‘Sofremos no início até evoluir a nossa escola’, lembra bicampeão olímpico Paulo Coco

Cristiano Martins
csmartins@hojeemdia.com.br
30/07/2016 às 01:30.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:04
 (FIVB/Divulgação)

(FIVB/Divulgação)

Os dois ouros olímpicos e oito títulos de Grand Prix são o resultado mais visível dos 13 anos de dedicação à seleção feminina de vôlei. Como assistente direto do técnico José Roberto Guimarães, Paulo Coco é um dos responsáveis por colocar a bandeira do Brasil no patamar mais alto da modalidade desde 2003.

Nesta entrevista ao Hoje em Dia, às vésperas da Rio 2016, o auxiliar da seleção e atual treinador do Camponesa/Minas relembra os primeiros passos na formação da equipe bicampeã olímpica e comenta os desafios na busca pelo inédito tricampeonato para o esporte brasileiro.

Você avalia que, independentemente do título, a performance do Brasil no Grand Prix 2016 foi satisfatória, pensando na Olimpíada?

Houve uma evolução dentro da própria competição. Nossa melhor partida foi a final, e em outras fases a equipe foi irregular. Isso é normal, faz parte do planejamento. No geral, a avaliação foi positiva, mas dentro de um estágio da preparação, porque a Olimpíada é quando todo mundo vem com força total. Cada equipe tem um planejamento diferente, mas todas se preparam em função dos Jogos. A China, por exemplo, não levou o grupo completo. Se, dentro da nossa preparação, pudemos evoluir, concorrer e vencer, ótimo. Mas ainda restou muita coisa para fazer e melhorar

China e Estados Unidos eram apontadas como favoritas. Serão mesmo as principais concorrentes do Brasil no Rio?

Na verdade, tem muitos outros times bons. Você não citou a Sérvia, e perdemos para elas por 3 a 2. Também não podemos descartar a Rússia, que jogou o Grand Prix sem a Kosheleva (melhor jogadora da Europa em 2015). Tem ainda a Itália, que é uma equipe tradicional, a Holanda, que vai brigar por classificação... São muitas equipes fortes, e tudo pode acontecer.

O que é mais difícil: convocar ou cortar jogadoras às vésperas da Olimpíada?

Isso faz parte de um processo. O Pan e a Olimpíada são hoje os únicos torneios em que nós podemos levar só 12 atletas. No Mundial, já aumentou para 14, ou seja, todas as posições são cobertas por uma suplente. Cada um tem o seu plano. Os Estados Unidos, por exemplo, vão levar três meias, três ponteiras e três levantadoras (o Brasil tem quatro centrais, quatro ponteiras, duas levantadoras, uma oposta e uma líbero).

Quando estou na seleção, elas não são jogadoras do Minas, são atletas da seleção que nós temos como opções. Eu não posso levar para esse lado. Temos que ser muito profissionais e separar bem as coisas"

Mas é mais difícil para você, como técnico do Minas, cortar atletas do clube?

É sempre difícil, mas são etapas, e as jogadoras precisam entender isso. A Naiane (levantadora) foi ao Grand Prix para ganhar experiência. É uma menina talentosa, que está sendo preparada, mas esse é um ambiente muito recente para ela. Já a Mari (Paraíba, ponteira) brigou efetivamente por uma posição no grupo. Mesmo assim, fez um bom trabalho e vai levar uma experiência muito positiva em nível internacional (ela vai defender o Volero Zurique, da Suíça). É uma preparação para ela, para a própria carreira. Quando estou na seleção, elas não são jogadoras do Minas, são atletas da seleção que nós temos como opções. Eu não posso levar para esse lado. Temos que ser muito profissionais e separar bem as coisas. Além disso, tem outras jogadoras que eu conheço há mais tempo que as do Minas, então dá na mesma.

Algumas atletas se lesionaram ou eram reservas nos clubes e cresceram nesta reta final, como Jaqueline e Sheilla. Elas chegam ao Rio no nível esperado?

Sim. Apesar de a temporada não ter sido a ideal, nós sabemos da importância e da experiência delas. Evoluindo fisicamente e tecnicamente, como é o caso, elas vão ajudar muito. Mas todas as jogadoras são importantes. A gente nunca ganhou com alguém definindo. Uma ou outra se sobressaiu em algum momento, mas nós sempre vencemos como equipe, e isso é o principal. Essas atletas alcançaram a constância maior de rendimento que nós estávamos buscando, e a equipe cresceu junto em função disso.

