Procópio Cardozo: “Tivemos três gênios: Pelé, Tostão e Reinaldo”

Henrique André
hcarmo@hojeemdia.com.br
26/03/2016 às 15:45.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:39
 (Lucas Prates/Hoje em Dia)

(Lucas Prates/Hoje em Dia)

Cria das categorias de base do Atlético, Procópio Cardozo Neto estreou profissionalmente em 1958, pelo Renascença. Um ano depois, transferiu-se para o Cruzeiro. Campeão pelos dois gigantes mineiros – atuando como atleta e, depois, como técnico –, o mineiro de Salinas, no Norte do Estado, hoje recebe o carinho de atleticanos e cruzeirenses por onde passa.


Aos 77 anos e esbanjando vitalidade, Procópio adora ver os jogos do Barcelona e a genialidade de Lionel Messi. Amante do bom futebol, ele lamenta a má fase do Manchester United – clube que também gostava de ver em campo – e a falta de “singeleza” (classe) dos jogadores de hoje.


Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, o ex-treinador fala sobre os momentos como atleta, relembra o primeiro clássico que disputou no Horto e compara o futebol jogado no passado com o da atualidade.


Qual foi o seu clássico inesquecível, tanto pelo Cruzeiro como pelo Atlético, no Estádio Independência?

Meu primeiro Atlético e Cruzeiro foi em 1959, aqui no Independência. O Cruzeiro tinha vários anos que não ganhava do Atlético e não era campeão. Fui contratado, e eles sabiam que eu tinha uma contusão no pé-esquerdo. Quando entrei em forma, pude começar a jogar como zagueiro. Neste jogo, o Cruzeiro ganhou, e foi uma coisa sensacional na época. O Atlético tinha Ubaldo como centroavante. Ele, inclusive, foi o único jogador (daquela época) que foi carregado do Horto à sede de Lourdes. Foi inesquecível pra mim e para o Cruzeiro, que ganhou o jogo e o título.


Como era o clima nos clássicos entre os anos 50 e a primeira metade da década de 60 aqui no Independência? Existia toda essa preocupação com a violência e os possíveis confrontos entre os torcedores rivais?

Era tudo tranquilo. Havia a disputa normal, mas não tinha briga e nem confusão. A torcida do Atlético era quatro ou cinco vezes maior do que a do Cruzeiro na época. Esse time que foi tricampeão mineiro (1959, 1960 e 1961) é que deu condições ao Cruzeiro de montar o time de 1966 (campeão da Taça Brasil). O Felício Brandi era o presidente, e ele se baseou naquele trabalho para montar o melhor time do Brasil. Foi quando a torcida começou a caminhar para ser a maior do Estado. A China Azul começou ali, em 1959.

 

“Hoje, o futebol é uma profissão excelente e rentável. O menino que se dedicar e tiver juízo vai ficar milionário. Antigamente, os mais famosos ganhavam o suficiente para viver. Isso é evolução. É bom que hoje um craque seja reconhecido”


A arbitragem é uma grande preocupação nos dias de hoje, principalmente quando Atlético e Cruzeiro vão se enfrentar. Já era assim nos tempos dos clássicos no velho Independência?

Havia desconfiança. Existiam juízes que eram apontados como torcedores de um dos times. Tem o famoso “Cidinho Bola Nossa”, Joaquim “Cocó” e outros. Porém, os times eram bons, e pouco se falava sobre arbitragem. Em 1948, o árbitro de América x Atlético era inglês. Reclamam dele até hoje.


Você viu, de dentro do campo, os surgimentos de Tostão e Reinaldo, maiores ídolos das histórias de Cruzeiro e Atlético. Além disso, jogou com o primeiro e treinou o segundo. Dá para dizer qual dos dois foi melhor, uma polêmica eterna em Minas Gerais?

Tivemos grandes jogadores, e eu ficaria aqui quatro horas citando nomes de jogadores. Porém, tivemos três gênios no Brasil: Pelé, Tostão e Reinaldo. Então, acho que está respondida a pergunta.


A maior parte da sua vida foi no futebol. O futebol de hoje é pior? Acha que o esporte regrediu?

Temos jogadores fantásticos, mas isoladamente. São três ou quatro times que encantam. O futebol é diferente, tecnicamente falando, do que era jogado antes. Não havia tanta condição física como a de hoje, mas antigamente os jogadores batiam na bola com singeleza e jogavam com alegria. Eles sabiam o que fazer com a bola. Atualmente vemos bons times, mas com muito mais correria e marcação.


Como diz a máxima, “naquele tempo se amarrava cachorro com linguiça” mesmo?

Tive a oportunidade de jogar com chuteiras de trava de prego. Os campos eram terríveis, e as travas entravam no pé. A bola, quando chovia, tinha um peso absurdo para se cabecear; o material para se jogar é diferente. Você tinha que torcer a camisa no vestiário para secar, pois não tinha outra para trocar. Hoje, tudo isso é bem diferente. Ninguém me ensinou como bater na bola. Agora, o treinador fica uma semana fazendo isso. A gente tinha tudo intuitivamente.Arquivo Hoje em Dia / N/A

Zózimo (E), Armando Marques (ao centro) e Procópio, na partida entre as Seleções Carioca e Mineira, em 1963


O senhor viveu um grande drama no final da sua carreira, que foi uma fratura provocada por uma entrada dura do Pelé. Você guardou mágoa?

