“Protestamos porque não somos palhaços”, diz Gustavo Endres

Henrique André
Hoje em Dia - Belo Horizonte
22/03/2015 às 10:32.
Atualizado em 18/11/2021 às 06:26
 (J.F.Diorio/Estadão Conteúdo)

(J.F.Diorio/Estadão Conteúdo)

Aos 39 anos e com o currículo abarrotado de conquistas – sendo a medalha de ouro na Olimpíada de Atenas a cereja do bolo –, o meia de rede Gustavo Endres anunciou a aposentadoria na última quarta-feira. Eleito por quatro vezes o melhor bloqueador do mundo (em 1998, 2001, 2007 e 2008), o central, a partir de agora, vai se dedicar à carreira de gestor do Canoas, último clube que defendeu. Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, Endres faz um balanço da carreira, conta porque resolveu aposentar-se, comenta a importância do técnico Bernardinho na Seleção, lembra da grave crise que manchou a Confederação Brasileira de Vôlei e revela que quase jogou em Minas Gerais.   Qual é a sensação de encerrar o ciclo como atleta? Foi uma decisão bem pensada ou tomada mais na emoção? A decisão foi pensada desde a temporada passada. Eu tinha planejado que seria a última, mas só eu e minha mulher sabíamos que aconteceria. Pesou a minha idade. Já não tenho a mesma performance de antigamente e cuidar da família também foi um grande motivo.   Você disse que pode se tornar um dirigente no vôlei. Quais os planos? Já tem proposta?  Desde que vim para o Canoas, eu já tinha o intuito de ser um coordenador técnico. Queria participar como gestor das decisões da equipe. Eu pedi e eles aceitaram numa boa. O Jeff e o Minuzzi também fazem parte desta gestão compartilhada. Vamos atrás de patrocinadores, vamos visitar empresas, explicar como funciona nosso projeto e apresentar nossa categoria de base que já funciona. Queremos chegar num nível muito maior, mas para isso precisamos estar bem fundamentados.   Logo após o jogo de quarta-feira, você disse que sua mulher (Raquel) provavelmente estaria chorando em casa porque não o veria mais nas quadras. Como foi o reencontro com ela e os filhos (Enzo e Eric)? Houve muita emoção? Ela me buscou no aeroporto, me deu um abraço apertado e foi difícil segurar a emoção. Em casa, meus filhos também estavam emocionados. Foi um momento diferente, pois a vida toda deles eles me viram jogando. Então, acho que é uma etapa que se encerra e uma outra que se inicia. Agora, eles terão o ‘pentelho’ do pai por perto e minha esposa também vai poder me aproveitar mais.   Descarta ser técnico? Ser técnico nunca me atraiu. Sempre aconselhei os mais novos, dei força aos mais velhos e bati papo com os treinadores, mas não quero isso. Ser técnico é muito mais sofrido que ser jogador. Tem que trabalhar muito mais e, por isso, no momento prefiro o cargo de gestor.   Qual a maior alegria que teve no vôlei? Dá para citar uma passagem em especial? A maior alegria foi a primeira convocação para a seleção, em 1997. Era um novo projeto, com caras novas, como Giba e Ricardinho, e alguns remanescentes da medalha de ouro de 92. Foi um momento especial. O interessante é que neste primeiro ciclo não conquistamos nada. Foi muito difícil, mas de muito aprendizado. Fizemos um pacto e o que ficou de regra era que faríamos de tudo para mudar a situação. A entrada do Bernardinho foi um grande fator que nos ajudou a dar certo. Ficou uma grande amizade pela dedicação e pelo sacrifício que tivemos para conquistar todos os títulos. É o que mais me emociona.   E qual foi a sua maior decepção? Perder a final olímpica em 2008 foi uma grande tristeza. Hoje, aceito melhor a derrota, mas no dia foi muito difícil perder para os americanos. Eles mereceram ganhar, mas foi decepcionante. Mas a gente valoriza a prata, por saber o quanto é difícil chegar numa final olímpica.   A medalha de ouro em Atenas (2004) foi a mais especial da carreira? Lembra de algum fato curioso que marcou a campanha? Essa medalha foi a mais especial de todas. Foi o ápice da nossa equipe. O que mais me marcou foi a união do time. Um fato engraçado é que na Olimpíada de 2000, eu tinha sido um dos últimos a chegar no prédio da Vila Olímpica. Com isso, peguei um dos piores quartos. Em Atenas, com mais experiência, desci do ônibus correndo na frente de todo mundo e peguei uma suíte enorme. O quarto era tão grande que Ricardinho e Giba entravam lá para tomar banho (risos).   