Cuca diz que cumprirá contrato e não voltará ao Brasil antes do fim de 2016

Henrique André - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
01/11/2015 às 08:08.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:17

O sonho de comandar a Seleção Brasileira ainda mexe com a cabeça do técnico Cuca, de 52 anos. Porém, ter trocado o futebol brasileiro pelo distante chinês, no fim de 2013 – quando comandava o Atlético no Mundial Interclubes, em Marrocos –, foi uma decisão que pode tê-lo atrapalhado nesse projeto. E ele sabe disso. Com contrato até dezembro do ano que vem com o Shandong Luneng, o treinador garante que continuará no Oriente até o término do vínculo e espera deixar um legado no outro lado do mundo. Contudo, a tarefa de viver no país mais populoso do mundo não tem sido fácil.

Suspenso por sete meses pela Federação Chinesa após confusão com o árbitro auxiliar Zhan Wei, Cuca acostumou-se a dirigir o time das tribunas dos estádios e só voltará a pisar em campo a partir de janeiro. Sem a presença da esposa Rejane e das filhas, Maiara e Natasha, que estão no Brasil, ele perdeu também o ‘braço-direito’ Cuquinha. Com um problema descoberto no coração na semana passada, o auxiliar e irmão deixou a China para tratar-se em Curitiba. Longe dos familiares, Cuca passa os dias no centro de treinamentos do Shandong e vê o tempo passar lentamente. Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, ele fala sobre a vida longe de casa, diz que não vê a hora de voltar ao Brasil e relembra as glórias e desastres que viveu em Minas Gerais. Sempre ligado no futebol brasileiro, ele tem acompanhado as partidas e o desempenho de América, Atlético e Cruzeiro nas séries A e B do Brasileirão.

Você foi suspenso pela Federação Chinesa por sete meses. Como está sendo comandar o time de longe durante os jogos? O que esta suspensão representa na sua passagem pelo Oriente?

Uma coisa nova. Aqui você não tem Federação, direito a um advogado. Você é comunicado da pena e pronto. E foi o que aconteceu. Entrei em campo para evitar que meu jogador brigasse e pegasse uma punição, levei um soco no olho e peguei sete meses de suspensão. O que justificaram é que eu invadi o campo e fui desrespeitoso com o bandeira. Não é como a democracia do Brasil. Aqui é a ditadura e é assim. No começo você tenta espernear, mas o próprio clube sabe que não tem defesa. Aprendi a ver jogo lá de cima e estou gostando. É uma oportunidade nova, uma visão boa da partida, ainda que você não tenha o clima do jogo.

Jogadores como Diego Tardelli, Paulinho, Ricardo Goulart e Robinho, antes convocados para a Seleção Brasileira, perderam espaço com Dunga por atuarem na China. O nível do futebol asiático é ruim? Dunga está correto?

Se olharmos o ranking, a China está lá embaixo. Mas hoje eu já vejo o futebol chinês de outra forma, pois a evolução é nítida e muito clara. Eu tinha dificuldade de fazer o jogador jogar em mais de uma posição, mas hoje eles adoram treinar e jogar em outras posições. Consigo fazer um meia virar volante, um volante virar lateral etc. Está sendo muito bom pra mim. O Goulart encaixou bem, assim como o Aloísio. Já o Tardelli não está fazendo um grande campeonato, pois não conseguiu encaixar bem. O Montillo teve grandes dificuldades, mas agora está fazendo bons jogos. Existem situações que não é só a qualidade que faz o atleta jogar. A adaptação, a aceitação de um novo jogo. O chinês corre e marca muito, então se o brasileiro não estiver bem condicionado, não consegue acompanhar o ritmo e não joga.

Assim como eles, você teme ter perdido mercado no Brasil, ou até mesmo a chance de treinar a Seleção, após ter escolhido ir para o Shandong Luneng?

Quando vim para cá, eu não vim para arriscar. Vim sabendo o que eu estava fazendo. Larguei uma situação maravilhosa que era o Atlético, indo para o Mundial, classificado para uma Libertadores, com um time superorganizado. Então eu sabia que perderia um espaço técnico. Vim por uma questão profissional. Isso eu sabia e não me arrependo. Vou cumprir o meu contrato até o fim.

Sua saída do Atlético foi anunciada antes mesmo da viagem da delegação para o Marrocos. Este anúncio, antes do Mundial, foi precipitado? Até onde foi maléfico para o rendimento do time na competição?

Eu fiz tudo certinho para o Atlético, dentro e fora de campo, até o meu último dia. Não saí, de maneira alguma, sem o consentimento do presidente. Levei a ele o conhecimento da proposta que eu tinha, e que eu não sairia sem o aval dele. Ele disse que não conseguiria dizer esse “não” nem para um filho dele. Eu sabia que perderia tempo em relação à Seleção. Ele disse que eu não aguentaria muito tempo aqui, mas que ele não diria não para um filho e não faria isso comigo. A notícia vazou e não fui eu quem vazou. Dei o mesmo empenho e luta até o último dia. [/ENTR_RESP]

O que aconteceu, então?

