‘Viver a Olimpíada como torcedor é um sonho’, diz Bernardinho após seis pódios consecutivos

Cristiano Martins e Henrique André
esportes@hojeemdia.com.br
24/02/2018 às 00:04.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:33
 (Flávio Tavares/Hoje em Dia)

(Flávio Tavares/Hoje em Dia)

Ele é o treinador mais vitorioso do esporte brasileiro, com quase 60 títulos, entre conquistas por equipes e pelas seleções feminina e masculina de vôlei. Seria um engano, porém, pensar que a motivação já não é a mesma, ou que as derrotas não rendem mais dores de cabeça.

Um ano após ter deixado o comando do time campeão olímpico nos Jogos de 2016, Bernardinho desembarcou em Belo Horizonte nesta semana disposto a erguer o quinto troféu sul-americano pelo Sesc/RJ. A final está marcada para este sábado (24), às 15h45, na Arena do Minas.

Em meio à preparação, o treinador de 58 anos recebeu o Hoje em Dia no ginásio do Mackenzie Esporte Clube, na última quarta-feira (21), para esta entrevista exclusiva.

Cotado para ser candidato ao governo carioca nas eleições deste ano, ele não se vê longe do esporte e garante que a única certeza para o futuro é a presença na Olimpíada de Tóquio, em 2020, desta vez como torcedor.

Você busca o quinto título sul-americano de clubes. De onde vem essa determinação mesmo após tantas conquistas?

O que me motiva não é pensar na conquista, pois ela é consequência do dia a dia. O que me motiva é a paixão por esse processo. Acordo cedo com prazer para dar treino, para tentar tirar um pouco mais das meninas. O que me motiva é descobrir um novo talento, desenvolver uma jogadora, e vê-las realizando sonhos através do esporte. Tento ser uma ferramenta nesse processo e, a cada dia, fazer um pouco melhor. A derrota do último sábado para o Minas, por exemplo (3 a 0, no Rio, pela Superliga), me fez sofrer como quando eu tinha vinte e poucos anos. Nada mudou nesse aspecto.

O campeão ganha vaga no Mundial de Clubes, único título relevante que te falta. É um objetivo?

O problema é que essa é uma competição de categorias diferentes. Jogamos a final do ano passado contra o time da Turquia (Vakifbank), que tinha uma ou duas jogadoras turcas e o resto eram estrelas internacionais. Duas atletas deles pagam meu time inteiro. O nível de investimento lá fora é absurdo. É difícil. Perdemos de 3 a 0 numa partida até bem jogada. É claro que nós vamos na tentativa de fazer o nosso melhor, em caso de conseguirmos novamente a classificação. Neste ano será mais difícil, pois o Minas vive um momento muito bom.

  

Vê Dentil/Praia Clube e Camponesa/Minas no páreo para desbancar o Sesc/RJ nesta Superliga?

O time de Uberlândia certamente, pois fez um investimento excepcional e montou um grupo muito bom. Não apenas de grandes jogadoras, mas de grandes pessoas. Essa é a grande força deles. O Minas vem crescendo ao longo do tempo e também ficou uma equipe muito forte. Acho que os dois têm plenas condições. O de Uberlândia é, talvez, o grande favorito. E nós estamos na briga. Tivemos um turno inteiro sem Gabi e Juciely, e conseguimos nos manter em segundo. Não é de todo ruim. Mas o nosso time está muito inconstante, essa é a minha grande preocupação no momento.

Das suas passagens por Belo Horizonte, a mais marcante foi a perda da Liga Mundial para a Rússia, em 2002, com a Seleção Masculina. Qual foi o impacto desse episódio na construção do time campeão olímpico?

Nós havíamos ganhado algumas competições em 2001, logo no início. Aquela derrota aqui serviu como uma grande lição. ‘Somos um bom time, estamos na briga, mas não somos favoritos a nada’. Tanto que, meses depois, jogamos a final do Campeonato Mundial contra a própria Rússia, e talvez tenha sido um grande aprendizado para que nós pudéssemos ganhar o nosso primeiro Mundial, um título que o Brasil não tinha até então. E nós abrimos uma sequência de três títulos mundiais, então foi uma vitória importantíssima, revertendo o quadro da derrota sofrida aqui. Certamente, foi uma das lições importantes que tivemos. A derrota serve para duas coisas: ou você aprende, assume responsabilidades e cresce, ou sucumbe a ela.

Eu adoro isso aqui e não me vejo longe. Surgem milhões de perspectivas lá fora, e é muito difícil a minha decisão. Deixar o voleibol é algo que eu não vejo como uma das possibilidades”

Quando entrevistamos o Giba, ele disse que a Seleção de 2004 foi um 'time perfeito' e 'o melhor de todos os tempos'. O que havia ali de tão especial?

