Ex-maratonista Vanderlei de Lima compara doping no esporte à corrupção no Brasil

Henrique André
hcarmo@hojeemdia.com.br
03/03/2017 às 18:22.
Atualizado em 16/11/2021 às 00:48

Os quase oito anos fora das pistas não apagaram a imagem de Vanderlei Cordeiro de Lima como referência no esporte brasileiro. Ao que tudo indica, inclusive, parece que tempo algum será capaz de tirá-lo do hall dos melhores da história. Aos 47 anos, o ex-maratonista atualmente viaja os quatro cantos do país e costuma ser a principal atração em eventos ligados ao atletismo.

Com o currículo recheado de conquistas, entre elas o bicampeonato dos Jogos Pan-americanos, em 1999 e 2003, e a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, Vanderlei, mesmo aposentado, não abre mão das corridinhas matinais.

Neste Papo em Dia, o medalhista olímpico relembra a trajetória como atleta, fala sobre o drama vivido na Grécia, quando teve a prova prejudicada pelo padre irlandês Cornelius Horan, e vibra com o respeito e admiração que conquistou no mundo esportivo.

Honrado com a medalha Pierre de Coubertin – a maior condecoração concedida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) –, o paranaense ainda compara os casos de doping no esporte mundial com a corrupção na política brasileira. Para ele, ambos sempre existiram, mas somente agora os envolvidos passaram a ser punidos.


Passados seis meses dos Jogos Olímpicos do Rio, você ainda arrepia quando lembra da cerimônia de abertura?
Foi emocionante e inesquecível. Poder participar daquele momento, que marcou a história do esporte no nosso país, me emociona demais. Sempre que se fala da Olimpíada, a primeira coisa que se vem à cabeça é a abertura.

Como você foi comunicado que seria o responsável por acender a pira principal da Olimpíada no Brasil? Quem foi a primeira pessoa a quem você contou?
Fui convidado para a cerimônia de abertura, mas até então meu compromisso era ser o porta-bandeira do julgamento dos atletas. Só fui comunicado horas antes. Eu não esperava e nem estava preparado. Porém, recebi de forma natural. Não tinha pensado que isso pudesse acontecer. Comuniquei à família e as pessoas mais próximas que trabalham comigo. Tivemos que guardar o segredo. A ficha só começou a cair uns dez minutos após ter recebido a notícia.

“Eu não esperava e nem estava preparado para acender a pira olímpica. Fui saber que havia sido o escolhido horas antes. Foi muito emocionante e se tornou inesquecível”


Áreas do Parque Olímpico estão abandonadas e totalmente inutilizadas. Muito se fala em legado. Como você enxerga a situação atual da casa dos Jogos no ano passado?
O Brasil se tornou muito mais esportivo após a realização dos Jogos. A nação começou a ver mais a importância do esporte, não só como promoção, mas também na vivência. Infelizmente, passamos por um período político e econômico, antes, durante e depois, que de certa forma acabou ofuscando um pouco aquilo que seria de melhor dos Jogos, que seria o legado. Dentro de um corte de orçamento, certamente o esporte é o que mais sente. Isso já está acontecendo. É lamentável ver toda aquela estrutura que o mundo inteiro viu abandonada e inativa. Aí nos perguntamos quem está pagando tudo isso.

Você é o único atleta latino-americano a ter sido honrado com a medalha Pierre de Coubertin. Na sua estante, qual medalha está no lugar mais privilegiado: ela ou o bronze de Atenas?
(Risos). Certamente as duas estão juntas, uma ao lado da outra. Sempre vi a medalha de bronze como a maior conquista ao longo da minha vida. Ali tem uma história de vida e esportiva. Algo que sempre busquei. A Coubertin foi uma recompensa, não só por toda persistência e luta, mas por tudo aquilo que eu vivenciei no esporte. Exaltar o espírito olímpico é algo que eu sempre fiz e usei para conduzir minha carreira. Nunca procurei atalhos. Meu caminho sempre foi mais longo e conquistei tudo isso que conquistei. Ter ética e respeito a todos dá o que eu tenho hoje em todo meio esportivo; este é o verdadeiro legado de um atleta. É muito mais importante que medalhas e troféus.

