'Encontrei sensações maiores do que botar uma medalha no peito', diz Guga sobre vida no tênis

Henrique André
hcarmo@hojeemdia.com.br
14/10/2016 às 19:17.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:14
 (Henrique André)

(Henrique André)

O carisma de Gustavo Kuerten, o Guga, talvez seja o principal legado que o maior tenista da história do país deixe para o povo brasileiro. Contudo, tornar o esporte mais popular na terra do futebol é a maior ambição do catarinense que em setembro completou 40 anos.

Incentivando a prática do tênis através de escolinhas, projetos sociais e competições, Guga levantou a bandeira da modalidade e batalha para que o governo abrace a causa e facilite a prática, principalmente, em classe sociais mais baixas.

Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, realizada durante a Semana Guga Kuerten, em Jurerê (SC), o ex-tenista, tricampeão de Roland Garros e nº 1 do mundo, relembra o passado de glórias, destaca o carinho que recebe nos quatro cantos do Brasil, e critica a forma que os governantes tratam a prática esportiva no país.

O Guga “quarentão” caiu nas graças do público durante os Jogos Olímpicos Rio-2016. Qual foi a sensação de ser um dos condutores da tocha no Maracanã?
Foi um início explosivo, pegando fogo, literalmente, com a tocha (risos). Foi a maior emoção que tive na vida. É a concretização de tudo; do que representa o esporte, dos nossos sonhos e conquistas. É um bolo completo das realizações possíveis na vida de um ser humano. Deu para sentir a ação e a reação, dentro e fora da televisão. Antes eu estava sempre dentro da TV, jogando em outros países, focado somente nas quadras. Agora foi diferente. É algo extraordinário, com uma recompensa de carinho que deixa evidente que foi a maior conquista da minha carreira.

E esta história de “Labrador Humano”? Gostou do apelido?
Foi super gratificante. Esse apelido do Labrador Humano é a forma que melhor sintetiza este pensamento que as pessoas têm do fiel escudeiro, do afeto... Me identifiquei. Só o cabelo que não tem nada a ver (risos). É algo totalmente espontâneo, inesperado e surpreendente. É uma via de amorosidade e afeto. Esta energia me dá forças para continuar buscando desafios transformadores.

Ano que vem se completam 20 anos da primeira conquista em Roland Garros. Teremos alguma novidade para comemorá-la?
Poxa, 20 anos é uma data super marcante. Da mesma forma, parece que foi ainda há pouco. Vão acontecer inúmeras atividades especiais. Estamos muito confiantes e seguros que esta história tem que ser compartilhada e disseminada entre crianças, jovens e adultos. Temos que investir em gente e acreditar no ser humano. Estamos bolando algo na espécie de um mini-documentário e uma exposição, para que as pessoas tenham mais acesso.

Você provavelmente já se acostumou a ser assediado, mas por conviver no circuito do tênis e em tantos eventos fora dele, imagino que já tenha tido a oportunidade de “tietar” alguns ídolos também...
Sou fã de carteirinha de todos os atletas. É uma vida muito digna, de real sacrifício, e um ofício sagrado de fazer o que gosta. E não vejo como tietagem. As pessoas têm cuidado por mim. Quando chego, elas me acariciam de alguma maneira e me tornam mais próximo como amigo e família. É um baita de um privilégio. Me inspironos meus entes familiares. É difícil fazer coisas grandiosas sozinho; talvez seja impossível.

A Maria Esther Bueno ganhou sete Grand Slams em simples, 19 no total, mas não teve o mesmo reconhecimento que você. A que atribui essa diferença? Acha que ela foi “injustiçada” por ter jogado em uma época diferente?
Ela é a nossa maior tenista da história. O que ela fez é muito difícil de alguém repetir. Ao mesmo tempo, são outros momentos do tênis. As informações era muito difíceis. O país costuma esquecer as histórias. Hoje a dela é muito mais lembrada do que há 20 anos. Precisamos de mais ciclos vitoriosos no esporte para que tudo tenha mais valor. É fundamental que a Maria Esther seja reconhecida e que tenha importância na escala Brasil de feitos. Foi formidável o que ela fez. A Maria Esther deveria ser uma matéria de estudos para todas as crianças do Brasil. Ela desbravou o mundo, num tênis em que ninguém ganhava nada.

O jornal inglês The Telegraph te elegeu recentemente como o sétimo melhor tenista de saibro da história. Achou justo? Você aparece em que lugar da sua própria lista?
Minha? (risos). Eles foram muito bonzinhos comigo. Acho que estou entre os 70 e ainda é demais para mim. Houve caras mais vitoriosos. A minha carreira foi muito curta. Eu tinha uma perspectiva excelente em termos de conquistas e números. É até assustador. Nunca podia imaginar teria chances reais disso acontecer. Me machuquei e não houve. De certa forma faltou capacidade para eu conseguir ser tão vitorioso. Talvez este sétimo lugar, pelo impacto da minha carreira na vida das pessoas, tenha mais relevância. O meu objetivo sempre foi contagiar as pessoas e trazê-las para a quadra.

Qual seria a solução pro Brasil começar a se mobilizar para conseguir transformar o tênis num esporte popular?
O esporte é visto de uma maneira muito amadora. Tem prioridade “1000” em todos os governos que já existiram. Ele serve para tampar buraco. É uma pena. Na Olimpíada vimos que poderia ser o contrário. A gente não sabe de esporte ainda. Precisamos engatinhar para depois aprender a andar. Não pode ser radical, mudando da água para o vinho. No Brasil, nem as escolas funcionam direito. A gente precisa evoluir em alguns momentos e serviços básicos primeiro.

Qual era o adversário que extraía o melhor de você dentro de quadra?
O mais difícil para encarar foi o Sampras. Em função da característica dele e na época era um bicho- papão. Era de outro planeta. Os que mais me provocaram foram Kafelnikov, Agassi e Safin. Eu jogava com maior fluência contra eles e existia uma provocação real de tentar ser melhor. Um dia, se tivesse um desafio contra o Nadal seria formidável. Na primeira vez contra o Sampras, eu saí de quadra tonto. Ele me ganhou de 6/2 e 6/1. Eu era o cinco do mundo e fiquei impressionado com o tênis dele. Continuei perseguindo e uma hora a situação ficou competitiva e jogamos de igual para igual. Isso acarretou o melhor momento da minha carreira que foi quando eu o venci. Foi o ápice da minha busca. Ali eu me senti num nível diferente.

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Te faltou uma medalha olímpica?
Não. Sobraram outros títulos. Na minha vida não tenho esta perspectiva de que faltou alguma coisa. Se tivesse esta medalha para as crianças poderem olhar seria ótimo. Mas tem a tocha (risos). Consegui encontrar sensações maiores do que botar uma medalha no peito. A entrada no Maracanã, com mil acontecimentos que não são decididos por mim, me dá o direito de estar feliz. Minha carreira não foi montada para ser o campeão de tênis, engessada num projeto americano ou europeu. Se eu tivesse 10 Roland Garros, faltaria o 11º? Foi tudo bem na medida certa.

Como você avalia a trajetória do Marcelo Melo e do Bruno Soares, que seguem conquistando slams e estão entre os melhores do mundo?
Eles estão ajudando demais. Hoje, o tênis sobrevive muito por causa deles. Ganhar um Grand Slam de tênis é muito difícil; tem que entrar numa longa fila. Eles são caras que entendem o papel, estão disponíveis, dispostos e dedicados à Copa Davis. A tendência é estarem vinculados ao tênis. O Bruno, inclusive, é nosso sócio na escolinha em Belo Horizonte.

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