‘Enquanto discutimos, outros países crescem’, diz Cristiane, atacante da Seleção e do PSG

Cristiano Martins
csmartins@hojeemdia.com.br
21/01/2017 às 19:11.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:30

Aquele toque de letra não só ajudou o Brasil a golear a Suécia por 5 a 1 na primeira fase dos Jogos Rio-2016. O lance testemunhado pelo Engenhão fez de Cristiane a maior artilheira da história das Olimpíadas, com 15 gols, em uma lista que tem nomes como Bebeto, Carlos Tévez, Birgit Prinz, Marta e Abby Wambach.

Aos 31 anos, a atacante veste a camisa 10 do poderoso Paris Saint-Germain, está na mira do milionário mercado chinês e ostenta um currículo invejável, com duas pratas olímpicas, um vice-campeonato mundial, dois ouros pan-americanos, duas Libertadores e duas indicações ao prêmio de melhor jogadora do mundo pela Fifa.

Neste Papo em Dia, ela admite a frustração pela falta de um grande título na Seleção e reforça o apelo por mais incentivo ao futebol feminino no Brasil.

Você já jogou em seis países do exterior (Alemanha, Suécia, Estados Unidos, Rússia, Coreia do Sul e França). Qual foi a melhor experiência?

É, eu rodei um pouquinho pelo mundo, digamos assim. Na Rússia, joguei com outras três brasileiras, então era tudo mais fácil e prático. Mas onde eu mais gostei mesmo foi nos Estados Unidos, tanto para jogar quanto para morar.

E a pior?

A experiência mais complicada foi na Coreia. Não me adaptei, tinha dificuldade com a comida... Na Alemanha, por ser o primeiro país que eu fui, tinha a questão do idioma, porque eu não falava alemão, nem inglês, nem nada. Mas não tive nenhum problema. Mesmo enfrentando algumas dificuldades, tirei muita coisa positiva de cada lugar.

Hoje, você vive em uma das cidades mais badaladas do mundo. Como é a sua rotina em Paris?

É uma rotina normal de trabalho, com treino todo dia e jogo no fim de semana. Por mais que eu esteja em uma cidade que muitas pessoas sonham em visitar, procuro descansar nos momentos de folga. Às vezes saio para dar uma volta, mas, como já conheci os principais pontos turísticos, acabo ficando um pouco mais em casa mesmo.

“Em 2008, o resultado me deixou bem decepcionada. Achei que merecia ter ganhado o prêmio. Mas isso ficou lá atrás, não é mais um objetivo. Meu foco agora está só em ganhar uma Copa do Mundo e uma medalha de ouro olímpica”

Como é a relação com os jogadores do PSG?

Encontrei os brasileiros logo no dia que cheguei. Conheci o Thiago (Silva), o Marquinhos, o Lucas, o David (Luiz, atualmente no Chelsea) e o Maxwell. Mas a gente praticamente não convive, porque eles têm uma rotina de trabalho, e nós temos outra. O Thiago costuma ir ver os nossos jogos, manda mensagem desejando boa sorte e nos segue nas redes sociais. O Lucas chegou a ir a alguns jogos também. No dia a dia não temos essa convivência, mas isso é algo natural.

Nos Jogos do Rio, você virou a maior artilheira da história, e por outro lado não subiu ao pódio. Qual foi o “gosto” que ficou?

Sinceramente, foi bem frustrante. Com todo respeito às outras seleções, era a Olimpíada na qual nós tínhamos as maiores chances de conquistar a medalha (de ouro), e infelizmente ela não veio, nem mesmo uma de terceiro lugar. Isso abateu o grupo todo, e a mim particularmente.

Você se lesionou no segundo jogo, voltou na semifinal e perdeu um pênalti. É essa a frustração?

Foi difícil para mim, porque tive a lesão muito cedo, e fiquei naquele suspense se continuaria ou não no torneio. Fiz uma fisioterapia intensiva, me dedicando, muitas vezes acordando de madrugada para fazer tratamento, chorando muito, tudo para tentar voltar. E acabei entrando em campo sem ritmo, no momento em que as meninas já estavam cansadas e também não tinham muito o que fazer (etapa inicial da prorrogação). O pênalti me frustrou bastante, sim. Infelizmente, são coisas que acontecem na nossa vida. Ficou esse gosto amargo, por não termos conquistado a medalha na nossa casa, com a torcida em volta.

