Sérgio Vieira: ‘O Brasileirão poderia ser o melhor campeonato do mundo’

Henrique André
hcarmo@hojeemdia.com.br
24/07/2016 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 19:58
 (Mourão Panda/América/Divulgação)

(Mourão Panda/América/Divulgação)

Trabalhar no Brasil não é novidade para o português Sérgio Vieira, demitido há uma semana do América. Com passagens por Atlético-PR, Guaratinguetá e Ferroviária, o técnico de 33 anos chegou a Minas Gerais para substituir Givanildo Oliveira, mas teve apenas 43 dias (ou dez jogos) para mostrar trabalho.

Boicotado por alguns jogadores e funcionários, segundo um dirigente do próprio América, Vieira culpa a fragilidade das leis no país pela instabilidade vivida pelos profissionais dentro da maioria dos clubes.

Em entrevista exclusiva ao Hoje em Dia, o pai da pequena Madalena, de 1 ano e 2 meses, fala sobre a passagem meteórica por Minas Gerais, revela as dificuldades vividas no Coelho, analisa a realidade do futebol brasileiro e traduz a alegria dos portugueses com o título da Eurocopa.

Antes de ser treinador, você jogou profissionalmente?

Joguei futebol de base no Braga (Portugal). Depois, atingi no máximo a Série C. Foi quando tomei a decisão de parar de jogar para estudar futebol na universidade. Por cerca de 12 anos, convivi dentro dos vestiários, nos jogos. Tive esta experiência curta como jogador, o que me permitiu conhecer e buscar a formação acadêmica.

Como decidiu se tornar treinador?

Aos 21 anos, em 2003, surgiu pela primeira vez o professor José Mourinho. O sucesso dele no Porto estimulou todos os jovens que amavam futebol e que muitas vezes viam na carreira de jogador um passo muito difícil. Pensei: ‘se eu amo futebol, por que necessariamente tenho que ser jogador?’. Ser treinador me estimula muito, porque também está dentro das emoções do futebol. Pelo caráter forte, personalidade e competência, ele (Mourinho) é um grande espelho. É um símbolo para os portugueses.

  

Tem jogador que fica fora de dois jogos, pega o celular e pede ao empresário para mudar de time. Na Europa, uns ficam até cinco meses sem atuar e depois viram titulares absolutos”

Há uma renovação de qualidade em Portugal? As categorias de base são levadas a sério?

O futebol português evoluiu muito. Há alguns anos o país tem tido uma preocupação muito grande de analisar, preparar e desenvolver o futebol de uma maneira específica. Com isso, tem contribuído em todas as funções da equipe (diretores, treinadores, supervisores, etc.). Mesmo sendo um país muito pequeno, Portugal forma muito bem seus atletas e bons talentos. Tudo isso está relacionado com o desenvolvimento do conhecimento no país.

Liderado por Cristiano Ronaldo, Portugal conquistou recentemente a Eurocopa. Qual foi o peso para o país?

Portugal, nos últimos dez, 15 anos, vem tendo altos e baixos, mas nunca perdeu foco nas suas convicções, como a atualização constante. É com muita satisfação que vejo um país com 10 milhões de habitantes conquistar uma competição destas, com grandes seleções, como Espanha, França, Itália e Rússia. Países muito maiores em termos de população e capacidade econômica para desenvolver o futebol. Os clubes portugueses vivem o mesmo momento nas competições europeias. É algo gratificante, e temos que ter muito orgulho. O mérito não é dos jogadores e da comissão técnica. É da Federação e de todas as pessoas que ajudaram a desenvolver o futebol no país.

  

Você ficou pouco mais de 40 dias no América. Com certeza já sabia da cultura brasileira de demitir treinadores, pelas passagens na Ferroviária e no Atlético-PR, mas esperava ser tão rápido assim no Coelho?

Tomei a decisão de voltar para o Brasil pelo contexto em que fui inserido no país, no Atlético-PR. Para mim, é o melhor clube no que se refere a modernidade e condições de trabalho no dia a dia. A forma como é gerido (como empresa) me deu muita vontade de mudar para o Brasil. Infelizmente, a realidade do Atlético-PR não é a mesma da maior parte dos clubes daqui. Fico um pouco triste com relação a isso. O futebol brasileiro tem um potencial muito grande. As pessoas podiam ganhar muito mais dinheiro do que ganham. O Campeonato Brasileiro poderia ser o maior e melhor do mundo, com direitos televisivos com preço mais alto e estádios mais lotados. O Brasil tem potencial e população para isso. As leis deveriam ser mais rigorosas para proteger treinadores, diretorias e jogadores. Os clubes, por isso, vivem sempre muito instáveis.

Aqui (no Brasil) questionam muito a atualização dos treinadores, mas se esquecem que quem gere o futebol nos clubes também precisa dela. Assim como os jogadores. Falo de conhecer os hábitos modernos e se inspirar nos melhores. A imprensa também se enquadra nesta realidade”

Você veio com a filosofia europeia para o Brasil. Quais as maiores barreiras que percebeu nos jogadores os quais treinou por aqui?

Não é novidade o que vou dizer. Toda mudança gera desconforto. Quando a gente tenta mudar alguma coisa onde as pessoas estão confortáveis, acontece isso. O ser humano mais capacitado mentalmente tenta entender a lógica e se adaptar, se for bom para ele. O que aconteceu aqui no América e em outros clubes é que existe sempre um ou outro atleta que questiona, que pergunta e acha que aquilo que sempre fez é que estava certo. Um líder não está para condenar e eliminar um jogador que não pensa como ele. Tentei conquistar os jogadores no América. Sinto um orgulho muito grande de ter treinado o clube. Agradeço muito aos jogadores. Quase todos são muito humildes e têm este pensamento de reflexão, de entender que a vida não são 35 ou 37 anos de futebol apenas, é mais longa que isso.

  

Nossos jogadores são muito indisciplinados taticamente e também fora das quatro linhas? O nosso “7 a 1” para a Alemanha pode ser explicado por isso?

Acredito que existam grandes jogadores aqui. É o país que mais poderia revelar atletas. Tem muitos treinadores com competência também. Vários fatores contribuem para o sucesso ou para o fracasso. O futebol está diferente. As tecnologias invadem a mente do atleta de maneira muito agressiva. A pressão é muito grande sobre jogadores e treinadores. Antes, o atleta sentia o peso da crítica pela torcida no estádio ou na cidade, e através do jornal. Hoje em dia, acaba o jogo e ele já vê as críticas nas redes sociais. Não existe privacidade. Hoje, precisa ser muito forte para deixar para trás os momentos negativos. O futebol e a vida hoje são muito difíceis para quem é pessoa pública.

As leis deveriam ser bem rigorosas, para proteger treinadores, diretorias e jogadores. Por isso, os clubes vivem sempre nesta grande instabilidade. O futebol do Brasil tem enorme potencial”

Antes de assinar com o América, você disse que era um sonho treinar um clube da Série A. O que pensa hoje, após ter sido demitido tão rápido?

Era uma ambição minha conquistar algo no Brasil e poder treinar uma equipe grande. Agora, em função destas diferenças que vi, principalmente o questionamento injusto sobre os técnicos, cada vez mais tenho a certeza que as leis, de forma em geral, é que não protegem a estabilidade dos profissionais do esporte. O mercado está sempre aberto. A diretoria nunca tem um momento de tranquilidade para garantir que terá o mesmo elenco nas mãos durante três ou quatro meses, no mínimo.

  

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