Melhor do mundo em 2012, mineiro Neto supera câncer e projeta retorno ao futsal brasileiro

Cristiano Martins
csmartins@hojeemdia.com.br
09/06/2017 às 22:12.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:01
 (Fifa/Divulgação)

(Fifa/Divulgação)

A expressão “volta por cima” talvez defina a trajetória de Neto. Depois de perder um pênalti na semifinal da Copa de 2004, o fixo mineiro garantiu o sétimo título mundial de futsal ao Brasil com um gol no último minuto da prorrogação, oito anos depois. A redenção veio acompanhada do prêmio de melhor jogador do planeta em 2012.

Nenhuma conquista, porém, se compara à vitória sobre o câncer. Diagnosticado com tumores no pulmão e no cérebro, o atleta da Seleção foi submetido a uma cirurgia bem-sucedida em fevereiro. E, na semana passada, anunciou ter recebido dos médicos a liberação para retornar às quadras e fazer o que mais ama.

Revelado no inesquecível Atlético de 1999, o uberlandense de 35 anos experimentou o gostinho do recomeço justamente com a camisa alvinegra, no amistoso de comemoração pelo primeiro título da extinta equipe na Liga Nacional. A relação com o clube e a retomada da carreira são alguns dos assuntos abordados neste Papo em Dia.

Como recebeu o resultado do tratamento? Se sente pronto para voltar?

Estou muito feliz e grato pelas orações e o carinho que recebi durante esse período. Continuo com o tratamento, mas só com medicamentos, sem precisar de quimioterapia. A evolução foi gigantesca, os médicos ficaram até assustados pela rapidez com que tudo aconteceu. Graças a Deus, estou 100% liberado para retomar as minhas atividades normais e voltar a jogar.

Até quando vai o contrato com o Kairat Almaty? Pretende retornar para o Cazaquistão?

O vínculo acabava agora em 31 de maio, e eu tinha mais um ano de contrato opcional. Mas não é minha intenção voltar para fora do Brasil nesse momento, então preferi deixar que ele se encerrasse. Já recebi o telefonema de uma equipe interessada em me contratar, mas eu ainda não decidi se o meu retorno vai acontecer agora ou no ano que vem. Minha filha nasce em julho, e a minha vontade é ficar aqui em Uberlândia, cuidando de mim e da minha família.

Desde o início, você mostrou muita fé e otimismo nas suas redes sociais. Como lidou com esse susto e qual é a maior lição tira desse período?

Sinceramente, não encaro o que passei ultimamente como o momento mais difícil da minha vida, mas sim como um aprendizado importante. Até porque tudo isso me fez ser uma pessoa muito melhor. Sempre tive muita fé em Deus, nunca entrei em quadra para treinar ou jogar sem antes fazer uma oração, mas houve uma mudança muito grande em relação ao ser humano Neto, sem dúvida. Recebi muitas mensagens de pessoas com quem tive algum tipo de discussão ou rixa, mas que esqueceram disso totalmente e me enviaram esse carinho. Para mim, foi o maior exemplo de que é preciso aprender a perdoar e a dar valor para o realmente importa.Marcio Damião/Divulgação

Jogador participou de amistoso em comemoração ao título na Liga Nacional de 1997, disputado em março. Partida ao lado de Vinícius, Digo, Falcão e Lenísio marcou primeira volta à quadra após cirurgia

Ainda se sente motivado para jogar, mesmo depois de já ter alcançado tudo no esporte e passado por essa situação?

É verdade, conquistei todos os títulos que disputei, nem que fosse pelo menos uma vez. Mas isso é o que eu mais gosto de fazer. O futsal é a minha vida, sempre foi. Quem me conhece sabe o quanto gosto de treinar e competir. Essa vontade nunca morreu. Então, é pelo prazer de jogar mesmo. Mas é lógico que, a partir do momento que eu voltar, minha motivação vai passar a ser sempre o próximo campeonato. Sempre encarei desta forma, e agora não seria diferente.

Qual foi o momento mais especial da sua carreira?

