para ser o terceiro Kalil dirigente do clube na história, o ex-presidente alvinegro falou do momento atual do time, do trabalho de Roger Machado, do estádio que o Atlético pretende construir e da final da Libertadores de 2013, que ele revela ter assistido pela televisão, no vestiário do Mineirão, “à base de muito Lexotan”.

Como você está vendo a temporada do Atlético em 2017?

Como todo torcedor, assustado. Nós sabemos o trabalho. Não adianta falar que sou um torcedor comum, pois conheço a estrutura que tem o Atlético. Continua sendo a melhor do futebol brasileiro, e alguma coisa não está fechando. Acho que o único cara que pode saber o que está dando errado é o presidente, que é a figura principal do clube. Falar que tem algum atleticano satisfeito com o time seria hipocrisia. Eu não posso assistir o Atlético, em 90 minutos, dando dois chutes a gol, com o elenco que tem. Estou, como todo torcedor, aguardando, ainda com expectativa, mas apreensivo.

E o trabalho do Roger Machado, como você avalia?

Avaliar treinador por resultado é ser engenheiro de obra pronta. Ele deve estar mostrando lá dentro algum trabalho. Volto a dizer que não sou um cara comum no futebol, pois vivi lá dentro. Deve estar acontecendo alguma coisa dentro do centro de treinamento do Atlético, tático, técnico, fisiológico, fisioterapêutico, médico, de preparação física, que a gente não tem conhecimento. Estamos na expectativa de um grande trabalho.

Sei que, num momento difícil, a minha presença no campo, seja onde for, não vai ajudar em nada a atual diretoria, só vai atrapalhar. E a última coisa que eu quero é atrapalhar"

Desde que deixou a presidência, você foi a poucos jogos do Atlético. Isso é para evitar uma pressão, pelo que você representa na história do clube?

Assisto a todos os jogos. Quando o momento estiver muito bom, eu vou frequentar mais os jogos do Atlético. Mas sei que, num momento difícil, a minha presença no campo, na tribuna, no camarote, seja onde for, não vai ajudar em nada a atual diretoria, só vai atrapalhar. E a última coisa que eu quero é atrapalhar. Sei o que represento para a torcida do Atlético. Tenho a plena consciência disso. Não sou nenhum bobo, nenhum modesto, nada disso. Até fui ao jogo contra a URT, na semifinal do Mineiro. O presidente gentilmente me cedeu um lugar lá no camarote. Ele disse “você veio hoje, né?”. Eu falei que era porque achava que não tinha risco. Prefiro ir a jogos assim. Sofro como atleticano, passo as agruras que o atleticano tem passado. Xingo quando tem que xingar. Xingo presidente, xingo treinador, xingo jogador, xingo médico, xingo tudo, preparador físico... Eu continuo o mesmo. Só que não xingo no microfone mais. Xingo lá em casa. Quem escuta, no máximo, é minha mulher, e, às vezes, meus filhos, que assistem aos jogos comigo.

Você está falando que xinga o presidente. Você tem contato direto com o Daniel Nepomuceno, pois é um de seus secretários na prefeitura. Ele te pede conselhos em relação ao Atlético?

No futebol, não. Ele pede minha opinião, e minha opinião, obrigatoriamente, ela não prevalece em 95% dos casos. Me lembro que a última vez que ele me ligou para falar sobre futebol foi sobre a venda do Maicosuel. Ele me perguntou o que achava, e eu disse para ele vender, mas acho que ele já estava com o negócio engatilhado. Falei "vende", e ele me escutou. Mas ele tem a própria opinião. Não tem mesmo que me escutar, tem que seguir a própria cabeça no futebol.

Você teve alguma tentativa frustrada em termos de contratações durante a presidência?

