Léo Condé, técnico da Caldense, diz como o futebol do interior minimizou a vantagem dos grandes

Henrique André
Hoje em Dia - Belo Horizonte
03/05/2015 às 11:38.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:52
 (Carlos Henrique)

(Carlos Henrique)

POÇOS DE CALDAS – A já histórica campanha da Caldense não tirou os pés de Leonardo Condé do chão. Aos 37, o técnico que levou o time de Poços de Caldas à decisão contra o Atlético, de forma invicta e com a melhor performance do Estadual, afirma que o resultado normal é a Caldense ser vice-campeã. Modéstia à parte, o religioso Condé diz que os clubes do interior, mesmo com orçamentos bem inferiores, estão conseguindo, com trabalho e especialização, minimizar a diferença abissal em relação aos grandes da capital. Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, o treinador diz que só vai estudar propostas de outros clubes após a grande final deste domingo.

O que um título mineiro significaria para sua vida e carreira?
É difícil precisar o que realmente significaria. É algo que valoriza o clube, os atletas e principalmente o treinador. Ainda mais no nosso país que só tem valor quem ganha. Vai coroar o bom trabalho que realizei em outros lugares, com outros jogadores e a comissão técnica.

Você acha que o Estadual tem o poder de mudar radicalmente a vida e carreira dos atletas e da comissão técnica da Caldense?
Temos exemplos de profissionais que, após um título estadual, conseguiram encaixar uma sequência boa na carreira, mas isso depende muito do momento e do mercado.

Ainda se belisca para ter certeza de que conseguiu trazer a Caldense para esta decisão, e, de quebra, com a melhor campanha do Estadual?
A gente sempre foca no trabalho, na organização dos jogos e na preparação para as partidas. Sempre falo com os jogadores para se doarem nos 90 minutos para ir o mais longe possível. Agora, podemos ser campeões. Nesta semana, todos sentiram um frio na barriga, natural. Mesmo que tenhamos equilíbrio, esta ansiedade aparece. É uma coisa gostosa de se sentir.

A folha salarial do Atlético é cerca de 35 vezes superior à da Caldense, mas, em campo, essa diferença abissal não foi notada neste Estadual. Como se explica isso?
Não tem um fator determinante. Posso falar pela Caldense. Apesar de termos uma folha baixa, des de a montagem do elenco a gente conseguiu montar um grupo dentro de um perfil que encaixou. Com conduta dentro e fora de campo, disciplina, qualidade e, principalmente, jogadores que já passaram por times grandes e que querem objetivos maiores na carreira.

Acredita que o nivelamento físico e tático no futebol reduziu a vantagem técnica dos grandes sobre os pequenos?
Os jogadores entenderam bem o que passamos para eles. O futebol antigamente tinha pouco acesso às informações. Talvez oferecemos aos jogadores um cuidado parecido com o dos clubes grandes. Cuidado com a alimentação e com outros fatores importantes. Não é a mesma coisa, mas se aproxima. Nós temos um plantel bastante qualificado em quase todas as posições.

Qual foi a sensação por ter segurado o Atlético no primeiro jogo, diante de mais de 55 mil atleticanos que lotaram o Mineirão?
É uma sensação de dever cumprido e de satisfação. É muito difícil parar o Atlético em qualquer circunstância, seja lá no Mineirão ou na nossa casa. Nos mostrou que estamos no caminho certo.

Você já se declarou fã incondicional de Levir Culpi. Como foi a relação com ele em 2006, quando trabalharam juntos no Atlético? Você são amigos?
Na realidade, tivemos pouco contato no Atlético. Ele era treinador do profissional e eu do juvenil. A minha relação maior era com o Marcelo (Oliveira), que era treinador do junior. Na verdade, eu acompanhava o que o Levir fazia durante os treinos e aproveitei para aprender muito com ele. Ele é um cara divertido, de fácil acesso e que tem muito a ensinar.