Sem dúvida, aquele Mundial de 2012 foi o que ficou mais marcado. Não só o título, da maneira como ele veio, mas também pelo reconhecimento individual que tive, sendo considerado o melhor atleta do mundo. Até aquele momento, nenhum fixo tinha conseguido esse prêmio de tamanha expressão, então foi muito especial mesmo (veja o vídeo abaixo).

E a sua maior decepção?

Acho que o momento mais doloroso foi em 2008. Acabei lesionando o joelho e ficando fora da convocação, faltando dois meses para o Mundial daquele ano, que seria disputado no Brasil. Acredito que tenha sido o momento mais duro, por não poder disputar uma competição dessa magnitude no meu país. Eu sabia que seria uma grande oportunidade perdida, tanto que o Brasil acabou se consagrando campeão.

“Muitos torcedores do Atlético, quando me encontram, ainda lembram de mim com muito carinho, mesmo que eu fosse um moleque do juvenil. Era uma coisa impressionante, você imagina aquela torcida no ginásio…Só quem defendeu um clube de camisasabe como é esse climadentro da quadra”

Durante um período, até pelo prêmio individual, você acabou dividindo os holofotes com o Falcão. Havia alguma rivalidade entre vocês?

Nós somos de gerações diferentes. Eu cheguei à seleção em 2001, e o Falcão já estava desde 1998, se não me engano. Mas jogamos juntos no Malwee/Jaraguá, no Santos e na Seleção Brasileira durante bastante tempo. Tivemos algumas discussões e uma certa rivalidade, sim, mas apenas coisas de quadra. Nossa relação é de total respeito. Só tenho a agradecer. Ele é um dos caras que hoje está sempre me mandando mensagem, me perguntando como eu estou.

Como foi o reencontro com os antigos colegas de Atlético? Quais são as lembranças mais marcantes daquela época?

Foi muito bom, principalmente porque ninguém esperava que eu fosse jogar. Eu não tinha contado, mas o médico já havia me liberado para umas “peladas”. Reencontrar o pessoal e dividir a quadra foi maravilhoso. Aquela foi uma época de muito aprendizado. Eu estava iniciando, na categoria juvenil ainda. Na Liga de 1999, fui relacionado para o banco só em dois jogos, se não me engano, então quase não participei. Mas treinava com eles, então ali eu via os maiores jogadores em atividade na época. Vini, Lenísio, Falcão, Manoel Tobias… E o Euler, que talvez as pessoas falem menos, mas foi um jogador em quem me espelhei muito. Só agradeço a esses caras por tudo que me proporcionaram e tudo que aprendi ao lado deles.

O Falcão já chegou a dizer que talvez tenha sido o melhor time de todos os tempos. Você concorda?

Essa questão é relativa, vai ser sempre tema de discussão. Mas o Atlético de 1999 e o Vasco de 2000 são duas das grandes equipes que já existiram no futsal mundial, sem a menor dúvida. Também tive a felicidade de participar do Inter Movistar (Espanha, de 2004 a 2010), onde fui tetracampeão mundial de clubes, e muitas pessoas também dizem que aquela foi a melhor equipe da história.AFP/Arquivo

Jogada individual do camisa 11 deu título ao Brasil no último minuto da prorrogação contra a Espanha

Você ainda sente alguma identificação com o Atlético e o Minas, mesmo tendo jogado pouco tempo em Belo Horizonte?

Sim, muitos torcedores do Atlético, quando me encontram, ainda lembram de mim com muito carinho, mesmo que eu fosse um moleque do time juvenil. Era uma coisa impressionante, você imagina aquela torcida no ginásio… Só quem defendeu um clube de camisa sabe como é viver esse clima dentro de uma quadra. E também tenho um carinho muito especial pelo Minas, porque foi onde dei os meus primeiros passos na Seleção. Só tenho a agradecer ao Miltinho, que foi meu treinador durante todo esse tempo nos dois clubes e conseguiu tirar o máximo de mim. Já são 16 anos de Seleção, então sou muito grato por ele ter me mostrado o que eu era capaz de produzir.

