Quando começou a pensar no roteiro de “Mulheres no Poder”, o diretor Gustavo Acioli jamais poderia imaginar que sua sátira política ganharia um empurrão vindo da realidade, estreando exatamente no dia do afastamento da presidente Dilma Rousseff pelo Senado.
Dira Paes interpreta uma senadora inescrupulosa que se alia a uma ministra (Stella Miranda) para manipular o resultado de uma licitação e receber propina. A negociata acaba envolvendo outras pessoas que também querem receber sua parte.
“Sem dúvida, é atual falar de política nesse momento. Mas esse cenário não é recente. O Brasil ainda não se encontrou dentro da sua real capacidade de transformar e de fazer uma reforma política, agrária e dentro de seus conceitos de administração da saúde, da habitação”, destaca Dira.
Nesse sentido, salienta, o filme sendo feito hoje ou há 20 anos seria atual de todo jeito. Apesar de os personagens corruptos serem mulheres, a atriz registra que se trata de uma brincadeira com a realidade, onde o predomínio masculino ainda impera.
“As mulheres ainda não ocuparam devidamente o seu espaço. “Hoje, se olharmos para a representação feminina dentro da própria Câmara, do Senado, veremos isso”, analisa.
Sua principal inspiração “veio desse cenário humano que é você ter a opção de ir pela idoneidade e honrar as pessoas que votaram ou pensar em si mesmo e nos privilégios próprios”.
Filme apenas troca os papéis entre homens e mulheres
Apenas a cena final deixa claro que a trama de “Mulheres no Poder” se passa no futuro, quando vemos o casal Fátima Bernardes e William Bonner já velhinhos, apresentando um telejornal nacional.
Esse cenário criado pelo diretor Gustavo Acioli não está melhor ou pior que o nosso presente. A corrupção contamina todas as esferas públicas. O único ingrediente diferente são as mulheres no poder.
Num ambiente dominado por homens (segundo pesquisa, apenas Ruanda e Andorra têm mais mulheres no legislativo), a brincadeira está em inverter esses papéis, valendo-se dos mesmos argumentos.
As mulheres são influentes, determinadas e manipuladoras, enquanto os homens são submissos. Um exemplo é o motorista George, capaz de fazer qualquer coisa pela senadora Maria Pilar (Dira Paes).
Ela o humilha constantemente e se aproveita de sua ingenuidade para armar seus planos de corrupção. Essa dominação também envolve o grupo GLBT, ao vermos Rogéria presidindo a Câmara.
Dira Paes também está na telinha, no papel da educadora Beatriz na novela “Velho Chico” (Globo)
Todas essas trocas são operadas no filme apenas para demonstrar que não existe “esperança” na política brasileira, ao contrário do que diz Fátima Bernardes, por mais que os atores sociais mudem.
É como um “Planeta dos Macacos”, o clássico de Pierre Boulle que põe chipanzés humanizados no lugar de humanos primitivos, para reforçar procedimentos de opressão de uma raça.
SÁTIRA
Mas como “Mulheres no Poder” se pretende uma sátira, qualquer leitura mais aprofundada é deixada de lado para dar espaço ao deboche, à identificação de velhas práticas da política com novos protagonistas.
O humor deveria vir dessa simples mudança, mas não é tão simples assim, já que o filme deixa entender que, na verdade, as mulheres repetem (anseiam, podemos dizer) um comportamento masculino.
De certa maneira, os homens ainda se fazem presentes, já que o texto anula quase completamente as características femininas, o que poderia, de certa forma, aumentar a carga de comicidade.
O artifício (a troca) acaba perdendo força, principalmente devido ao ritmo mais lento, os muitos momentos de diálogos insossos e reiterativos e também pela falta de camadas dos personagens, tão superficiais quanto aqueles que buscam criticar.