Foi uma conjunção de talentos que gerou realmente uma equipe excepcional. Mas, mais do que isso, existia um sentido de equipe que era a coisa mais forte. Você tinha um Giovanni no banco, um campeão olímpico, que era um soldado à disposição do time. Isso demonstra o espírito que permeava aquele grupo. Mas era, sim, um time de talentos, com titulares e reservas em um nível muito próximo. Gustavo, Ricardinho, Maurício, Nalbert, Dante, Giba, Serginho... Alguns caras realmente eram o ponto fora da curva, mas o que importava é que era um time. Junta essa turma toda aí, se o treinador não atrapalhar... (risos).

Qual as diferenças entre as equipes e as emoções em 2004 e 2016?

Do ponto de vista pessoal, é claro que uma vitória em casa, na minha cidade, com meu filho em quadra, pesa. Mas são dois ouros olímpicos, campanhas incríveis de qualquer forma. O time de 2004 era superior em termos de talentos. O grande aprendizado de 2016 é que não tínhamos o time mais talentoso, certamente não éramos os favoritos, e estávamos sob uma pressão incrível. Talvez essa tenha sido a nossa geração mais resiliente. Fomos vice-campeões mundiais e fomos criticados. Dentro da Polônia, contra a Polônia, depois de três títulos mundiais. O voleibol brasileiro se tornou uma referência de tal ordem que a prata olímpica (2008 e 2012) era vista como fracasso. A prata virou uma desgraça, literalmente. Mas nós temos que lidar com isso. Jogar em casa, com toda aquela pressão... É algo que se deve parar, pensar e reverenciar. Foi um time que realmente soube enfrentar as situações de dificuldade.

Você chegou a chamá-los de 'geração de couro'...

Geração de couro, literalmente. Porque tomou couro, mas também teve o couro bem curtido para chegar bem lá (risos).Fernando Frazão/Agência Brasil

Bernardinho tem ao todo sete pódios em nove edições de Jogos Olímpicos como jogador e treinador

 Você saiu da Seleção há um ano. Como tem lidado com a 'abstinência' e as novas possibilidades que passaram a se abrir?

Vou sentir falta para o resto da vida. Eu não ‘estou’ técnico de voleibol, eu ‘sou’ técnico de voleibol. É isso que eu gosto de fazer. Eu adoro isso aqui e não me vejo longe. Surgem milhões de perspectivas lá fora, e é muito difícil a minha decisão, porque deixar o voleibol é algo que eu não vejo como uma das possibilidades hoje. Deixar a Seleção já foi muito difícil. Mas nós criticamos tanto as pessoas que se perpetuam, não é? E já eram 23 anos. A Seleção não era minha, eu sou apenas uma parte, uma peça daquela história. Eu tinha que abrir espaço para os outros também.

O grande aprendizado de 2016 é que talvez essa tenha sido a nossa geração mais resiliente. O voleibol brasileiro se tornou uma referência de tal ordem que a prata olímpica passou a ser vista como fracasso”

Na época, foi noticiado que você poderia ter um cargo de consultor na CBV. Qual é efetivamente a sua atuação hoje?

Estou afastado. Às vezes, tenho algum contato com o Renan (Dal Zotto, atual técnico), mas muito pouco. Com o pessoal da CBV, não tenho mais ligação. Eu sou um homem do vôlei, estou sempre à disposição e torcendo, tentando fazer a minha parte. Quero apenas ser uma referência bacana e positiva para as novas gerações. Para mim, isso é motivo de satisfação e orgulho.

Depois de seis Olimpíadas seguidas como treinador, pretende também ir a Tóquio, em 2020?

Como torcedor, com certeza! Essa é a única certeza que eu tenho. Desde 1980, que foi a minha primeira Olimpíada (como jogador), quando tinha vinte e poucos anos de idade, eu nunca fui para assistir. Já estou economizando para comprar um pacote e ir como torcedor.

Vai ver o vôlei, ou outros esportes também?

No vôlei masculino, todas as partidas, obviamente. Espero que meu filho esteja e, portanto, estarei lá torcendo como pai. E espero ver também muitos outros esportes, adoro todos. Quero poder ver os grandes atletas, aquelas referências. Nunca vi o Usain Bolt na pista, por exemplo. Via numa televisãozinha, no quarto, sempre trabalhando. Também não vi o Michael Phelps na piscina. E quero ver os destaques brasileiros. Poder viver uma Olimpíada realmente, como torcedor, é um sonho. Porque eu só trabalhei. Nas últimas Olimpíadas todas, eu só trabalhei.

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