Como foi atuar ao lado do irmão na Seleção? O que isso significou para você e toda a família? Foi muito especial para nós dois. Eu já estava na seleção há muito tempo e quando ele foi convocado foi um momento especial para nossos familiares. Às vezes, éramos comparados, e foi muito sofrido. Mas ele mostrou que tinha potencial e se livrou deste rótulo. Eu falava para ele ter calma, porque o momento dele chegaria. Ficou na reserva durante algum tempo e foi amadurecendo. Em 2009, ele se tornou capitão da equipe e foi até campeão do mundo. Foi importante manter aquele fôlego e uma certa raiva interna para provar seu valor.   O escândalo que envolveu a CBV, que desviou verbas (cerca de R$ 10 milhões) do Banco do Brasil, deixou os atletas indignados. Qual a sua avaliação sobre o caso e quais consequências gerou para o vôlei? Foi um momento muito difícil para todos nós. Isso nos revoltou e a comunidade do vôlei reagiu. Fizemos um protesto com nariz de palhaço, pois éramos trabalhadores e não palhaços. Nosso maior medo era de perder os patrocinadores por causa da CBV, o que acarretaria em uma crise grave no voleibol brasileiro. Tivemos uma reunião no final do ano passado e pedimos a contratação de um administrador, de fora do esporte, para gerenciar a Confederação de um jeito mais profissional. Isso vai se realizar e em breve esta pessoa será anunciada. É o que queremos.    O voleibol brasileiro não tem mais aquela força quase insuperável de alguns anos atrás. EUA e Rússia, principalmente, aprenderam a jogar contra o Brasil ou a nova geração é inferior? O voleibol de hoje está um pouco diferente de 10 anos atrás. A seleção está muito bem e com resultados importantes. Está sempre ou ganhando ou batendo na trave. A nova geração precisa de um grande título para deslanchar. Temos jogadores de potencial físico melhores do que na nossa época. O Wallace, do Cruzeiro, por exemplo, salta mais de um metro. Murilo e Lucarelli são outros dois que são bem diferentes fisicamente. A nossa geração contava com a genialidade dos levantadores e uma defesa muito sólida. Hoje em dia isso é mais difícil. O saque se tornou a principal arma de todos os times.   Defina Bernardinho. Ele é extremamente exigente e perfeccionista, e é o grande responsável por todas as conquistas. Sem ele talvez não tivéssemos as conquistas. Ele soube gerenciar muito bem a nossa geração e nos mobilizava em prol de novas conquistas. Ele não deixava nosso ritmo abaixar e deixava claro que todas as competições tinham o mesmo valor.   Mesmo fora da Seleção há alguns anos, o Rio-2016 nunca passou pela sua cabeça? Não. Eu parei em 2008, voltei em 2011, mas não penso. Foram 13 anos defendendo a seleção e deixá-la é muito dolorido. Não vestir mais aquela camisa que significa tudo para o atleta não é fácil. Ficou um sentimento de vazio, mas que agora já foi superado. Se precisarem da minha força fora da quadra, podem contar comigo.   O que espera do Brasil como país-sede? Jogar em casa é muito difícil e isso é preciso ser gerenciado. Encontros com familiares, fãs e amigos devem ser conduzidos com o maior cuidado possível. Dosar tudo isso será fundamental para não atrapalhar os rumos durante a competição.   Por que nunca jogou por um clube mineiro? Faltou proposta? Até tive propostas. Eu jogava pelo Banespa e recebi um convite do Minas. Era na época que eles jogavam no ginásio do Pio XII – a Arena atual estava em processo de construção. O Cebola era o técnico e eles se tornaram bicampeões da Superliga. Eu preferi ficar no Banespa, por estar adaptado à cidade, mas isso aí pode ter sido um dos meus grandes arrependimentos, já que não venci a Superliga. É o único título que não tenho.   O Murilo já falou em jogar no Minas, já que a Jaqueline (esposa) defende a equipe, atualmente? Ele deixou escapar que se fosse chamado pelo Minas, jogaria com o maior prazer. A Jaqueline está fazendo um grande trabalho lá. Ele é um cara família e quer que o Artur (filho) fique o mais tempo possível com os dois. 

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