‘Cinco ou seis medalhas é uma meta bastante agressiva’, avalia Gustavo Borges

Cristiano Martins
csmartins@hojeemdia.com.br
14/05/2016 às 00:52.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:26
 (Divulgação)

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Quatro medalhas olímpicas e quatro recordes mundiais enquanto atleta, cinco academias e 350 clientes como empresário. Gustavo Borges parou de competir em 2004, mas não abandonou as piscinas e continua muito bem-sucedido no ramo. Palestrante e gestor de sua própria franquia de metodologia esportiva, o economista graduado na Universidade de Michigan deixará a gravata um pouco de lado a partir de agosto para voltar à arena, outra vez como comentarista, nos Jogos de 2016. Em entrevista ao Hoje em Dia, o ícone do esporte nacional destaca a evolução da modalidade no Brasil, mas evita euforia por pódios no Rio de Janeiro.

Você esteve no Parque Aquático para o Troféu Maria Lenk. Já está tudo pronto para os Jogos?

Sim, praticamente tudo. Ainda faltava alguma coisa em termos de obras do Parque como um todo, mas, em relação à piscina e à arena onde vai ser a atividade principal, eu acho que já deu para fazer o teste e ver os problemas que podem acontecer na Olimpíada. Deu também para os atletas sentirem o clima, acho que foi um momento muito legal. Aconteceram vários eventos ao longo das semanas, não só o Maria Lenk, mas também provas paralímpicas, o polo aquático... Acho que os atletas gostaram.

Nos esportes aquáticos, a melhor marca do país foi em 1996, com duas medalhas suas e uma do Fernando Scherer. Recentemente, o presidente da CBDA (Condeferação Brasileira de Desportos Aquáticos), Coaracy Nunes, falou em dobrar esse número. Acha possível?

Eu não consigo falar de polo aquático, por exemplo, mas acho que cinco ou seis medalhas é uma meta bastante agressiva. Nas maratonas aquáticas, a Poliana Okimoto e a Ana Marcela Cunha têm boas chances, e a gente gostaria de pelo menos uma medalha entre as duas. Já na natação, você analisa as chances a partir do ranking mundial. Hoje, temos os 50 metros livre do Bruno Fratus e os 100 metros peito do João Gomes Júnior bem ranqueados. Se o Felipe França evoluir três, quatro décimos, ele também entra na disputa. O Thiago Pereira, que tem resultados expressivos, também tem chance se melhorar alguma coisa. E o revezamento tem que estar inspirado. Então, nós temos duas chances de medalha muito reais, com o Bruno e o João, e outras possibilidades nesse segundo nível. O grande segredo será chegar às finais.

Apostaria em algum ouro?

É difícil falar em ouro nesse momento. Na natação, o ranking é o que direciona para o resultado. Eu quero que a gente ganhe umas oito medalhas de ouro (risos), mas não dá para colocar a mão no fogo em Olimpíada. Temos boas expectativas com o Bruno, ele está a dois décimos do Florent Manaudou (França), que é o primeiro no ranking (50 m livre). Tem essa condição de chegar e disputar, e pode ser que vença.

Do jeito que o Cesar estava nadando, a gente tinha muita expectativa. Em todas as conversas, entre comentaristas, amantes do esporte, ninguém pensava em não vê-lo na Olimpíada. Todos colocavam a mão do fogo. Infelizmente não aconteceu"

No Brasil, o esporte sempre foi dependente de talento e investimento individual. Acha que isso tem melhorado na natação?

É lógico que ainda tem muito do talento individual, mas eu vejo hoje um investimento gigantesco dos clubes. Da década de 90 para cá, isso evoluiu bastante, principalmente naqueles clubes que investem todos os anos, como Pinheiros, Minas, UniSanta, e o Corinthians, que entrou muito forte nos últimos anos. E mesmo os apoios de empresas estatais e privadas também evoluíram.

O nível dos atletas subiu, então, na sua opinião?

Se você olhar o volume de atletas bem ranqueados, a equipe é hoje muito melhor do que na década de 90. Você tem o Cesar Cielo, por exemplo, que se classificaria em qualquer outro lugar do mundo. No Brasil, não se classificou, porque é uma prova super competitiva (50 m livres). Isso é uma evolução da natação como um todo. Temos uma estrutura que pode não ser a melhor do mundo, mas é adequada.

Ficou surpreso pelo Cielo? Conseguiu conversar com ele após a seletiva?

Fiquei mais chateado do que surpreso. Do jeito que ele estava nadando, a gente tinha muita expectativa. Em todas as conversas, entre comentaristas, amantes do esporte, ninguém pensava em não ver o Cesar na Olimpíada. Todos colocavam a mão do fogo. Infelizmente não aconteceu, e a gente fica triste por isso. Ele estava bastante emocionado ali no dia, então só dei um abraço nele no pódio. Depois, não tive mais oportunidades de conversar com ele. Mas é vida que segue, e é um resultado que a gente vai buscar com nossos outros atletas (Bruno Fratus e Ítalo Manzine).Satiro Sodré/CBDA

Assim como o Cielo e o Thiago, você treinava nos Estados Unidos. Acha que essa escolha ainda se justifica?