Você disse que está lendo “Um Burro com Sorte”, livro do treinador atleticano. O que mais gostou nele até aqui?
A comparação de culturas entre Japão e Brasil é uma coisa legal do livro. Tem também muitas histórias engraçadas. Ele cita a história de um lateral do Grêmio que foi perguntar para um pipoqueiro da cidade quem era o ponta-direita do time e, no outro dia, se surpreendeu ao ver que era o próprio. Conta que perdeu um jogo no campeonato japonês e que voltou de metrô com o presidente e os torcedores. E que todos bateram papo numa boa. Ele cita que no Brasil isso seria impossível.

Considerando o que você já passou no futebol, qual seria o título e a história de um livro seu?
Sinceramente, nem passa na minha cabeça escrever um livro. Mas esta trajetória aqui, com certeza, teria uns três capítulos. É um momento mágico para a cidade e para todos do clube.

E como foi a relação no Atlético com Marcelo Oliveira, atual treinador do Cruzeiro. Vocês são amigos?
Às vezes, trocamos mensagens e conversamos ao telefone, mas não muito. O tempo na nossa profissão é escasso. Tivemos uma relação muito boa no Atlético. Ele me recebeu superbem e sempre conversamos bem sobre jogadores, parte tática... Ele tem uma história muito grande no futebol como atleta e, agora, como treinador.
Naquela época, você imaginava o Marcelo como bicampeão brasileiro, chegando em três finais de Copa do Brasil e sendo apontado como um dos melhores do país?
Eu sempre soube que ele chegaria longe. Procuro me espelhar no equilíbrio dele. Ele é tranquilo e isso conta muito num elenco. Vai além da questão técnica. Isso difere um profissional do outro.

Acha que, independentemente do resultado deste domingo (3), você já está credenciado a treinar os dois grandes da capital em breve?
Obviamente que tenho meus objetivos profissionais, mas eu não quero passar a carroça na frente dos bois. Tenho que me preparar melhor em alguns aspectos, mas a gente nunca sabe quando é a hora certa. Em qualquer clube grande do futebol brasileiro, é algo que a gente visualiza, mas eu sempre fiz as coisas de maneira gradativa. Talvez seja interessante passar por um clube médio, da Série B, por exemplo.

Levir, em entrevista, disse que os treinadores da nova geração precisam ser mais valorizados pelos grandes clubes. Você sente esta dificuldade?
Em toda área que você trabalha, é avaliado pelos resultados. Ainda mais no futebol aqui no Brasil. Quando você chega num clube grande, demora um tempo para ter uma projeção maior. Por isso, quero que aconteça de uma maneira natural, sem acelerar o processo.

Você já recebeu convite para treinar algum clube grande em 2015? Você fica para a disputa da Série D? Ou sai, já que clubes como Tombense e Portuguesa já demonstraram interesse no seu trabalho?
É normal, pela boa campanha, a gente receber sondagens. Mas eu tenho procurado filtrar isso bem. Por respeito à Caldense e aos atletas, eu não converso com ninguém sobre futuro. A partir de segunda-feira, podemos conversar. No primeiro momento, vou sentar com a direção do clube e ver o que eles planejam. Também posso analisar outras propostas. No momento, o foco é na decisão.

Se a Caldense confirmar o título, como você vai comemorar? Vai pagar alguma promessa? Dedicará o título a alguém?
Tenho minha religião, sou católico, respeito todas as outras, mas temos as nossas crenças, sim. Não falo de promessa, porque se contar, deixa de ser. Mesmo não acontecendo o título, tenho que dedicar à minha família, que mora em Juiz de Fora. A paciência dela me faz dedicar a ela. Dedicarei também a todos que abriram as portas para eu trabalhar.

Se perder, acredita que será suficientemente valorizado pela campanha ou cairá na vala de que o vice é o primeiro dos últimos?
Se eu tivesse dirigindo uma equipe de ponta e perder um título, apesar de não achar que é o julgamento correto, tudo bem. Temos um orçamento mais baixo até que equipes do interior. Chegar numa final e perder um título para o Atlético não é demérito. Eu tenho certeza de que todos vão entender uma possível perda de título. Trabalharemos para vencer, mas é até normal o vice-campeonato. Diferente será se nós formos os campeões.

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