SUPERLIGA - Paulo levou o time feminino do Minas à semifinal nacional da última temporada

 Você trabalha com o Zé em clubes desde 1996 e, na seleção, desde 2003. Qual é o segredo dessa parceria?

Na verdade, conheci o Zé em 1986, quando fui jogar no Banespa e ele era o levantador titular do time. Depois, quando começamos a trabalhar juntos, ele já era um técnico campeão olímpico (no masculino). Tive a honra de aprender muito com ele, e esse período fortaleceu uma parceria vitoriosa, com diversos títulos. Acho que o principal para essa química é nosso o entendimento do jogo, de um voleibol eficiente e bonito. A maneira de pensar o jogo nos fez crescer juntos.

E essa maneira de pensar o jogo mudou ao longo desses anos?

O jogo continua evoluindo. Acredito que, no nosso caso, principalmente a questão da estatura. Sofremos muito no início até evoluir a nossa escola. Entendemos que precisávamos fazer um ‘mix’ de três escolas. Não éramos as mais altas, então tínhamos que nos aproximar das europeias. Hoje, você tem o exemplo das nossas duas centrais (Fabiana, de 1,93m e Thaísa, de 1,96m). Esse era um ponto importante. Outro quesito era o físico, porque também não éramos as mais fortes, então tentamos nos aproximar das cubanas, que eram as tricampeãs olímpicas. Começamos a disseminar essa ideia, fazer as jogadoras entenderem que era importante fazer o peso, a musculação. E, por fim, tentar sermos bons tecnicamente como as asiáticas, com a evolução do treinamento. Aí, então, começamos a concorrer um pouco mais.

O jogo continua evoluindo. Acredito que, no nosso caso, principalmente a questão da estatura. Sofremos muito no início até evoluir a nossa escola. Entendemos que precisávamos fazer um ‘mix’ de três escolas"

Qual é a principal característica do Zé Roberto que faz dele um treinador tão vencedor?

Ele é o único tricampeão olímpico do Brasil, o único treinador da história que ganhou ouro tanto no masculino quanto no feminino. Só por isso, você vê que é uma pessoa especial. É um cara altamente estudioso, detalhista e estratégico. Foi isso que aprendi com ele.

Você teve uma experiência bastante vitoriosa na Espanha. Como foi essa passagem pela Europa?

Fiquei dois anos no Murcia (temporadas 2006/07 e 2007/08). O clube tinha o desejo de jogar uma Champions League e, nesse período, foi bicampeão da Superliga Espanhola e da Copa da Rainha, ganhando de um rival que dominava havia dez anos seguidos, o Tenerife. Também fomos campeões da Copa Sev, que é o segundo torneio europeu, equivalente à Liga Europa no futebol. E, no ano seguinte, ficamos em quarto lugar na Champions. Ou seja, de sete campeonatos disputados, ganhamos seis e fomos semifinalistas na principal liga. Foi uma experiência ótima.

E por que quis voltar ao Brasil? Ainda pensa em trabalhar na Europa?

Foi uma opção pessoal, familiar. Hoje, meus filhos estão um pouco maiores, então eu não descarto ficar mais um período fora. Recebi convites, mas tive a oportunidade de continuar trabalhando no Brasil, especialmente nesse contexto de uma Olimpíada no país. A gente tem que pensar nisso também, pelo lado profissional. Mas foi uma experiência fantástica, e não é uma porta fechada.

Você levou o Minas à semifinal da Superliga, o que não acontecia desde 2007. O que deu certo e o que pode melhorar na próxima temporada, mesmo com perdas importantes como Tandara e Mari Paraíba?

É difícil concorrer com as grandes equipes pela questão financeira, mas temos jogadoras que estão buscando espaço, se firmando, como Naiane, Rosamaria, Mara e várias outras. E houve uma mescla com atletas experientes, como Carol Gattaz e Léia. O Minas voltou a ocupar um posto importante no cenário, o que não é fácil. Ainda vamos fechar o elenco para a próxima temporada, mas esperamos manter esse posto. Apesar das perdas, vamos ter uma base significativa, e isso já é um ponto positivo para o trabalho ter continuidade. Enquanto estou aqui (no CT da seleção, em Saquarema), o trabalho no Minas já está sendo feito, a equipe já está a todo vapor.

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