O Brasil tem grandes treinadores. O que ainda faz diferença é se você está a fim de fazer uma faculdade e treinar em alto rendimento lá. Aí, os Estados Unidos são a melhor opção. E não é só para brasileiro não, é para australiano, para europeu, seja quem for. A estrutura lá é muito coesa em relação a essa associação entre escola e esporte. No caso de alguns atletas, o Bruno não está na faculdade, mas optou por um treinador de lá. Com o Cesar, é a mesma coisa… Mas a maioria maciça da nossa seleção treina no Brasil, com treinadores brasileiros.

Na natação, existe alguma vantagem por competir em casa? Ou não, já que todas as piscinas seguem o mesmo padrão da Fina?

Eu acho que faz diferença, sim. O atleta verá muito verde e amarelo na arena. Na hora que anunciarem um atleta do Brasil nas provas eliminatórias, a arquibancada virá abaixo. Então aquela motivação vai ajudar muito. Mas é lógico que pode ser um inimigo também, se o atleta não estiver tranquilo em relação à pressão que vai sofrer. Ao mesmo tempo que te ajuda, te pressiona. O atleta que estiver em dia com a parte psicológica vai absorver esse clima e ter um resultado extraordinário.

Em 2004, você carregou a Tocha no Rio e, depois, ainda foi o porta-bandeira da delegação brasileira em Atenas. Acha que a emoção pode ser maior no revezamento deste ano?

Com certeza. Vai ser uma emoção bem diferente. Estou muito animado e ansioso para pegar a tocha, sentir a vibração das pessoas e do momento. É uma forma de você tocar a Olimpíada mesmo. Muita gente, por onde a tocha vai passar, não vai assistir a Olimpíada, não vai poder estar lá no Rio. A grande maioria, inclusive. Então, é o momento de você partilhar do respeito, da excelência e da igualdade que as Olimpíadas têm como valores. É um momento muito marcante para o nosso país.

A admiração, a valorização das pessoas, isso é muito gostoso. Mas o atleta que é reconhecido tem uma responsabilidade grande em suas ações. Não é uma coisa que eu pedi para a minha vida. Por outro lado, na hora que você pensa no que pode devolver... Nossa, isso é fantástico!"

O Alexander Popov, considerado um dos maiores da história, foi o seu “arquirrival” na carreira. Recentemente, ele te chamou de “embaixador fantástico” do país. Como era a sua relação com ele?

O Popov foi um tremendo competidor e concorrente. Um rival, sim, mas que se tornou um amigo. Acredito que ele gosta muito de mim porque ele sempre ganhou mais de mim do que eu dele (risos). Mas, de qualquer forma, eu admiro o atleta e os resultados que ele obteve. Nas minhas palestras eu uso esse exemplo, porque, se você não tiver respeito e fair play, não chega a qualquer lugar.

Você passou quatro anos preparando a sua “aposentadoria”, mas não ficou longe da piscina. Ainda pula na água com que frequência?

Mais ou menos uma vez por semana. Essa semana inclusive, eu não consegui nadar. Mas eu faço outras atividades também, jogo tênis, faço musculação, tenho outras atividades para manter a forma.

Você foi apenas o segundo brasileiro na Hall da Fama da Natação Internacional (ao lado de Maria Lenk) e é um ícone nacional da modalidade. Como a fama te afeta?

É uma coisa normal para mim. O reconhecimento, a admiração, a valorização das pessoas, isso é muito gostoso. Às vezes, eu até fico surpreso com algumas situações, com pessoas que vêm contar uma história, algo relacionado a mim de alguma maneira... Levo essa relação com muita naturalidade. O que eu sou hoje é o que eu era quando nadava, como pessoa, na família e no trabalho. Mas o atleta que é reconhecido tem uma responsabilidade grande em suas ações. Não é uma coisa que eu pedi para a minha vida, ser isso, ter uma responsabilidade como essa. Por outro lado, na hora que você pensa no que pode devolver para o esporte, em como pode ajudar as pessoas... Nossa, isso é fantástico! E quando você é reconhecido por isso, mais ainda.

Para concluir, como palestrante motivacional, que conselho você daria para os brasileiros que vão disputar os Jogos?

O principal conselho nessa reta final é a atenção ao detalhe. O detalhe se traduz em excelência, em você fazer o seu melhor sempre. Por mais simples, por mais fácil que pareça, isso é muito complexo. Na natação, representa um centésimo de segundo. Mas, se você evolui um centésimo hoje, você já está melhor do que ontem. Então, não deixe de sonhar nunca, busque a sua excelência, um centésimo por vez, e comemore as suas conquistas.Satiro Sodré/CBDA

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