'Futebol feminino não é empecilho para os clubes', diz Emily Lima, técnica da Seleção

Cristiano Martins
csmartins@hojeemdia.com.br
02/06/2017 às 20:38.
Atualizado em 15/11/2021 às 17:18
 (Fotos Lucas Figueiredo/CBF/Divulgação)

(Fotos Lucas Figueiredo/CBF/Divulgação)

Cinco vitórias, 100% de aproveitamento e um título, com 24 gols marcados e quatro sofridos. É este o cartão de visita da paulista Emily Lima, primeira mulher a assumir o cargo de treinadora da Seleção Brasileira de Futebol Feminino.

Seis meses após a estreia com goleada por 6 a 0 sobre a Costa Rica no Torneio Internacional de Manaus, ela terá agora o primeiro grande teste. A partir do próximo dia 10, a equipe canarinho fará uma turnê europeia, na qual enfrentará as potências Alemanha e Estados Unidos, atuais líderes do ranking da Fifa.

A Seleção, no entanto, não é a única preocupação da ex-jogadora de apenas 36 anos, aposentada aos 29 devido a uma série de lesões nos joelhos. Entre as novidades implementadas pela treinadora estão as convocações regionais de observação, por meio das quais pretende mapear a situação física e técnica das atletas em atividade nos clubes país.

Neste Papo em Dia, Emily lamenta o diagnóstico inicial e comemora as regras promovidas por CBF, Conmebol e Fifa no sentido de aumentar a visibilidade e a profissionalização da modalidade.

Nesta excursão pela Europa, você fará os primeiros jogos contra equipes que estão à frente do Brasil no ranking da Fifa. Será um termômetro mais fiel após este início de trabalho com números tão expressivos?

Na verdade, estamos apenas dando sequência ao que foi planejado desde o início, visando especialmente à preparação para a Copa América (2018). Nós queremos saber em que nível estamos e ver qual vai ser o nosso comportamento diante de adversárias cada vez mais qualificadas. Vamos enfrentar quatro das dez melhores equipes do mundo (Alemanha, Estados Unidos, Japão e Austrália), além de Espanha e Islândia, que vêm evoluindo muito. É claro que os primeiros resultados foram bastante favoráveis e nos deixaram satisfeitas, mas, dentro do nosso modelo de jogo proposto, ainda podemos e queremos evoluir, principalmente na organização defensiva.

Na sua apresentação, você prometeu expandir o trabalho para além da Seleção. Que avaliação já foi possível fazer do atual cenário nacional?

Estamos de olho em todos os clubes e temos bastante gente envolvida nesse trabalho. Nós iniciamos esse ‘raio-x’ em fevereiro, com a primeira convocação de observação. Tivemos algumas surpresas, sim, infelizmente negativas na maioria, especialmente em termos físicos. Eu digo surpresa negativa porque essa convocação foi no Sul e Sudeste, e estamos falando da região que, querendo ou não, é o centro do futebol feminino no país. Então isso nos deixou bastante preocupados, e tivemos que colocar algumas metas. A partir daí, a gente direcionou o trabalho para as meninas, não só dentro da Seleção, mas também nos clubes, conversando e mostrando que elas precisam ser atletas, e não apenas jogadoras.

“A treinadora de Portugal sabia do meu interesse e me levou a vários pontos para que eu pudesse conhecer a história dele (José Mourinho). E cito também o Felipão, pois sempre me chamou muito a atenção a forma como ele trabalha com o grupo e faz com que as conquistas sejam coletivas”

Das 22 jogadoras convocadas, só oito jogam no Brasil. Isso se deve mais ao aspecto físico ou técnico?

É mais o reflexo da estrutura que elas encontram nos clubes. Os números dizem isso. Nós fazemos avaliações físicas e vemos que elas (no exterior) estão melhor que as nossas atletas aqui. Acho que diferença técnica é menor. Mas eu vejo uma evolução grande das equipes no Brasil. A gente vem acompanhando o Brasileirão feminino, e ele tem nos agradado bastante.

A Conmebol decidiu obrigar os clubes a terem times femininos como requisito para disputarem a Libertadores a partir de 2019, e a CBF acompanhou essa regra já para o Brasileirão do ano que vem. Você aprova esse tipo de medida?

