Craque do futsal, Falcão dispara: ‘não precisamos da Olimpíada’

Henrique André
Hoje em Dia - Belo Horizonte
14/12/2014 às 09:31.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:22
 (BRASIL KIRIN/DIVULGACÃO)

(BRASIL KIRIN/DIVULGACÃO)

Líder dentro e fora das quadras, colecionador de recordes, medalhas e troféus, referência do futsal brasileiro há quase duas décadas. Atleta que fez o “frio” presidente da Fifa, Joseph Blatter, se emocionar. Melhor do mundo em oito temporadas e atuando em alto nível aos 37 anos, Alessandro Rosa Vieira, ou simplesmente Falcão, como é conhecido no futsal, comemora o nono título da Liga Futsal na carreira – conquistado na última segunda-feira, com a vitória do Sorocaba sobre o Orlândia na decisão. Nesta entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, Falcão fala sobre a vitoriosa carreira e diz ser um torcedor do Atlético, o qual defendeu em 1999. Dono de uma personalidade forte e conhecido por não fugir de polêmicas, ele explica a briga que teve com um ex-diretor da seleção brasileira e diz não fazer nenhuma questão de que o futsal se torne um esporte olímpico.     Por que você recebeu o apelido? Meu pai tinha esse apelido por ter um estilo de jogo parecido com o Paulo Roberto Falcão (ex-jogador do Internacional e da Seleção Brasileira). Ele jogava na várzea aqui em São Paulo e, como eu o acompanhava desde moleque, virei o Falcãozinho. Depois, herdei o apelido.   Existe um segredo para que você continue ganhando títulos mesmo com o passar dos anos? Na verdade, eu tenho uma responsabilidade muito grande no meu esporte, talvez maior que outros atletas de outras modalidades, por tudo que conquistei e pelo reconhecimento que tenho em nível nacional e mundial. Eu sempre digo que a responsabilidade, ou você abraça ou você foge dela. E eu sempre abracei a minha, principalmente em 2004, quando fui eleito o melhor do mundo. De lá pra cá cheguei em dez finais de Liga. Foram dez finais consecutivas. Eu sempre ouço dos jogadores: “Bem na minha vez não vai perder, né?” É muito bom ser vencedor e ganhar, e é isso que me motiva todos os anos.     Quais recordes você ainda tem para quebrar e quais os seus principais objetivos para prolongar a carreira? Recordes eu deixo acontecer naturalmente e, às vezes, nem sei que vão acontecer. Cheguei na final da Liga deste ano e fui descobrir, no dia da decisão, que se marcasse um gol chegaria a 400 em ligas nacionais. Marquei dois. São nove títulos em 11 finais disputadas. Se eu fizer mais sete gols na seleção, eu abro 100 gols do Manoel Tobias, que é o segundo jogador que mais marcou gols por qualquer tipo de seleção de futsal, com 267. São coisas que acontecem e ficam marcadas. Consegui transformar minha habilidade e meu dom em títulos e gols. Eu podia ter isso tudo e ser apenas mais um bom jogador que não ganhava nada. Tenho mais de 100 títulos na carreira. São números que são eternizados e que eu busco sempre aumentar de forma natural, sem colocar aquilo como meta.    A conquista do Mundial de 2012 foi a mais especial da sua carreira pela seleção brasileira? Foi o mundial que eu menos joguei, o que eu fui menos brilhante, mas que foi o mais marcante. Se somar meu tempo total em quadra no campeonato inteiro, deve dar uns 25 minutos. No entanto, fiz gols decisivos, mesmo com toda a história que passei no dia a dia, com a lesão na panturrilha e com a paralisia facial. Fui importante na final contra a Espanha e, entrando faltando nove minutos para a partida acabar, perdendo por 2 a 0, pude ajudar na virada, marcando duas vezes. Acho que a história que tenho ali para contar é muito legal. Não levei nenhum troféu individual para casa, mas ganhei admiração e o respeito do mundo. O Blatter (presidente da FIFA), que é um cara frio, me abraçou e, emocionado, falou que era um prazer ver o que estava acontecendo naquele momento, e que o esporte ganhava muito. Isso rendeu uma repercussão muito boa para a minha imagem, mesmo não tendo sido feito com esta intenção. Foi tudo natural e eu só queria fazer o que eu gosto que é jogar. No vestiário, o treinador me olhava e falava que não me colocaria para jogar. Eu no lugar dele faria a mesma coisa. Mas chegou num limite que eu precisava entrar para ajudar o time.   Você ainda tem alguma ligação com o Atlético? Sou amigo do Tardelli, do Luan e de alguns outros jogadores. Tenho o Atlético como time do coração por ter jogado ali e por ter sido a minha afirmação no futsal. Foi meu primeiro título importante, com o maior recorde da história de público de um clube, e eu fiz três gols naquela final (da Liga Futsal de 1999, contra o Rio Miécimo). Tenho o maior carinho pelo clube e jamais vou esquecer do que aconteceu naquele ano. Com certeza, sou atleticano por isso.   Jogar futsal atualmente é mais difícil do que na década de 90? Antigamente tinha mais jogadores técnicos. Você tinha que resolver tudo no drible e na técnica. Aumentou a dificuldade de jogo, porque a quadra ficou maior, assim como o profissionalismo. Todo mundo treina dois períodos, se prepara de um modo mais profissional, e antigamente isso não era tão intenso. Hoje o futsal é um esporte que não se pode enganar. Você pode ter seu estilo de jogo, mas tem que adquirir todos os fundamentos, pelo menos um pouco de cada um deles, para conseguir jogar. Se você erra um passe, por exemplo, corre um grande risco de tomar um gol. Então, não se pode errar.   