João Leite: ‘Ainda acredito na volta do goleiro Bruno ao futebol’

Gláucio Castro - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
02/11/2014 às 08:20.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:52
 (Carlos Rhienck)

(Carlos Rhienck)

Um dos maiores ídolos do Atlético com a camisa 1 alvinegra, João Leite passou o posto. “O Victor tornou o Atlético mundial”, avalia, com humildade. Em sua sala no segundo andar do prédio da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o ex-goleiro, que trocou as chuteiras pelo terno e gravata e acaba de ser reeleito para mais um mandato de deputado estadual, recebeu o Hoje em Dia para uma agradável conversa exclusiva, onde fez várias revelações.

Entre elas, ele engrossou o coro pelo goleiro Fábio, do Cruzeiro, na Seleção, fez duras críticas ao atual momento do futebol brasileiro e disse acreditar na volta do goleiro Bruno aos gramados como profissional após o cumprimento da pena pela morte da modelo Eliza Samúdio. “Mas, antes, ele precisa se recuperar como homem”, frisa.

Ainda confiante em uma final mineira na Copa do Brasil, João Leite admite que o título de campeão brasileiro de 2014 está bem encaminhado para a Raposa. Na política, o ex-jogador diz que “está tudo comprado” para explicar a perda de cerca de 20 mil eleitores em relação à última eleição para o cargo de deputado estadual.
 
Ainda é possível crer em uma final mineira na Copa do Brasil?

Dá para acreditar em tudo. O Atlético tem demonstrado muito talento neste tipo de decisão, especialmente nos últimos anos. O time se aperfeiçoou para estas decisões, e a torcida tem muita força. O Atlético conseguiu reverter vários resultados no ano passado na Libertadores e neste ano, contra o Corinthians, também. Então os jogadores do Flamengo também entrarão pressionados.

Boa parte dessa confiança passa pelas mãos do Victor?

Ele teve momentos decisivos e milagrosos, como a gente gosta de dizer. Se pé esquerdo desse azar, o Victor não tinha tirado aquele pênalti (contra o Tijuana, na Libertadores). Um grande goleiro é fundamental para qualquer time. Ele é um exemplo, tem um equilíbrio permanente, um comprometimento muito grande.

Ele chegou ao mesmo nível de Kafunga e João Leite no clube?

Já até ultrapassou, pelos títulos que conquistou e pelo papel de destaque nesses títulos. O Atlético tem tradição de bons goleiros e, agora, estamos em ótimas mãos. Nenhum goleiro teve as conquistas que o Victor tem. Ele tornou o Atlético mundial.

O Fábio está no mesmo nível no Cruzeiro?

O Fábio já entrou para a história do Cruzeiro, e é um injustiçado do futebol brasileiro. Não consigo entender por que ele não é convocado para a Seleção. Sempre foi difícil para os jogadores do futebol mineiro serem convocados. Eu cheguei a uma final de Campeonato Brasileiro e nem na lista dos 40 entrei. É difícil, é um equívoco do futebol brasileiro. O esporte brasileiro tem um erro na sua organização. O comando do futebol está todo centralizado no Rio de Janeiro, os árbitros são escalados lá, o regulamento é feito lá, os julgamentos são feitos lá, a escala de árbitros é feita lá, o Comitê Olímpico está lá. Nosso futebol carece de mais transparência.

O título do Brasileirão já está definido?

O Cruzeiro tem grandes chances de ser campeão. Tem pontos na frente e tem uma tabela que dá a impressão de mais chance ao Cruzeiro. Os adversários enfrentarão times mais fortes na teoria.

Por que o futebol brasileiro mudou tanto de 1982 para cá?

Por causa do sucesso de 1994. Foi uma opção por um futebol mais defensivo e que deu resultado. A partir dali e das críticas sobre a Seleção de 82, que não ganhou o título, tudo mudou. Hoje, estamos vivendo uma inversão. O Brasil joga o antigo futebol europeu, aquele futebol duro e feio, e eles (europeus), com o antigo toque de bola dos brasileiros. É uma grande bobagem o que estamos fazendo. Os europeus olharam para o time de 82, que fazia o “tique-taque”, e hoje nós fazemos o contrário.

O que é preciso mudar no futebol brasileiro?

Alguns acham que a base do futebol é Atlético, Cruzeiro, Corinthians e outros, mas não é. A base está lá na várzea, na vila, nos campinhos. Nós estamos muito atrasados. Temos que investir na verdadeira base. Os jogadores são os mesmos, a mentalidade é a mesma. Precisamos olhar para trás e ver como era a base e o futebol amador para entender o que aconteceu.

Por que esta base está tão desvalorizada?

A especulação imobiliária acabou com os campos de futebol amador. Cadê os campos de futebol amador? Acabaram. Tinha que ter tido uma proteção para os campos. O menino que quiser entrar para uma escolinha de futebol tem que pagar. Quando eu era criança, tinha dez campos de futebol perto da minha casa. O campo do Alvorada, onde eu joguei, não existe mais. A base que alimentava os clubes no passado está abandonada. Antigamente, os próprios clubes iam nesses lugares garimpar jogadores.

O que ficou de lição dos 7 a 1 para a Alemanha na Copa do Mundo?

Nada. Terminado aquele vexame, alguém que a gente gosta muito, que é o Luiz Felipe Scolari, falou que, se ele pudesse voltar no tempo, não teria feito nada diferente. Nós não aprendemos com aquela humilhação. Fomos humilhados e não aprendemos.

Para o senhor, a Copa deixou que legado para Belo Horizonte?