Olha, eu tenho que acreditar nas oportunidades que estão dando à modalidade, mesmo sendo como uma obrigatoriedade e, não, pelo simples incentivo. Temos que tentar aproveitar. Eu realmente acredito que nós podemos mostrar que não somos um empecilho para os clubes de camisa e que eles poderão ver um outro lado do futebol feminino.Reprodução/FPF

Carreira como jogadora teve passagem pela seleção portuguesa e fim precoce

 Você jogou na Europa, mas acabou se aposentando cedo justamente pela questão física. Já estava pronta para encerrar a carreira àquela altura?

Sim, eu já vinha de um histórico anterior de lesões, então já estava me preparando devido à questão física mesmo. Mas eu pensava em seguir na área de gestão do futebol, não como treinadora. Quando voltei para o Brasil, em 2009, fiz o curso por incentivo do meu irmão e acabei assumindo o time feminino do Juventus, em 2011. Por mais que a carreira de jogadora tenha sido curta, sou muito satisfeita por tudo que vivi, pois tudo que eu tenho hoje foi conquistado com o futebol. Mesmo com todas as dificuldades, a gente ainda consegue colher alguns frutos, e agora estou colhendo um muito bom, que é ser técnica da Seleção.

Como foi a experiência de jogar pela seleção de Portugal? Foi a causa ou uma consequência da sua naturalização?

Eu jogava na Espanha e, se tivesse cidadania europeia, não ocuparia uma vaga. Como meu pai é português, eu poderia ser comunitária e, assim, o clube teria a possibilidade de contratar outra estrangeira. O primeiro ponto foi esse. Segundo, por conta do meu pai mesmo, pois ele já queria que eu e meu irmão tivéssemos a cidadania portuguesa. E, terceiro, pela possibilidade de jogar na seleção. Eu tive um período de treinamento com a Seleção Brasileira do Renê Simões e acabei cortada na preparação para a Olimpíada de Atenas (2004). A partir daí, a federação portuguesa ficou sabendo que eu estava na Espanha e me convidou. Pude jogar alguns amistosos, a Algarve Cup de 2007 e 2008 e o torneio classificatório para o Campeonato Europeu, então foi uma experiência muito boa, jogando contra equipes de alto escalão. Com certeza, foi algo que ajudou muito no meu desenvolvimento, pois tínhamos uma excelente comissão técnica.

“A Marta voltou a ser indicada e já tem um nome. A Cristiane também vem fazendo um bom trabalho no PSG. Se elas forem bem na Seleção, que é uma vitrine, acredito que vamos ver pelo menos uma delas disputando o prêmio de melhor do mundo”

Quem são as suas principais referências profissionais?

Eu poderia citar vários nomes, mas tenho mais afinidade com o José Mourinho, por conta de já ter lido muita coisa dele e sobre ele. Na época que estive em Portugal, tive a oportunidade de conhecer os clubes e lugares por onde ele passou. A treinadora da seleção sabia do meu interesse e me levou a vários pontos para que eu pudesse conhecer a história dele, enfim, então é um treinador que eu sempre observei. E também o Felipão, pois sempre me chamou muito a atenção como ele trabalha com o grupo e busca as conquistas baseado no coletivo.

Por que a CBF demorou 30 anos para colocar uma mulher à frente da Seleção?

Não sei dizer exatamente um motivo. Acho que são alguns fatores. A Fifa vem colocando algumas regras para que mais mulheres estejam nas comissões técnicas das seleções. Com certeza, antes de eu assumir, havia outros nomes capacitados, com cursos e licenças da própria CBF. Acredito que a escolha veio muito por conta dos resultados que eu alcancei com o São José no Campeonato Paulista (campeã em 2015), no Brasileiro e na Copa do Brasil (vice em 2015 e 2016, respectivamente), porque esses torneios são as maiores referências dentro do país (em todas, enfrentou times comandados por técnicos homens nas finais).

Acha possível termos novamente uma brasileira eleita melhor jogadora do mundo neste ano?

Sempre acredito que as nossas atletas podem se destacar e torço para que pelo menos uma esteja entre as indicadas. É um reconhecimento que elas merecem, por tudo que fazem pela modalidade no nosso país e pela nossa Seleção. A Marta voltou a ser indicada em 2016 e já tem um nome na premiação (é a recordista, com cinco troféus). A Cristiane também vem fazendo um bom trabalho no PSG (vice-campeã da Copa da França, do Campeonato Francês e da Liga dos Campeões). Principalmente se elas forem bem na Seleção, que é uma vitrine, acredito que vamos ver pelo menos uma delas disputando o prêmio de melhor do mundo neste ano.

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