Primeira mulher com registro de treinadora da CBF, Nilmara Alves comanda o Manthiqueira

Estadão Conteúdo
25/02/2018 às 15:13.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:34
 (Manthiqueira/Divulgação)

(Manthiqueira/Divulgação)

O futebol brasileiro quebra um tabu dando a Nilmara Alves o registro de técnica profissional. É a primeira mulher nesta condição no País, mas já houve outras no Chile e na França, por exemplo. A treinadora, de 36 anos, comanda com voz macia, mas firme, os marmanjos do Manthiqueira, time de Guaratinguetá, no interior de São Paulo. Como todo treinador no Brasil, enfrenta resistência quando a equipe vai mal e dribla os preconceitos com progressos interessantes na carreira.

O mais recente obstáculo superado foi ter conseguido, no mês passado, se tornar a primeira mulher a ter o registro de treinadora na CBF. Foi um reconhecimento, pois o começo na carreira se deu em 2012, quando o presidente do Manthiqueira, Dado de Oliveira, apostou na então preparadora física da base para conduzir o time de cima. O clube disputa nesta temporada a Série A3 do Campeonato Paulista.

Os anos no cargo, porém, não fizeram os torcedores mais críticos se acalmarem nas fases ruins da equipe. "Às vezes a nossa torcida reclama e fala que mulher tem de estar na cozinha, em casa ou que não entende nada de futebol", contou Nilmara Alves, que aprendeu a ignorar o preconceito. Ex-zagueira de times do interior, ela abriu mão da carreira para estudar educação física. Enfrentou a desconfiança da família quando estreou como treinadora. Zelosos, os pais temiam a fúria dos torcedores.

O Estado viajou no final de semana passado até Itapira (SP) para acompanhar Nilmara Alves durante um jogo oficial. Da chegada ao estádio até a saída dele após empate por 1 a 1 com o Mogi Mirim, a técnica mostrou-se tranquila e cuidadosa. Para evitar constrangimentos, ela aguarda do lado de fora do vestiário enquanto os jogadores trocam de roupa ou tomam banho. Só depois de tudo pronto ela entra.

Nilmara Alves é calma e não fala palavrões. Durante a partida, permanece em pé o tempo todo, gesticula muito, mas não grita. "Eu sou mais tranquila e observadora. Tenho um auxiliar de voz mais grossa, então às vezes eu peço para ele dar os recados quando não consigo".

JORNADA DUPLA - Nilmara Alves divide o futebol com o trabalho diário em Aparecida do Norte (SP), cidade vizinha a Guaratinguetá, onde é funcionária pública e trabalha em uma creche. "No Manthiqueira, trabalho mais por amor do que pelo salário". Seus treinos costumam ser marcados para o final da tarde, após o expediente na creche. A jornada dupla impede a sua presença em algumas partidas fora de casa. Mas isso está no contrato e foi combinado.

Os jogadores já se acostumaram com sua presença, mas ainda são questionados pelos colegas sobre como é o comando da "professora". "Ela é discreta, mas a gente sabe o quanto conhece de futebol e o tanto que nos passa de ensinamentos", disse o zagueiro e capitão Leonardo. No último domingo, a reportagem acompanhou a sua preleção. Umas de suas dicas aconteceu: o time rival começaria em ritmo forte, mas cansaria.

A presença de Nilmara Alves em um ambiente ainda masculino se tornou natural no Manthiqueira a ponto de os atletas se esquecerem dela quando conversam sobre outras temas, como namoradas. "Homem é meio ‘bocudo’, né? Não está nem aí e fala besteira mesmo. Então, quando a gente vê que ela está por perto, tenta dar uma segurada, mas às vezes escapa", admitiu o capitão.

Responsável por contratar Nilmara Alves, o presidente do Manthiqueira se orgulha da escolha. Dado de Oliveira disse ter apostado nela justamente pela discrição. "Não gosto de treinador que grita e fica ‘cantando’ a jogada. Futebol é uma arte. O jogador precisa ser artista e ter liberdade para criar em campo", comentou.

O dirigente diz enxergar na treinadora uma sensibilidade maior para lidar com o elenco. Responsável pela efetivação de Nilmara Alves, ele garante sofrer com as broncas da torcida. "O futebol é um meio machista. Para todos os efeitos a mulher não tem pulso nem qualificação. O engraçado é que quando a gente ganha, não acontece nada", disse.

Calejada com o preconceito, Nilmara Alves ignora os ataques e não vai desistir. O próximo objetivo da carreira é fazer o curso de técnicos na CBF.
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