‘Em toda minha carreira, nunca joguei em função da seleção’, diz levantador William

Felippe Drummond Neto
fneto@hojeemdia.com.br
07/12/2014 às 10:40.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:17
 (Luiz Costa)

(Luiz Costa)

Ele é um dos melhores levantadores do mundo e recebeu o apelido “El Mago” quando jogava na Argentina. Nada disso, no entanto, foi suficiente para que o levantador William, do Cruzeiro, fosse nome frequente nas convocações para a seleção brasileira de vôlei.

Aos 35 anos, ele garante que ainda tem condições de representar o país. Sonhando com os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, William não guarda mágoas de Bernardinho e crê que o fato de não ter sido lembrado até então deve-se à opção por determinadas características que outros levantadores possuem.

William foi eleito o melhor jogador da Liga Argentina de vôlei em duas das quatro temporadas que atuou no país. Seu time, o Bolívar, venceu 21 torneios de 22 disputados enquanto o brasileiro era o levantador da equipe.

Desde que chegou ao Sada/Cruzeiro na temporada 2010/11, o time chegou a 17 finais de 18 torneios disputados e William foi eleito o melhor da posição nas quatro temporadas. Com tantas glórias, ele ainda quer jogar por mais cinco anos para ajudar o vôlei a continuar crescendo.

Com 1,84m, você é considerado baixo para os padrões atuais do vôlei. Isso o incomoda? Acha que a tendência são os levantadores terem mais de 1,90m?

Hoje em dia, eu encaro numa boa, mas quando era juvenil isso me incomodava. Tenho outras virtudes que fizeram minha altura ser esquecida. Com relação ao futuro, não acho que a altura será uma barreira, já que é uma característica do vôlei brasileiro. Nunca tivemos levantadores altos, acho que só Ricardinho tinha mais que 1,90m. Somos mais habilidosos.

Atualmente, como é a sua relação com a seleção brasileira e com o Bernardinho?

Em toda a minha carreira, eu nunca joguei em função da seleção. Quando aconteceu de me chamarem, fui e dei o meu melhor. Não tenho expectativa nem perspectiva de nada em relação à seleção. Se vier, bem, se não, não vejo problema. Com o Bernardo, nunca tive problema, foi sempre uma relação de técnico e atleta. Fora de quadra, até conversávamos sobre outras coisas.

Mais um ano que o Sada/Cruzeiro entra na Superliga como favorito. Como vocês encaram isso?

É muito bacana que isso aconteça agora. Tem praticamente cinco anos que jogamos juntos, somos o time mais estudado com certeza, porque todos têm os nossos vídeos. Então temos que nos superar a cada dia. Eu por exemplo preciso sempre criar algumas jogadas, mudar uma bola ou outra, porque todos nos conhecem bem. Mas é legal o respeito que todos têm com a gente. Lembro que quando cheguei aqui ninguém acreditava na gente, eram jogadores que os times grandes não pensavam em ter e fomos vice-campeões. A partir dali criamos uma identidade e hoje aqueles mesmos jogadores que ninguém dava nada talvez sejam os mais valorizados do Brasil.

É o time a ser batido?

É normal pra gente isso. A partir do momento que você conquista os títulos que nós conquistamos deixamos de ser a pedra e viramos a vidraça. Acho que foi isso que aconteceu. Todo mundo quer ganhar da gente, os times menores jogam sem responsabilidade. Mas sabemos lidar com esse tipo de situação. Se querem colocar o peso do favoritismo sobre a gente não tem problema.

Quais são os principais adversários do Cruzeiro na Superliga?

A Superliga é uma competição muito equilibrada, acho que todas as equipes são boas. Pelo desempenho, Campinas, Sesi, Taubaté e nós são os favoritos para chegar à semifinal. Maringá também tem uma excelente equipe, mas que ainda não conseguiu se encaixar.

Quando você jogou na Argentina, no Dream Bolívar, você chegou em 21 finais de 22 torneios disputados e desde que chegou ao Cruzeiro só não chegou à decisão do último Mundial. Qual o segredo do sucesso?

Acho que o homem lá em cima está olhando pra mim. Difícil até falar disso. Acho que é fruto de um trabalho sério. Eu encaro o vôlei como a profissão mais difícil do mundo. É muito complicado ficar longe da família. A gente abdica de muita coisa para jogar. E esse profissionalismo todo tem rendido ótimos frutos. Acho que é muito raro entre todos os atletas alguém ter alcançado em 40 torneios 38 finais disputadas. Então agradeço todos os dias por isso, são nove anos chegando em finais e ganhando títulos. Talvez eu não merecesse tudo isso que aconteceu na minha carreira, mas fico feliz de poder jogar neste alto nível na profissão que eu escolhi e poder estar entre os melhores durante tanto tempo.

O que faz nos momentos de folga?

Ultimamente só tenho tempo para cuidar da minha filha. Gosto muito de jogar golfe, mas há um ano e dois meses, desde que ela nasceu, não consigo fazer isso. Mas gosto de ficar em casa com a família, aproveitar minha mulher.

Com cinco anos morando em Belo Horizonte você já se considera um mineiro?

Tenho sangue mineiro, afinal minha mãe é de Itajubá. Além disso, me adaptei muito bem à cidade e com tudo que aconteceu neste tempo o povo também criou um respeito por mim. Minha filha também é mineira. Se for olhar, já sou 66% mineiro.

E a paixão com a música, você continua tocando bateria e violino?