Você jogou ainda no Corinthians e no Santos, que também encerrou as atividades da categoria profissional. O que acha da ausência dos clubes de camisa no futsal?

Essa questão também vai ser sempre discutível. Mas acredito que, para o bem da modalidade, seria importante uma maior quantidade de clubes de camisa. Até em termos de audiência, porque o torcedor torce pelo escudo e pela instituição. E, por outro lado, o investimento no futsal seria muito bom também para o futebol de campo, porque é um meio inesgotável de formação de jogadores. A gente poderia citar inúmeros casos de jogadores que começaram no salão e terminaram no campo.

Sente que o futsal anda meio desvalorizado?

Acho que essa visão não é tão equivocada. Tudo que a gente vem colhendo no esporte vem dessa gestão ridícula da Confederação Brasileira nos últimos anos. Tudo isso reflete. Temos uma Seleção que passou quase dois anos sem se reunir por conta desses problemas. Sem jogos, a Seleção não aparece para o público e isso desvaloriza a modalidade. Mas eu acredito que é um esporte com um potencial gigantesco, e a prova disso é que, mesmo assim, muitas vezes ele ainda consegue encher os ginásios.

“Por um momento, deixamos de servir à Seleção devido a problemas burocráticos com essas gestões ridículas da confederação. Em momento nenhum eu neguei a Seleção. Em momento nenhum eu deixei de colocar a Seleção em primeiro plano”

Qual a sua avaliação da gestão em nível internacional desde que a Fifa assumiu o futsal?

Houve uma melhoria, isso a gente não pode negar. Na organização, no formato dos campeonatos, na quantidade de equipes… Talvez a Fifa não trabalhe tanto para o futsal quanto achamos que ela deveria, mas, se tirarmos essa autonomia dela e passarmos para outra entidade, vamos ter muito mais problemas do que soluções. Falta também os clubes e as seleções se unirem mais e cobrarem da Fifa, para que ela seja mais ativa no nosso esporte.

Você foi medalhista de ouro na única edição do futsal nos Jogos Pan-Americanos. Ainda sonha em ver o esporte na Olimpíada?

Aí entra de novo a mesma questão. Se as confederações se unissem e procurassem falar a mesma língua, isso teria uma repercussão muito grande. O que nós vivenciamos no Pan de 2007 foi algo espetacular, aquele ambiente de Vila Olímpica, a torcida que tivemos em todos os jogos… Mas a cada dia, infelizmente, o futsal se torna mais distante. Quando a gente acha que pode vir uma notícia boa, acaba tendo uma frustração. Isso só vai passar quando as seleções se unirem e todas as ligas passarem a ter literalmente as mesmas regras. Aí, então, quem sabe, o Comitê Olímpico Internacional possa olhar para a nossa modalidade.

Você participou do “boicote” à Seleção em 2015 e chegou a anunciar a despedida no ano passado, mas decidiu voltar e, inclusive, foi convocado novamente em janeiro. Seus planos ainda envolvem a camisa amarelinha?

Por um momento, nós deixamos de servir à Seleção devido a problemas burocráticos que existiram dentro dessas gestões ridículas da confederação. Em momento nenhum eu neguei a Seleção. Em momento nenhum eu deixei de colocar a Seleção em primeiro plano, de lutar pelo Brasil nos campeonatos. Agora, já estou com 35 para 36 anos, e acho que existe uma geração muito boa surgindo, que pode representar o Brasil muito bem nas próximas competições.

Qual é a sua expectativa para o futuro da modalidade no Brasil?

Recentemente, houve uma grande mudança, com a entrada do nosso técnico PC de Oliveira e outros ex-jogadores que fizeram a gente vislumbrar um horizonte. Mas parece que, infelizmente, isso já está sendo desmontado. No meu entender, temos uma gestão muito falha, e espero que um dia a gente possa ter uma confederação séria, responsável, que trabalhe para o futuro do esporte, para nos tirar dessa “estaca” em que a gente se encontra hoje.

  

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