Não vejo muita coisa. Belo Horizonte ‘perdeu o metrô da história’. O que foi feito agora não consegue dar vazão à carência da cidade que ficou 20 anos sem obras.

Por que o senhor foi contra a criação da CPI do Mineirão?

Eu não aceitei porque era uma CPI direcionada. Não tinha motivos para ter uma CPI. Era uma CPI eleitoreira. Nunca fugi de CPI, e já fui até ameaçado de morte. Você tem um procurador que várias vezes denuncia o estado, denuncia novamente e logo depois vem um pedido de CPI. Foi tudo jogada ensaiada, e eu não sou bobo. Foi assinada pelas mesmas pessoas que estavam contribuindo com as outras. Treinei muito jogada ensaiada, e sei muito quando ela acontece.

O senhor acredita ser possível voltar os jogos com duas torcidas em BH?

Isso deve ter uma resposta muito dura das autoridades. Quando fui secretário de Estado de Desenvolvimento Social e Esportes, criamos a Comovec. Eu não aceitava aquilo de ônibus depredado. Tem que ter uma resposta dura. Excluir dos estádios quem quer fazer quebradeira e devolver os estádios para os torcedores, para as torcidas. Eles (vândalos) têm que ser denunciados e punidos.

O senhor acaba de ser reeleito deputado estadual. Até onde pretende ir na política?

Essas coisas dependem muito da população, do partido, do momento. Meu sonho é continuar levando as minhas ideias. Durante esse tempo todo de política, tenho conseguido muitos avanços. Quero continuar defendendo minhas ideias. Sou um menino que nasceu na vila e que viu o caminho que dá certo.

O senhor já foi duas vezes candidato à prefeitura de Belo Horizonte e não ganhou. Pensa em concorrer novamente?

Não, não penso. Quero contribuir com minhas ideias, que nem sempre são aceitas. Mas é isso que eu quero. Os gestores não viveram o que eu vivi e o que os jovens pobres vivem. Então, eles estão muito distantes.

Essas derrotas te decepcionaram?

Não. A única coisa ruim é que, quando acaba uma campanha dessa, você tem uma imagem desconstruída. Eu militei muitos anos como defensor dos direitos humanos, e o PT usou muito isso contra mim, dizendo que eu só defendia bandido. Fiquei marginalizado. Depois, tinha o fato de ter sido jogador de futebol. Questionavam como um ex-jogador poderia ser prefeito de Belo Horizonte. Foram coisas duras. É o assassinato de sua reputação. Até hoje eu sofro isso.

O senhor teve praticamente 20 mil votos a menos do que na última eleição para deputado. Já conseguiu entender o por quê?

O que acontece é que eu tomei uma decisão na minha vida como político, de não representar nenhum segmento empresarial. Tenho minha independência. Sou autor da lei que impede o passageiro de viajar em pé nos ônibus. Então, há uma resistência muito grande das empresas de ônibus com relação ao meu nome. Cada voto meu sai menos de R$ 3. Eu não tenho condição de fazer uma grande propaganda, não aceito recursos não contabilizados, e isso não é fácil. Chego a alguns lugares e está tudo comprado. Não vou competir com isso.

Como aconteceu a guinada do esporte para a política?

Eu não tinha nenhum pensamento de entrar para a política. Mas, com 21 anos de idade, eu me converti, entreguei minha vida para Jesus e começamos com um grupo de Atleta de Cristo. Presidi a associação e sempre tive uma grande militância nisso. Acabou que fui adquirindo uma vida de fala, até pelas entrevistas, e como pregador. Quando estava encerrando minha carreira, eu buscava uma orientação. Primeiro eu queria ser treinador, mas minha mulher vetou. Depois, pensei em ser pastor, ou professor de história, até vir o convite para ser candidato a vereador.

Como o senhor vê o caso do Bruno, ex-goleiro do Atlético que está preso?

É lamentável. Eu nunca vi uma coisa tão bárbara e tão idiota. Uma pessoa com o alcance dele, goleiro de nível de Seleção Brasileira se envolver em um crime tão bárbaro como este. Espero que ele se recupere.

Acredita na volta dele aos gramados?

Acho que sim. O goleiro vai ser sempre insultado, não tem jeito. Acho que ele saberia conviver com isso. Mas eu espero mais a recuperação como homem, e não só como atleta. Espero um reconhecimento, um lamento dele pelo que ocorreu com uma mulher, um ser humano. Ainda espero uma manifestação dele.

Já esteve com ele?

Ele veio à Assembleia uma vez, convocado pela Comissão de Direitos Humanos, e eu fui lá. Mas não conversei com ele. Eu dei um abraço nele. Ele chorou, estava muito emocionado e também não falou nada. Foi a segunda vez que estive com ele. Uma outra oportunidade foi quando ele estava começando a carreira e eu fui fazer uma reunião de oração com os jogadores no hotel onde o Atlético estava concentrado. Me chamaram para apresentar um goleiro que diziam que era bom demais, mas era meio... Conversamos rápido.

A família Leite está bem representada novamente com a camisa 1?

Eu nunca me entusiasmei muito com a ideia do Helton, meu filho, jogar bola, porque o futebol tem sempre muito preconceito com filho de jogador. É um absurdo. Mas meus três filhos e a esposa sempre foram muito ligados ao esporte. O Helton começou no vôlei do Minas e depois resolveu que queria ser goleiro. Ele jogava na linha na escola, mas os meninos queriam que ele fosse sempre para o gol. Um dia, o Baltazar, que era o artilheiro de Deus e hoje é empresário, me disse que eu tinha que investir nele como goleiro e conseguiu uma vaga para ele no Goiás, onde começou a carreira.

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