Atualmente, a minha paixão pela música me acompanha no fone. Não tenho tempo para tocar os instrumentos mais. Eles estão lá em casa, parados. Mas a música me ajuda sempre, me relaxa, às vezes me alerta. Por isso costumo ser o DJ nos dias de jogos. No aquecimento, quem escolhe as músicas sou eu.

Você já tem 35 anos, espera jogar até quando?

Espero ter ainda alguns bons anos pela frente. Gosto muito de jogar, por mais que a rotina canse. Em 2015, completo 25 anos como jogador, já que comecei em 1990, no Pinheiros. Mas acho que ainda tenho muito a contribuir. Quero criar jogadas e me vejo evoluindo no esporte. É difícil pensar em uma data para parar, mas tenho certeza que vou chegar aos 40 jogando.

Como foi o tempo que você passou na Argentina? Você espera voltar lá como jogador?

Pra mim foi uma surpresa enorme. Não conhecia o campeonato, fui por conta do treinador, o Webber, mas foi uma experiência muito bacana. Acho que eu recomendaria isso para qualquer um. Conheço Buenos Aires mais que São Paulo, que é onde eu nasci e passei 17 anos. Aprendi demais lá, me tornei o que sou hoje lá. Lá o grupo tem um valor muito maior que o individual. Trouxe muito disso pra cá. Não posso dizer que não voltaria, mas tenho uma mágoa de lá por ter saído com alguns meses de salário atrasado. Mas também o que eu construi lá me faz passar por cima disso. Até hoje, pelas redes sociais, recebo o carinho dos argentinos, que me pedem pra voltar.

Você chegou a cogitar alguma vez jogar pela seleção argentina?

Isso não aconteceu por pouco. No meu último ano cheguei a conversar sobre a possibilidade de me naturalizar para jogar pela seleção. Eles me perguntaram se eu vestiria a camisa da Argentina e eu falei que sim, porque sempre sonhei em disputar uma Olimpíada, um Campeonato Mundial. Mas ai recebi a proposta do Cruzeiro para voltar ao Brasil e abri mão do sonho. Essa é mais uma demonstração do carinho que recebi por lá.

Tem algum objetivo que falta na sua carreira?

Acho que seria egoísmo da minha parte dizer que ainda falta alguma coisa, mas Olimpíada e Mundial são sonhos de qualquer atleta. Tive a chance de jogar uma Liga Mundial e um Sul-Americano. Mostrei que podia fazer parte desse grupo seleto. Não depende de mim, eu já provei que sou capaz.

A rivalidade do futebol entre Cruzeiro e Atlético chega a interferir na vida de vocês?

Nunca senti isso. Muitos atleticanos inclusive já falaram que por ser um esporte diferente eles até torcem por nós. Neste tempo que estou aqui nunca fui parado por um atleticano para me ofender. Acho que essa rivalidade é só no futebol.

Algumas bolas consideradas perdidas você consegue salvar de machete, tem algum segredo?

Não sei de onde eu comecei a fazer essa jogada, mas virou uma característica minha. Faço isso nos treinos praticamente todos os dias, então não é sorte. Eu arrisco a jogada. Desenvolvei ela ao longo do tempo.

Como você vê as derrotas do Brasil nas finais das três principais competições e contra adversários diferentes: Polônia, no Mundial, Rússia, na Olimpíada, e Estados Unidos, na Liga Mundial?

Acho que é algo normal. Principalmente porque o Brasil sempre está na disputa, enquanto essas seleções chegam algumas vezes. O Brasil mantém uma regularidade, um padrão, e isso é o mais importante. As finais são em um jogo só e aquele pode não ser um bom dia. Também tem a pressão, pois o Brasil é sempre favorito e os adversários jogam sem peso e isso acaba ajudando. Tive lá e sei como funciona. Temos uma hegemonia, pois há mais de dez anos sempre subimos no pódio. Encaro como uma coisa normal. Surpresa seria se o Brasil não estivesse entre os três melhores.

Assim como no futebol o vôlei também enfrenta problemas com um calendário cheio de jogos em um curto período de tempo. Mesmo assim não vemos tanto a necessidade de se poupar os atletas. Qual a diferença?

No futebol o desgaste é diferente. Acho que no vôlei existe a cultura que é normal jogarmos demais. Mas nós também brigamos por uma melhoria no calendário. O certo seria jogar uma vez por semana, para ter tempo de treinar, descansar, estudar os adversários direito. Muitas vezes jogamos sem estar nas melhores condições. Mas são esportes com culturas diferentes. A gente treina muito forte no dia antes do jogo e no dia do jogo pela manhã. No futebol isso jamais aconteceria. Infelizmente os atletas são pouco ouvidos nesse momento. Vale muito a televisão e também os patrocinadores. E acabam esquecendo do atleta. Mas se é assim que funciona, temos que continuar jogando. Os heróis são os preparadores físicos, que fazem um trabalho perfeito.

O que você achou da decisão da CBV em fazer a final da Superliga em apenas um jogo e não em três, como estava previsto para esta temporada?

Essa é mais uma prova de que atletas e clubes não têm voz. Não adianta a gente brigar e discutir porque dificilmente somos ouvidos. Infelizmente é assim. Acho que vou parar e isso não vai mudar. É aquela velha frase: manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Muitos te consideram o melhor levantador brasileiro e mesmo assim você ficou de fora da Seleção no Mundial. Como você encara os elogios e o fato de não ser chamado?

Faço meu trabalho no meu clube, que é onde eu devo satisfações. Fico feliz das pessoas falarem assim de mim e cobrarem a minha convocação. Mas para mim é uma coisa que tem que ser natural. Enquanto depender de mim vou sempre fazer o meu melhor para me manter entre os melhores.

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