O que você acha de a Fifa não considerar os títulos da seleção na era da Federação Internacional de Futebol de Salão (Fifusa)? Eles (Fifa) vão sempre ver o lado deles. É uma briga interna e política. A gente sabe que tem sete títulos mundiais e, por isso, ficamos de fora, independente do que a Fifa considere.   Quais os problemas que você teve com a antiga gestão da Confederação Brasileira de Futsal (CBFs), no início deste ano, que te fizeram anunciar que nunca mais jogaria com a “amarelinha”? Primeiro que as escolhas dos profissionais não eram de acordo com o nível da seleção brasileira. Assumiu um diretor de seleções (Edson Nogueira) que já tinha histórico ruim. Ele era do futebol de campo e levou o Santa Cruz para a Quarta Divisão. Chegou na seleção após sermos campeões do mundo e queria montar um grupo de amigos dele. Ele não tinha noção nenhuma do esporte. Não conhecia os jogadores. Montou uma comissão técnica que não deveria estar na seleção. O preparador de goleiro, de acordo com os atletas, não sabia nem chutar uma bola. Tinha que usar meia na canela, camisa pra dentro, não podia falar alto no ônibus e outras coisas absurdas. Do lado financeiro, não cumpriam coisas. Se entrava tanto dinheiro, por que não nos pagavam?    Por que decidiu retornar à seleção? Atualmente, as pessoas que estão lá têm outro pensamento. Existem muitas coisas a serem mudadas, mas já melhorou muito. Por isso resolvi voltar.   Quais os segredos do Sorocaba que levaram o time à conquista da Liga Futsal no início do mês? O time é um projeto que sou gestor e que eu mesmo analisei e montei a equipe, dentro da nossa realidade. Contratamos jogadores vitoriosos e outros que foram apostas. Tudo deu certo e fomos além da ideia inicial de ficar entre os quatro.   O valor que a mídia atualmente dá para o futsal é o suficiente para fortalecer a imagem do esporte? O futsal tem uma força que nem ele mesmo sabe vender como deveria. Temos uma Liga com 20 times, com ginásios lotados sempre, e vemos outros esportes que não conseguem o mesmo. A maior audiência da TV fechada é o futsal. No mundial, com a TV aberta transmitindo as partidas em três canais, tivemos recorde de audiência, superando a novela. Temos números aceitáveis, mas a maioria das pessoas não sabe. Temos uma mina de ouro que não é bem vendida. Quantos jogadores hoje fazem sucesso fora do Brasil? Ninguém sabe o nome daqueles que jogam no Barcelona, por exemplo. Já poderia ter aparecido outro referencial na seleção. Estou há mais de 15 anos fazendo este papel. Para o público em geral, todo mundo já ouviu falar do Lenísio, mas se esbarra com ele na rua e não sabe quem é. É muito complicado esta imagem. Quando estamos no aeroporto, as pessoas só sabem que é um time de futsal quando me veem.   Qual é o maior problema enfrentado pelo esporte atualmente? O grande problema do futsal hoje é que os jogadores buscam outros países para jogar e acabam não criando identidade com a torcida. Tem que ser feito um trabalho para que as Federações banquem esses atletas para que permaneçam no país.   Você tem um novo projeto em mente ou permanecerá no Sorocaba? Nosso time foi campeão representando Sorocaba, mas por não possuir um ginásio, não jogamos na cidade. É meio surreal isso. Não criamos um laço com a cidade e com os torcedores. Isso é muito ruim. Conseguimos um título jogando apenas fora de casa. Estamos procurando uma outra sede.   Minas Gerais poderia entrar na rota deste projeto? Não temos nenhuma proposta e nenhum convite vindo de Minas.   Quem você acha que será o próximo Falcão e herdeiro da camisa 12? Eu procurei e fui aprendendo na minha vida que não é só jogar bem. Você tem que falar bem e saber interagir com o público. Não é tão simples ser referência. Você vê hoje um cara bom de bola que na hora da entrevista, ao invés de falar do jogo, manda beijo para o pai, para a mãe e para a namorada. Muitos não têm instrução e treinamento para lidar com a mídia. Você tem que saber interagir com o público e juntar tudo isso é muito difícil. Eu, por exemplo, não saí do Brasil, participei de todas as seleções e por isso criei esta identidade. É uma construção que deve ser feita   Você ainda acredita que o futsal possa se tornar um esporte olímpico? Eu acho isso uma grande bobagem. Acho que ser olímpico seria legal, mas a gente não depende disso. 90% dos esportes olímpicos vivem em decadência e só são lembrados faltando dois meses para a competição, e um mês depois morrem. O futsal não é um esporte olímpico, assim como o Beach Soccer, porque são atrelados à Fifa. É muito mais legal a disputa de um mundial, que só tem um esporte, do que as Olimpíadas, que a gente tem que dividir espaço com outros 200. Seria legal, mas não altera nada não.   Você já sabe quando irá se aposentar? Pensa em disputar o Mundial de 2016 na Colômbia? Há quatro anos eu pensava em parar com os 37 anos. Mas hoje estou aqui comemorando o título (da Liga Futsal), sendo artilheiro e jogando menos de 20 jogos. Então, não coloco mais planos na minha carreira. Vou deixar as coisas acontecerem e quando eu ver que não estou mais rendendo, paro. Sobre o Mundial de 2016, penso um pouco também. Posso disputá-lo, se tiver em condições, e caso não esteja, não vou tomar o lugar de ninguém. E penso também em deixar a imagem que ficou em 2012, como o meu último, por tudo o que aconteceu.

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