Se fosse hoje com a experiência que tive, eu não iria dez dias antes para o Marrocos, para ficar num hotel isolado de tudo. Perdemos aquele contato com o torcedor, perdemos ritmo de jogo, e isso é erro meu. Hoje eu ia querer fazer um amistoso em Portugal, no meio do caminho, com qualquer time. Ia colocar o Ronaldinho e o Réver para jogar, que era quem precisava ser exposto, e, se ficassem fora, iam ficar ali, porque do jeito que foi, aguardando o tempo passar, foi pior. Os jogadores não estavam na melhor condição. Então, esses erros que a gente teve foram muito maiores do que eu ter anunciado a minha saída antes. Mas é tudo culpa minha.

O que aconteceu na partida contra o Raja Casa Blanca? Faltou respeito ou até mesmo estudo sobre o adversário?

Olhamos o (video)teipe contra o Monterrey. Fizemos tudo o que podíamos. À medida que eles foram ganhando, eles mobilizaram o país inteiro. A gente tinha perdido o ritmo de jogo. Um erro que poderíamos ter evitado. Deus abençoe que eu possa chegar numa final de mundial numa outra oportunidade.

Quando se fala de Libertadores de 2013, qual momento ou lembrança vem à sua cabeça? O que aquele título representou na sua carreira?

O que você me perguntar eu te digo. Lance a lance e jogo a jogo. Mesmo perdendo, a gente jogava com quatro atacantes, para mostrar que podíamos ganhar e que não seríamos um time que só ia defender. Cada jogo teve um herói. Me arrepia até hoje lembrar daquele dia (final). Para mim foi a coisa mais maravilhosa que poderia ter acontecido dentro do futebol. Eu me sinto realizado graças ao Atlético. Sei que ajudei muito o clube na montagem que ele fez desde 2011 e dificilmente terei alegria maior na minha vida.

Você acredita que a derrota por 6 a 1 para o Cruzeiro, em 2011, foi o que acordou o Atlético e mudou a história do clube? Como eu tive os melhores dias da minha vida no Atlético, eu tive os piores também. Após o jogo eu fui dormir no CT do Atlético e queria morrer. Como pode ter perdido por 6 a 1? Não tem explicação. O que a gente vai fazer da vida agora? Como vou passar férias? A partir daquela derrota, foi a nossa arrancada. Kalil me bancou no comando. A torcida nos primeiros jogos ficou de costas para nós, mas as coisas foram mudando. Aquela vontade de ganhar para dar de volta o orgulho do torcedor fez com a gente sempre falasse nisso. Até na final (Libertadores) a gente conversou. Hoje é dia de pagarmos a dívida com o torcedor. Se eu tiver que perder um outro jogo, por 10 a 1, para depois conseguir ser campeão da Libertadores, não faz mal, não. (risos)

Antes de Vanderlei Luxemburgo ser demitido e Mano Menezes ser anunciado como substituto, ventilou-se na imprensa mineira que o Cruzeiro teria feito uma consulta a você. Procede?

Mentira. Nunca me procurou.

Corre também pelos bastidores que você teria demonstrado à pessoas próximas o desejo de retornar ao Atlético em 2016. É verdade ou não passa de boato?
 

Também é mentira. Eu jamais ia fazer isso, pois tenho respeito e gostaria que tivessem comigo. O Atlético tem treinador, e bom. Tenho mais um ano de contrato aqui e vou cumpri-lo. A vida na China é bem difícil, mas estamos fazendo evolução no futebol , e é por isso que vim.

Como foi trocar o Cruzeiro pelo Atlético?

Quando saí do Cruzeiro, pensei que o único clube que eu não podia treinar era o Atlético. Veio o convite do Kalil, pouco mais de um mês depois, e descobri ali um lugar que tem tudo a ver comigo. A minha origem, a minha dificuldade na vida, o quanto é difícil ganhar uma coisa, é tudo igual o Atlético. Eu me vi ali. Deixei a minha vida, a minha fé, meu amor e minha devoção no clube. Fiz o que podia fazer para ajudar. E não me arrependo de jeito nenhum. Tem coisa que tem preço e outras que têm valor.

Levir Culpi, sempre que pode, fala sobre os ensinamentos que teve na Ásia. O que o Cuca aprendeu neste ano do outro lado do mundo?

Os jogadores são disciplinadíssimos. Você pode tirar o jogador a hora que quiser e sem explicar, que eles entendem perfeitamente. Não tem imprensa, não tem o assessor, o empresário... O aprendizado deles aqui é maior, porque eles sabem menos que o brasileiro. Na parte técnica você não aprende muito aqui.

O que você faz na China quando não está trabalhando?


Nada. Nada para fazer aqui. O negócio é esperar o tempo passar. Não é como o Brasil que tem um pesque e pague. Tem dois shoppings, você não pode dirigir, por isso o tempo demora mais a passar. Mas está no preço. Foi o que combinei com minha esposa e vou cumprir. Agora estou morando sozinho, mas vivo mais no CT aqui. O Shandong tem um CT maravilhoso e incomparável a qualquer time do mundo. É bom viver lá.

Como você está vendo os escândalos de corrupção na Fifa e na CBF? Este assunto repercute na China?
 

Sinceramente, com bons olhos. Estão limpando o futebol. Já é um começo. Tem muita coisa errada e se está havendo esse começo, que os culpados sejam punidos. O futebol é lindo. O que o deixa feio são estas pessoas.

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