Formação educacional de adolescentes comprometida pelo vôlei

Émile Patrício - Do Hoje em Dia
01/11/2012 às 08:04.
Atualizado em 21/11/2021 às 17:46
 (Alexandre Arruda/CBV)

(Alexandre Arruda/CBV)

“A casa do voleibol brasileiro”, como é chamado o Centro de Treinamento de Saquarema, a cerca de uma hora e meia do Rio de Janeiro, poderia servir de exemplo a muitos países como excelência na preparação de jovens jogadores de alto rendimento. A não ser por uma única e grave falha: privar adolescentes de 13 a 18 anos do direito básico à educação.

Muitas promessas da modalidade perdem o ano letivo, devido ao tempo que permanecem em treinamento, com o consentimento dos pais e a passividade da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV). A entidade deveria se responsabilizar pela educação dos convocados no período em que ficam no Rio.

Por ano, o Aryzão, apelido do espaço, recebe 90 atletas, que passam de dois a quatro meses morando e treinando nas dependências do CT. A estrutura é imensa. São 108 mil metros quadrados, em frente à praia, com 211 leitos de hotelaria, quatro quadras indoor e quatro de vôlei de praia, 800 metros de área de musculação e fisioterapia, duas salas de hidromassagem, consultórios médicos com alta tecnologia, além de restaurante, museu do vôlei, barcos, estacionamento, auditório, sauna, piscinas, quadras de tênis e campo de futebol.

Lá acontecem os treinos das seleções brasileiras masculinas e femininas infantil, infanto-juvenil, juvenil e adulta. No ano passado, um dos integrantes da equipe infantil, de 17 anos, que preferiu não se identificar, não fechou o ano bem, apesar de ter alcançado o título de campeão Sul-Americano, no Equador. Quando retornou à cidade natal, não conseguiu acompanhar a turma e acabou reprovado no 1º ano do Ensino Médio. “Ao todo, foram quatro meses de preparação em Saquarema e jogos. Apesar de a escola ter me dado chance de fazer as provas e trabalhos atrasados, não consegui o rendimento para passar nas matérias”, explica.

FUTURO

Ele conta que os pais pedem para se esforçar nos estudos, a fim de garantir o futuro, caso o vôlei não dê certo. “Mas é muito difícil conseguir acompanhar o ritmo escolar”, relata. Assim como o garoto, outros colegas enfrentam dificuldades. “Muitos mudam de colégio, buscam uma escola mais fraca para não perder o ano”, comenta.

O ex-técnico e atual gerente de Seleções da CBV, Antônio Rizola, confirma que o CT não oferece nenhum tipo de reforço escolar aos convocados. “São eles que têm que se adaptar: o esporte com as atividades escolares. Eles têm que correr atrás quando voltam às suas casas”, pontua.

Rizola ressalta que o Brasil é referência na formação de atletas do vôlei. “Já tivemos a visita de 16 países que vieram conhecer e treinar em Saquarema. Somos o único país com CT específico do voleibol. Todos os nossos campeões olímpicos passaram por lá”, conclui.

O procurador da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e Adolescente do Ministério Público do Trabalho, Antônio de Oliveira Lima, garante que esse é um caso extremamente preocupante e que a situação será investigada.

Com o sucesso nas quadras, Fabiana volta à sala de aula e quer realizar o sonho de cursar a faculdade

O sucesso nas quadras foi certeiro, porém, nos estudos, nem tanto. A meio de rede e bicampeã olímpica, Fabiana Claudino, de 27 anos, deixou a escola logo que integrou a seleção infanto-juvenil. Agora, em busca de ter o diploma, corre atrás do tempo perdido: ela voltou às salas de aula.

A jogadora de Santa Luzia (RMBH), que atua no Sesi (SP), faz um supletivo para conseguir finalizar o Ensino Médio em até um ano e meio. Ela tem a companhia de três colegas de time. As atletas só conseguiram retomar os livros porque as aulas são ministradas no próprio clube que defendem.

Fabiana parou de estudar ainda adolescente. Na ocasião, já confiava em um bom futuro nas quadras. Por isso, optou pelo vôlei. Agora, com a carreira consolidada, tenta vencer a falta de tempo. “Naquela época, era continuar no vôlei ou nos estudos. Quis optar pelo vôlei. Estava crescendo nas quadras”, justifica.

A rotina agora inclui trabalhar a parte física, pela manhã, descansar, à tarde, antes de voltar para os treinos. Às 19h30, começa o supletivo. “Não me arrependo de ter largado os estudos, porque tive sucesso. Só adiei o plano de diploma e ainda quero fazer faculdade”, declara a atleta, que começou a jogar aos 14 anos, no Minas Tênis Clube.

O retorno à sala de aula não foi fácil. “Quando cheguei, não entendia nada. Mas estou me empenhando para aprender”, declara. Sobre a dificuldade de os atletas conciliarem as atividades com o estudo, ela garante que, ainda hoje, as histórias são as mesmas. “Nada mudou. Acho até que está pior, porque o vôlei cresceu muito no país, e as exigências são maiores. É treino duas vezes ao dia, viagens e muito cansaço físico. Assim como eu fiz, chega uma hora que temos que escolher. Não damos conta de tudo”, avalia.

Fabiana pegará o diploma em abril do próximo ano. Mesmo com as viagens e jogos, os alunos podem recuperar o material através de vídeos das aulas diárias. O Sesi informa que, até mesmo jogadoras de outros clubes, procuraram a diretoria para se matricular nas aulas.

Livro, caderno e caneta fazem parte do dia a dia no basquete

A convocação para integrar seleções de base não é motivo para deixar os estudos em segundo plano. Ao menos é assim que a Confederação Brasileira de Basquete (CBB) pensa e age com os atletas residentes em São Sebastião do Paraíso, no Sudoeste de Minas.

Na cidade, está o Centro de Treinamento e Desenvolvimento da Base do Basquete Brasileiro. Por ano, 16 meninos, entre 15 e 19 anos, de várias partes do país, são levados para lá, onde permanecem por seis meses. A entidade, porém, assegura, além da hospedagem, alimentação e assistência necessária a um atleta, a matrícula em uma escola.

De acordo com o secretário de Esportes do município, Mariano Bícego, é obrigatório estar matriculado no devido ano escolar para poder integrar a seleção de desenvolvimento.

“Temos um acordo com a CBB e asseguramos a vaga na escola pública a todos os inscritos no projeto. Eles chegam já com tudo resolvido e encaminhado”, ressalta Bícego, que frisou que, neste ano, dois jogadores inclusive, estudaram em escolas particulares.

O técnico da seleção brasileira masculina adulta, Rubén Magnano, mora na cidade e acompanha de perto os treinos. A preparação de todas as seleções de base, antes dos campeonatos, é feita lá.

A estrutura é excelente. Oferece aos jogadores um moderno ginásio, alojamentos para até 600 atletas, restaurante, academia completa, vestiários com duchas e salas de massagem, salas para aquecimento, consultórios médicos e auditório. Também dispõe de sala de vídeo e multimídia.
 

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