Fabiana: 'Querendo ou não, carrego bandeiras. O fato de ser mulher e negra é bem significativo'

Cristiano Martins
csmartins@hojeemdia.com.br
30/10/2016 às 09:31.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:26
 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

(Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Uma gigante, e não pelos seus 1,93m. A mineira Fabiana Claudino, 31, já entrou para a história como uma das melhores centrais do mundo e líder de uma das maiores seleções de vôlei de todos os tempos. E, como não bastassem os dois ouros olímpicos (Pequim-2008 e Londres-2012), também está eternizada como primeira atleta a conduzir a Tocha dos Jogos de 2016 no Brasil.

O papel de destaque foi sendo construído com muita personalidade ao longo de 15 anos como profissional, 13 deles dedicados à Seleção, da qual decidiu se despedir após a eliminação na Olimpíada do Rio. Voz ativa contra irregularidades na gestão da CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) e pela equiparação salarial entre homens e mulheres na modalidade, entre outros temas, ela foi eleita praticamente por unanimidade como capitã da equipe nacional.

Agora, tem o desafio de guiar o Praia Clube de Uberlândia ao inédito título da Superliga, troféu o qual já conquistou cinco vezes. Em entrevista ao Hoje em Dia, a mineira de Santa Luzia fala sobre a nova fase da carreira e as bandeiras que carrega como figura pública do esporte nacional.

Qual é o balanço que você faz da sua história na Seleção? Pode apontar o melhor e o pior momento dessa trajetória?

Minha história foi linda na seleção. Não há nada que me faça sentir arrependimento. Sempre defendi o país com muita dedicação e amor. Os pontos altos foram os dois ouros olímpicos, e o baixo, acho que foi termos tentado tudo em casa nos Jogos do Rio e não termos conseguido.

Não tem mais espaço para sexismo. Nós merecemos ganhar por competência e produtividade, e não por que somos mulheres ou homens. Isso é absurdo. E eu sempre vou me posicionar contra qualquer medida discriminatória. Não podemos nos calar"

Você foi escolhida capitã pelas próprias atletas. O que isso significou para você naquele momento?

Na verdade, me senti muito honrada. Significa que as pessoas confiam em mim e na minha liderança. Fiquei surpresa, mas feliz. Significou muito, já que a escolha foi feita pelo grupo, e isso já diz muito.

O que faltou para um melhor resultado no Rio? Ficou algum arrependimento por ter se despedido da Seleção daquela forma?

Não me arrependo de nada em minha trajetória como atleta. Fizemos o que podíamos, nos entregamos de corpo e alma, mas apenas não deu. Não era pra ser.

Como a despedida vai afetar sua vida daqui adiante? Você tem feito trabalhos como modelo e já disse que pretende estudar Psicologia... Já definiu uma idade para deixar definitivamente as quadras?

São muitos anos servindo à Seleção e abrindo mão de muitas coisas. Estou nessa correria desde que me entendo por gente. Quero curtir mais família, amigos, namorado, ter férias mais longas, estudar, botar projetos para andar, essas coisas que as viagens e treinos nunca me deixaram fazer. Psicologia é uma opção, vamos ver! Agora tenho calma pra decidir as coisas. Quanto à aposentadoria total, ainda não defini nada.Janna Francisco/Divulgação

Dentre os fatores que te atraíram a acertar com o Praia Clube, qual foi o preponderante?

O projeto me chamou atenção, a vontade de todos em que eu fizesse parte do sonho do clube. Isso me alimenta, me faz querer mais e mais, sabe? Aqui, tudo tem sido ótimo! As condições de trabalho, as pessoas, comissão, jogadoras... Me senti muito bem recebida e estou feliz! Estamos no caminho para que as coisas sejam boas pra todos nós nessa temporada.

A equipe fez uma boa pré-temporada, mas perdeu para o Rexona na Supercopa. Com a experiência de quem já ganhou tantos títulos, quais são, na sua opinião, os prós e os contras do clube na Superliga?

O trabalho está no início. Isso é normal acontecer. Algumas jogadoras se mantiveram no grupo, mas chegaram muitas peças novas. Esse entrosamento demora mesmo, e estamos trabalhando duro pra encurtar esse tempo ao máximo. A questão do entrosamento pesa contra. Mas, a favor, tem um clima ótimo, um time forte e uma excelente estrutura, nos deixando à vontade para trabalhar.

Qual é o tamanho da responsabilidade que você assume nessa busca pelo título inédito, por ter chegado como a principal contratação da temporada?

Eu nunca fugi de responsabilidade. Carrego sempre, com muita noção do que preciso fazer. Eu visto a camisa onde vou, e nunca deixo ‘metade’ de nada. Sou movida a desafios e gosto disso. Vamos batalhar pelo nosso espaço e pelo nosso sonho nessa temporada.

Você foi escolhida a dedo pela então presidente Dilma Rousseff para ser a primeira condutora da Tocha Olímpica no Brasil. Como recebeu essa missão?

Com muita honra e orgulho. Além de ser a primeira a conduzir a Tocha, o fato de ser uma mulher e negra é bem significativo. Querendo ou não, carrego bandeiras, e esse momento foi histórico. Nunca vou esquecer a emoção daquele momento. É uma alegria que vou carregar para sempre no meu coração.

Você também foi uma das vozes que se levantou contra a diferença entre os pagamentos para homens e mulheres nas competições. Acredita em uma redução dessa disparidade em curto prazo?

Espero que isso mude, e é para ontem! Não tem mais espaço para sexismo. Seja no meio esportivo ou corporativo, ou qualquer outro setor, nós merecemos ganhar por competência e produtividade, e não por que somos mulheres ou homens. Isso é absurdo. E eu sempre vou me posicionar contra qualquer medida discriminatória. Não podemos nos calar.

Mas meus pais sempre me ensinaram a nunca abaixar a cabeça, a sempre me valorizar e a não deixar que ninguém me subjugasse. No Brasil, existe sim racismo. Às vezes, é velado ou disfarçado em piadas ou olhares. Mas a realidade que vivemos é essa"

Sobre o caso de racismo que sofreu em 2015 (chamada de “macaca” por um torcedor), como você definiria as dificuldades ainda enfrentadas pela população negra no Brasil e em relação aos demais países pelos quais você já passou? Você diria que o Brasil é um país racista?

Eu nunca tinha sofrido algo nesse nível, seja no Brasil ou em qualquer lugar do mundo. Foi uma marca, sabe? Mas meus pais sempre me ensinaram a nunca abaixar a cabeça, a sempre me valorizar e a não deixar que ninguém me subjugasse. Então doeu, mas o que ficou no fim foi pena deste senhor. Porque não tem nada a mais para sentir por alguém que se acha superior por ter uma cor diferente da minha. No Brasil, existe sim racismo. Às vezes é velado ou disfarçado em piadas ou olhares. Mas a realidade que vivemos é essa.

Até que ponto acha que você pode servir de exemplo para outros brasileiros, seja na área do esporte ou não, por ter obtido sucesso apesar desses obstáculos?

Eu não sei se sou um exemplo, mas tento agir sempre como fui ensinada a ser pelos meus pais e como acho que devo ser. Quero ser correta com as pessoas, levar sentimentos bons para o mundo. Sempre consigo? Não, porque sou humana... Mas tento sempre. A vida é em algum momento dura para todos, então temos que batalhar sempre pelos nossos objetivos. A lição que eu deixo, se pode servir pra alguém, é que sempre temos que perseverar, correr atrás mesmo do que queremos pra nós. Sem luta ou esforço, não há vitória que seja valorizada. Então não desistam dos sonhos!FIBV/Divulgação

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