Tentei o Fred duas vezes. Foi um jogador que tentei trazer para o Atlético, quando ele estava já no Fluminense, mas não consegui. E me frustrou por não conseguir. Cheguei a falar com ele pelo telefone uma vez, ele estava concentrado com a Seleção Brasileira. Ele é o maior centroavante do Brasil há anos. O Tite também tentei trazer duas vezes, quando ele saiu do Corinthians e estava sem trabalhar. Mas ele não aceitou.Lucas Prates/Hoje em Dia

Apesar de toda essa forte ligação com o Atlético, você ganhou a eleição numa cidade dividida entre atleticanos e cruzeirenses. E completa seis meses de governo sem nenhuma polêmica pelo lado do futebol. Como é sua convivência com o torcedor do Cruzeiro?

O primeiro ato que eu tive como prefeito para ajudar o esporte foi liberar o estacionamento no entorno do Mineirão. E o beneficiado foi o torcedor do Cruzeiro. Tenho uma visão muito clara de obrigação, de quem votou em mim, e sei que foi o cruzeirense e o atleticano. Provavelmente, não em partes iguais. Mas um cara que tem quase 700 mil votos, ele não pode falar que foi votado só por classe A, B, C, Atlético, Cruzeiro, América. Eu fui votado por todo mundo, ou não seria prefeito de Belo Horizonte. Para liberar o estacionamento no entorno do Mineirão, não pensei em quem seria o beneficiado. Pensei na barbaridade que era com o torcedor não parar em volta do estádio. No táxi que ia esperar o torcedor e era multado. Em caçar os flanelinhas, e coloquei a Guarda Municipal para caçar. Agora, se você perguntar sobre meu coração, digo que ele não entra nisso. Meu coração é de prefeito. Agora, quando está no futebol, eu disse na eleição e vou repetir, será que eu ia negar minha atleticanidade na eleição? Para não falar que seria cretino, seria cômico. No período eleitoral, não me neguei. Pelo contrário, sempre disse que sou atleticano, e muito atleticano. Agora, gerir uma cidade, sendo eleito, é uma coisa muito legal e de muita responsabilidade. Quando fui eleito presidente do Atlético, tinha obrigação com o Atlético. Agora, fui eleito pela população de Belo Horizonte. E, para mim, não tem camisa. Eu tenho que ajudar a cidade.

Você falou de Mineirão. O estádio do Atlético é um sonho cada vez mais próximo. Qual sua posição em relação à arena?

É uma posição que precisamos colocar no Conselho com muita clareza, com muita responsabilidade. Outro dia ouvi o Edison Simão falando de estádio, até de um modo meio político. Fiquei muito triste, porque escutei a entrevista toda, e tem erros ali grosseiros no que foi falado. Gosto do Edison, é meu amigo, veio aqui conversar comigo sobre Atlético na Prefeitura, mas é um assunto que precisa ser debatido com mais carinho e conhecimento. Do que é o Mineirão hoje, e o do que seria uma casa própria do Atlético. Estou estudando, já me deram alguns dados e estou olhando, estou formando minha opinião. Mas não podemos chegar numa rádio, como a Itatiaia, e falar que o Mineirão hoje é um grande negócio para o Atlético porque tem 54 mil ingressos. O Atlético tinha o dobro em 1965, quando foi inaugurado o Mineirão. Vamos evoluir, pois o futebol hoje não é ingresso, é negócio. Vamos pensar um pouco maior, com mais responsabilidade. Não estou aqui fazendo nenhuma crítica ao meu amigo Edison Simão. Mas só que, para ter 15 minutos na Rádio Itatiaia, falando de estádio, tem que conversar um pouco, estudar um pouco, debater um pouco. E, num ano de eleição, isso não me cheirou como um assunto técnico. Não gostei.

O primeiro ato que eutive como prefeito para ajudar o esporte foi liberar o estacionamento no entorno do Mineirão. E o beneficiado foi o torcedor do Cruzeiro"

O sangue Kalil é muito forte no Atlético. O que você sentiu ao ver seu filho Felipe, que é ortopedista, entrar em campo pela primeira vez para atender um jogador do time principal do Atlético?