Você ainda tem como meta ser eleita a melhor do mundo? Se sentiu injustiçada pelos terceiros lugares em 2007 e 2008?

Eu já tive essa meta sim, mas sinceramente não tenho mais. Em 2008, o resultado me deixou bem decepcionada, pelo ano que fiz, por ter sido artilheira na Olimpíada. Achei que eu merecia ter ganhado, porque me critico e me avalio individualmente, e muitas pessoas também avaliaram assim. Mas fazer o quê, né? Tem todo um sistema de escolha, e nem sempre sai do jeito que a gente imagina. Mas isso ficou lá atrás, não é mais um objetivo. Meu foco agora está só em ganhar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada.Rafael Ribeiro/CBF

A Formiga se aposentou da Seleção aos 38 anos, depois de seis Olimpíadas e seis Copas. Qual é o legado dela para o esporte?

A Fu é fora de série. Ela vai fazer muita falta, tanto jogando quanto fora de campo, porque nunca vai existir uma jogadora igual. É impossível encontrar outra Formiga perdida aí pelo Brasil ou pelo mundo. A Fu tem o respeito de todas as jogadoras, brasileiras e estrangeiras também. Sempre nos questionamos porque ela nunca esteve em uma final de melhor do mundo. Nós ficamos tristes por ela ter encerrado a carreira sem uma medalha de ouro. É claro que temos duas pratas em Olimpíadas e uma em Copa do Mundo, que são importantíssimas e ninguém vai nos tirar. Mas o ouro viria para engrandecer ainda mais uma trajetória tão exemplar. Subi para a Seleção muito novinha, e ela sempre tentou me ajudar, passando alguma experiência. É isso que vai ficar. E torço muito para que ela continue ajudando a modalidade fora de campo.

O que muda para a Seleção o fato de ter agora a primeira mulher como treinadora (Emily Lima)?

Antes de mais nada, é importante porque encoraja outras mulheres a assumirem posições que são nossas. O futebol feminino precisa de mais mulheres, mais meninas que decidam, por exemplo, estudar e se especializar para cuidar de uma coisa que é nossa. Só nós sabemos da dificuldade, das coisas que passamos enquanto atletas. E não adianta ter essa vontade se não houve espaço para elas fazerem isso.

“A Fu é fora de série. Ela vai fazer muita falta, porque nunca vai existir uma jogadora igual. É impossível encontrar outra Formiga perdida aí pelo Brasil ou pelo mundo. Torço muito para que ela continue ajudando a modalidade fora de campo”

Acha que o trabalho será melhor por ela ter sido jogadora profissional?

Se você é atleta e vira uma dirigente ou treinadora, vai tentar ajudar mais, conversar, nos entender, porque sabe o quanto é difícil. Mas é claro que isso deve vir com o estudo também. Eu não concordaria se alguém assumisse o cargo sem uma preparação. A experiência vale muito, mas ter a especialização é importante. Vamos ver se vai haver esse crescimento, porque nos países de ponta nós já vemos as mulheres à frente, como na Alemanha, na Suécia e nos Estados Unidos. Já estava mais do que na hora de termos isso no Brasil também.

Na sua opinião, quais seriam os próximos passos concretos para melhorar a modalidade no Brasil?

É complicado. Teria que vir de um conjunto todo, de confederação, federações estaduais, governos, clubes, patrocinadores, todo mundo. Não adianta esperar que alguém faça, porque um sempre vai jogar para o outro. O problema é que sempre acaba assim, e nós jogadoras ficamos no meio. Aqui no exterior, está todo mundo evoluindo. Enquanto a gente fica discutindo quem vai ajudar a modalidade, outros países estão crescendo muito. Aí, na hora de disputar uma Copa ou uma Olimpíada, não adianta cobrar resultado se não temos a estrutura necessária. Atualmente, por exemplo, a Liga Inglesa tem crescido de uma maneira absurda. Os clubes “de camisa” têm ajudado, como Chelsea, Arsenal, Liverpool e Manchester City, e isso facilita muito na divulgação, no marketing, na bilheteria... No Brasil, tem só o Santos e o Corinthians um pouco mais estruturados. Então, é algo que deve partir de todo mundo e, principalmente, escutando mais as atletas.

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