Foi uma entrada violentíssima e um jogo bem diferente de todos (1968). Tive uma fratura, mas não guardo mágoa. No intervalo, eu fui ao José Mário Vinhas (árbitro) e falei que, se ele não tomasse atitudes mais sérias, aquele jogo não acabaria bem. Os palavrões que os jogadores do Santos falavam entre eles eu não posso repetir. Não ganhavam do Cruzeiro havia dez anos. O Santos era o maior time do mundo. O Cruzeiro veio para provar que existiam outros times bons. O Palmeiras fez o mesmo. Como eu tinha enfrentado o Santos por outros clubes, pude ajudar o treinador a enxergar melhor o time deles. E o Piazza foi peça fundamental para marcar o Pelé.


O senhor ficou muito tempo parado após o lance. Como foi o período?

Os médicos me deram como inutilizado e meu contrato não foi renovado. Passei até necessidade. Fiquei cinco anos, um mês e 13 dias sem jogar, sendo mais de três sem poder trabalhar. Ficava em um hospital do INSS. Ninguém me deu suporte. Vendi parte do patrimônio que eu tinha adquirido, me desfiz de tudo. Não podia ficar parado, porque tinha mulher e filhos. Quando saí do hospital, fui trabalhar como gerente de banco. Consegui um recorde de abertura de contas para eles (risos). Depois, entrei na faculdade de Educação Física, mesmo com dificuldades nos movimentos da perna esquerda.

 

“Na realidade, o que aprendi ao longo da minha vida, como torcedor, jogador e técnico, é que não existe favorito em jogo entre Atlético e Cruzeiro. Será um jogo bem disputado. É um dos maiores clássicos do Brasil”


Diria que a faculdade mudou a sua vida?

Quando eu era menino, sabia que seria jogador de futebol. Quando eu era jogador, sabia que seria treinador. Então, me preparei muito bem. Foi durante o curso que voltei a jogar bola, nas “peladas”. O pau quebrava entre os calouros e os veteranos (risos). Disputei campeonatos universitários, mas como atacante. Fazia muitos gols, inclusive. Fui visto por alguns conselheiros do Cruzeiro, e me convidaram para fazer um teste no clube. Eu tinha 33 anos e queria provar para mim mesmo que não estava aleijado. Um dia, o Cruzeiro ia jogar contra o Vasco, no Rio de Janeiro. Eu treinava e não era relacionado. O Perfumo (zagueiro argentino) perguntou ao treinador porque eu não era aproveitado. Havia uma parte da diretoria que não me queria, pois não confiava na minha recuperação e nem na minha capacidade de jogar como antes. Mas a surpresa veio quando me ligaram em casa e me convocaram para o jogo. Peguei minha mala e fui para o aeroporto. Minha esposa quase não acreditou. Fiz um grande jogo lá.


O reencontro com Pelé veio logo em seguida, numa partida contra o Santos. Como foi?

Ele me cumprimentou antes do jogo e só. Não veio para o meu lado durante o jogo. Preferiu jogar em cima do Perfumo. No fim, ganhamos o jogo. Sobre o pedido de desculpas, ele o fez. O Davi, ex-jogador do Cruzeiro, casou com a irmã do Pelé. Quando chegou em Belo Horizonte, não tinha onde morar. Eu arrumei um apartamento no meu prédio para eles. Quando me machuquei, a Maria Lúcia (irmã do Pelé) ficou muito preocupada e, quando saí do hospital e fui para casa, ela fez com que ele fosse me visitar. Mas foi aquela coisa mais fria, forçada.Arquivo Hoje em Dia / N/A

Procópio fez sua estreia no Independência pelo Renacença 


Você fazia parte do grupo de jogadores do Cruzeiro que perdeu o Brasileiro de 1974 para o Vasco, dentro do Maracanã, e depois era o treinador do Atlético, na decisão de 1980, contra o Flamengo. Qual título foi mais doloroso de perder? As arbitragens interferiram naqueles jogos?

Não joguei em 1974, porque queriam que eu jogasse sem contrato. Fui para Guarapari (ES) com minha família e vi o jogo pela televisão. Já o que aconteceu em 1980 me doeu muito. Sempre fui muito equilibrado e com um lado espiritual. Mas é uma coisa que até hoje me faz lamentar. Em 1996, quando treinava o Bahia, a partida passou na televisão, e os jogadores, na concentração, pararam para assisti-la. Eu fui para o meu quarto, pois não gosto de ver. Quando fomos almoçar, desci, e estavam todos revoltados com o que tinha acontecido no jogo.


Vai estar no Independência para ver o jogo?

Não. Vou estar em casa, com a minha família, vendo o jogo do Barcelona, se tiver (risos).

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