Como você vê essa crise, ou verdadeiro surto, de casos de doping envolvendo atletas russos?
A gente já tinha visto algo não muito diferente com os americanos nas provas de velocidade. Muitos atletas, após a carreira, confessaram uso de anabolizantes para se beneficiar sobre o adversário. Então, você vê que em provas que rolam muito dinheiro, essa prática não é de agora. Podemos comparar com a nossa política. A corrupção sempre existiu no nosso país, mas, agora, os caras que fizeram parte deste meio sujo estão sendo punidos. O que acontece no doping e no atletismo mundial é a cara da corrupção no Brasil. Começaram a punir. Pela primeira vez, começamos ver uma luzinha no fim do túnel. Isso nos faz pensar quantas possibilidades aqueles atletas sempre puros perderam, esportivamente e financeiramente.

Você foi bicampeão da Volta da Pampulha, em 1999 e 2002. Quais as recordações que guarda de Belo Horizonte?
Pra mim, foram das provas mais emocionantes. Chegar a Belo Horizonte e ganhar esta prova tão rápida foi muito especial. Me deu muito espaço na mídia e reconhecimento. Todas as vezes que estou diante meus amigos mineiros, relembro estes momentos. Aquelas pessoas todas te aplaudindo, formando um funil na chegada, realmente mexe muito com o atleta. BH estará eternamente guardada nas minhas lembranças. Até parece que eu sou mineiro! (risos)Reprodução/Internet

Em alguma entrevista você não foi perguntado sobre o padre que te segurou em Atenas?
Você mereceria um prêmio se não perguntasse (risos). As pessoas têm receio de fazer esta pergunta, mas isso faz parte da história. Nunca tive nenhum tipo de incômodo. A maneira com que as pessoas enxergam aquela atitude do padre é que me incomoda às vezes. Muitas vezes colocam a importância daquele cara na minha trajetória, muito maior do que o meu mérito nos 42 quilômetros, liderando a prova contra os melhores do mundo.

Guarda ressentimento quando lembra dele e do prejuízo que te causou?
Nunca consegui ter sentimento ruim contra aquela pessoa (padre). Na verdade, diante daquele fato, ele foi muito importante para a minha superação. Nunca[/ENTR_RESP] me coloquei de coitadinho. Não sei se eu seria campeão naquele momento, mas poderia ter lutado com muitas chances pelo ouro. Falaram que era apenas um protesto religioso, mas sempre o vi como um cara oportunista. Ele aparece a todo momento quando tem grandes eventos com a mídia esportiva presente. Ele quer se autopromover.

“Eu nunca consegui ter sentimentos ruins contra aquela pessoa (padre), mas sempre o vi como um cara oportunista, que quer se autopromover”


Um reencontro já foi oferecido pela mídia ou até mesmo pelo irlandês?
Sempre a mídia tenta um encontro ou uma resposta minha para ele. Em várias oportunidades, ele disse na imprensa que me mandou cartas, mas nunca as recebi. Qualquer atitude que eu tiver para respondê-lo, estarei indo ao encontro dos interesses dele. Por isso, descarto qualquer convite que me fazem para reencontrá-lo.

Você tem algum projeto social? Como é mantido?
Tenho um projeto em Campinas, um instituto que leva o meu nome (IVCL). Temos 250 crianças lá e dependemos muito dos recursos da Lei de Incentivo e parcerias com algumas empresas.

Qual o grande sonho de infância que você conseguiu realizar?
Comecei a correr aos 15 anos e fui a um evento de atletismo representando a minha escola. Meu grande objetivo nem era ser atleta, nunca pensei nisto. O que eu queria era apenas viajar e conhecer novos lugares. Vi que a corrida poderia me levar muito longe. Nos dias de hoje, o que eu mais faço é viajar, na maioria das vezes trabalhando. Foi algo que busquei e nem posso reclamar (risos).

Defina o Vanderlei Cordeiro de Lima...
Sou um cara que sempre está de bem com a vida e com a família. Meus dias são assim. O pessimismo eu sempre consegui deixar para trás.Washington Alves/Lightpress/COB

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