Pioneira do vôlei de praia, Adriana divide rotina de agente com projeto social no Rio de Janeiro

Henrique André
hcarmo@hojeemdia.com.br
13/04/2017 às 17:13.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:07

Trocar a quadra pela areia não soava como uma decisão inteligente no início da década de 1990, principalmente pelo fato de o vôlei de praia não ter até então uma liga sequer no Brasil. Porém, após mudar de piso por prazer e feeling, Adriana Samuel não se arrepende da escolha e vibra por ainda ser referência na modalidade, mesmo tendo se aposentado há 15 anos.

Irmã do campeão olímpico Tande, Adriana marcou o nome na história pelo pioneirismo e também pelas conquistas. Em 1994, ao lado da parceira Mônica Rodrigues, ela se tornou a primeira jogadora do país (entre homens e mulheres) a conquistar uma etapa do Circuito Mundial.

Nos Jogos Olímpicos de Atlanta (1996), a dupla trouxe para casa a medalha de prata. E, na edição de Sidney (2000), foi a vez de colocar a medalha de bronze no peito, desta vez ao lado de Sandra Pires.

Realizada pelo que fez no esporte, a “cinquentona” agencia atletas de várias modalidades desde que se aposentou, em 2002. E, há 12 anos, gere um projeto social no Rio de Janeiro.

Com aproximadamente 300 crianças e adolescentes, a iniciativa atua em três núcleos na capital carioca e conta com apoio público e privado. Quando necessário, entretanto, a ex-jogadora mexe no próprio bolso para manter a casa em ordem.

Nesta entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, Adriana fala sobre o início no vôlei de praia, relembra conquistas e duelos marcantes durante os dez anos pelos quais competiu na areia e conta como é chegar aos 51 anos, idade completada na última quarta-feira.

Em seu perfil no Instagram, você se mostrou assustada ao ver o irmão mais novo, Tande, completar 47 anos. Como você define a Adriana “cinquentona”?
O bicho está pegando (risos)! Quando o irmão caçula faz 47 anos, ferrou tudo. É tudo muito estranho, pois ninguém se vê com 50. Porém, é o máximo estar completando 51, porque a outra opção, péssima, é não estar mais aqui. Estou muito feliz, porque vêm muitas coisas boas com a maturidade, apesar do físico, porque a gente vê que não consegue fazer algumas coisas de antes. Na semana passada, fui correr e meu joelho demorou vários dias para desinchar (risos). Por outro lado, tem muita coisa bacana. Mudei valores. Hoje, tenho prazer com coisas dentro da minha disposição e da minha condição física. Valorizo coisas mais simples, como tomar vinho com os amigos. Olhar para trás e ver tudo que conquistei também é muito gratificante.

Muita gente ainda se surpreende ao descobrir que você é irmã do Tande. Ter um irmão campeão olímpico foi um incentivo ou uma pressão para você em Atlanta?
Encarei como um incentivo, sem a menor dúvida. Quando ele conquistou a medalha (1992, em Barcelona), eu ainda estava na quadra. O engraçado é que achavam que eu que era a irmã mais nova, pois ele já era conhecido. Quando me destaquei, achavam que eu estava começando. Mas era ele que seguia meus passos, me perseguia e roubava minhas roupas de seleção brasileira juvenil, pegava minhas camisas do Brasil escondido. Disso, ninguém sabe. Quando ingressei na praia, o esporte não era tão conhecido. Participar de uma olimpíada com meu irmão (Atlanta, em 1996) foi inesquecível. Por isso, foi um incentivo enorme para mim.

O Brasil é uma potência no vôlei de praia, mas ainda não conseguiu o segundo ouro no feminino. Tem alguma explicação para isso?
Pegamos um período de oito anos que tínhamos a Walsh (Kerri) como adversária. Ela conquistou duas medalhas olímpicas naquele tempo e, em quadra, ao lado da Misty May, era praticamente invencível. Graças a Deus, não fiz parte desta geração e não tive que encarar essa pedreira. Acho que perdemos a oportunidade de ganhar a medalha numa única oportunidade desde Atlanta. Foi a final em Sidney (2000), com Adriana Behar e Shelda contra as australianas. Para mim, era um ouro certo. Depois, não vi nenhuma outra situação parecida.

Com três medalhas de ouro e uma de bronze, a Walsh superou em muito as conquistas da Jaqueline Silva. Acha que, com isso, ela “roubou” o posto de principal jogadora da história do esporte?
Não tem discussão com números. A trajetória da Walsh é brilhante. E a minha admiração não é só pelos resultados. Ela e a Jaque são jogadoras de características diferentes. A Jaque era mais habilidosa, e a Walsh é muito ágil e alta para os padrões. Porém, no conjunto da obra, a Walsh é melhor.Facebook

Em 96, o quarteto brasileiro (Adriana Samuel e Mônica x Jaqueline e Sandra) fez a final olímpica


Ainda mantém amizade com Mônica, Sandra e Jaqueline? O assunto “final olímpica” é falado com qual frequência?
Meu filho (Tom) joga vôlei na AABB, e minha filha (Mila) faz escolinha lá. A Mônica e a Sandra jogam tênis no mesmo lugar, e nos vemos às vezes. Também marcamos um chope quando dá. A vida é muito corrida, por isso nos encontramos pouco. Com a Jaque, o contato é menor.

O que você sentiu quando viu de perto a estrutura montada em Copacabana para os Jogos do ano passado? E quando entrou na arena?
Estava lá dentro como comentarista. Me arrepiei e me emocionei, mas como torcedora e brasileira. Estou muito bem resolvida por ter vivenciado tudo ao máximo na minha carreira, então não sobra espaço para querer voltar a jogar. Nunca passa por mim esta sensação de querer estar ali no lugar das atletas. Foram 15 dias mágicos, e nem os problemas do país tiraram o brilho. Foi fantástico.

O vôlei de praia é um fenômeno de audiência, quase o “queridinho” dos brasileiros, durante as Olimpíadas. Na sua opinião, por que o mesmo não acontece nos circuitos e mundiais?
Essa pergunta seria boa para fazer a quem transmite. Perdemos espaço. No auge dos Jogos de Atlanta, várias partidas eram transmitidas em TV aberta. Será que perdeu para o próprio vôlei de praia? Será que, naquela época, foi mais intenso por ser uma novidade? Esporte na areia, mulheres de biquini, ganhando medalha, era tudo novidade. Como fazer para manter a chama? Talvez levar a coisa mais para o lado do entretenimento.

Se fosse hoje, você trocaria a areia pelas quadras?
Não! Nunca! A areia, para mim, foi tudo. Conquistei as minhas medalhas olímpicas na praia. Jamais poderia imaginar isso, do fundo do meu coração. Não foi uma troca intencional, ainda mais porque a modalidade não era estruturada. A gente apenas gostava de jogar. Mas, aos poucos, foi tomando uma outra dimensão.

Mila ou Tom? Qual dos dois seguirá a veia da família no voleibol?
O filho do Tande (Yago) está no infantil e é um ano mais velho que o meu. Ele está enorme. O Tom está no mirim, e a Mila, na escolinha. Eles estão adorando. Quero que eles estejam envolvidos no esporte, mas não tenho a preocupação se vão ou não se profissionalizar. Quero que vivam a adolescência absorvendo tudo aquilo que o esporte ensina.Arquivo Pessoal

O "Adriana Samuel" conta com cerca de 300 crianças, divididas em três núcleos no Rio de Janeiro

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