Vamos esclarecer uma coisa que é muito importante para a torcida do Atlético: o pai foi contra quando ele foi convidado para trabalhar no Atlético. E a torcida do Atlético sabe que eu não minto. Estava faltando médico, ele é um menino que estudou muito, fez cursos nos Estados Unidos, é um especialista, um ortopedista, e eu acho que está muito focado na parte profissional. Não tem nenhuma influência na parte do futebol, não interfere no futebol. Ele tem até conversado muito comigo, que tem lutado contra essa postura de torcedor, pois é um grande profissional, é um menino que eu tenho muito orgulho dele. Ele leva um pouco, pelo menos fisionomicamente, a gente para dentro do vestiário, para dentro do CT. Mas é médico. E, como todo médico, é muito reservado. Não tenho notícia do Atlético por ele, até porque fizemos um pacto de que ele não venha com assunto de Atlético para mim. Se eu quiser assunto de Atlético, ligo direto para o presidente. Mas a cena me emocionou. Quando você vê um filho trabalhando, tanto os advogados quanto o médico, é emocionante. Com o uniforme de funcionário do Atlético, mais ainda. Deus me deu vida para ver os meus três filhos se formarem profissionalmente. E mais, me deu vida para ver o meu filho vestindo um macacão do Atlético.

Você sempre foi um dirigente muito combativo. Você acha que está faltando mais ação dos dirigentes contra esse calendário irracional que estamos enfrentando em 2017?

No meu tempo, a gente gritava, gritava, gritava, e a única coisa que a gente conseguia era ficar rouco. Foi o máximo que consegui gritando no futebol brasileiro. Mas tem que ir para a mesa, pois futebol precisa faturar. Jogador ganha R$ 1 milhão, R$ 500 mil, R$ 600 mil. Mas acho que o calendário não é o grande problema dos clubes. O maior problema hoje é o legado cadavérico que largaram aí da Copa do Mundo. Eu avisei, em 2010, 2011. Vocês podem ir para a internet e ver eu esculhambando estádio, Mineirão, Maracanã, avisando tudo que ia acontecer. O absurdo de 12 sedes, que iam largar uma terra arrasada. O legado da Copa do Mundo foi uma tragédia. Como prefeito de Belo Horizonte, eu falo que foi o dinheiro mais mal gasto, mais mal empregado. Não há legado nenhum na nossa cidade da Copa do Mundo. Há duas pistas de Move e congestionamento para todo lado. Qual o legado que se deixou aqui? R$ 360 milhões de isenção de ISS para hotel, que nós vamos buscar, pois não ficaram prontos para a Copa do Mundo. Acharam que o mundo ia mudar porque veio uma Copa do Mundo de um mês aqui. Um negócio de biruta. Temos que olhar se podemos passar esses estádios para os clubes, com preços populares. Tomar os estádios dessas quadrilhas que assumiram.

Se você pudesse escolher um momento vivido no Atlético para viver de novo, qual você escolheria?

O mesmo de todo atleticano. Aquela noite da Libertadores. E o dia que passei a presidência do Atlético para o meu sucessor, com a plena sensação do dever cumprido.

O que você guarda daquela noite de 24 de julho de 2013?

Assisti ao jogo no vestiário. Não assisti ao vivo. Eu, o Luciano (Caxeado, roupeiro), o Juruna (João de Deus, roupeiro), e o Zé Mário, segurança. Nós quatro assistimos com um delay de quase dez segundos. Eu soube que o Atlético foi campeão da Libertadores pelo barulho da torcida, pois, na televisão, o cara não tinha ainda nem corrido para a bola no pênalti. Acho que a torcida do Atlético nem sabe disso. Assisti à final da Libertadores dentro do vestiário do Mineirão, e à base de muito Lexotan.Lucas Prates/Hoje em Dia

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