Reciclagem

Logística reversa: para especialistas, devolução do 'lixo' à indústria é pouco discutida no Brasil

Izamara Arcanjo
Especial para o Hoje em Dia
03/07/2022 às 15:20.
Atualizado em 03/07/2022 às 15:22
 (Freepik/ Banco de imagens)

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Comprar um produto, usar até o fim e, em vez de jogar a embalagem no lixo, devolvê-la à empresa que a produziu. Assim funciona a logística reversa, tema muito importante, mas pouquíssimo difundido no Brasil, segundo especialistas. Essa prática é um instrumento que viabiliza a restituição de resíduos para reaproveitamento ou outra destinação ambientalmente adequada.

No Brasil, Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) foi instituída pela Lei Federal nº 12.305, em 2010, mas só em janeiro deste ano o Governo Federal editou o Decreto nº 10.936, trazendo algumas novidades para o Programa Nacional de Logística Reversa, que moderniza dispositivos e desburocratiza procedimentos para sua implementação.

“O país já avançou com a coleta seletiva, mas quando falamos especificamente sobre produtos ao final da vida útil, ainda estamos engatinhando. Todo mundo fica muito satisfeito com os produtos, mas não sabe como descartá-los quando param de funcionar ou quando precisam ser trocados, geralmente o destino é um aterro sanitário e, em muitas cidades, os lixões, que nem deveriam existir mais”, afirma Walter Rocha de Cerqueira, advogado, especialista em Direito Privado e mestre em logística reversa.

De acordo com Walter, as falhas desse processo no Brasil se apresentam sob três aspectos importantes:

  • É preciso cobrar das instituições públicas e privadas a ampliação dos mecanismos e redes de logística reversa
  • A ampliação geográfica precisa ser repensada, pois as redes não estão distribuídas de maneira igualitária entre os estados brasileiros
  • É preciso cobrar de fornecedores, importadores, comerciantes e de próprio governo o impulsionamento de cadeias de recolhimento

“A legislação federal que regulamenta a área é pouco ousada. A lei diz que a ampliação deve acontecer por meio de acordo setoriais com o poder público, intermediados pelo Ministério do Meio Ambiente. Mas, por que não pode acontecer por legislação e incluir novos resíduos e estabelecer prazos para instituir a coleta reversa?”, problematiza Walter Rocha.

Variedade de produtos
Ainda segundo Walter, apenas cinco produtos estão sujeitos à logística reversa no país de acordo com a Política Nacional de Meio Ambiente, artigo 33 da lei São eles: pneus após o uso (pneus inservíveis), pilhas e baterias, agrotóxicos vencidos e suas embalagens, óleo lubrificante usados, lâmpadas fluorescentes de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista, além de produtos eletroeletrônicos.

O novo decreto ainda incluiu medicamentos vencidos ou em desuso. “Ainda é muito pouco, não há legislação sobre várias classes de resíduos como: tecidos, por exemplo. As redes de logística reversa são onerosas e independentes. Quem coleta coletar pilha, não pode coletar pneu. A meu ver, faria mais sentido se essas redes fossem aproveitadas por mais de uma cadeia produtiva”. Entretanto, o advogado aponta que houve avanços com o novo decreto. “Agora ele traz o conceito de responsabilidade compartilhada desde o fabricante, importador e comerciantes”, diz.

Coleta de eletrônicos

(Banco de imagens/ Pixabay)

(Banco de imagens/ Pixabay)

Há várias entidades gestoras de logística reversa, uma delas é a Associação Brasileira de Reciclagem de Eletroeletrônicos e Eletrodomésticos (ABREE), que gerencia a logística reversa de eletroeletrônicos para 53 associadas (fabricantes e importadores). Para isso, foram implantados mais de 3 mil pontos de recebimento que atendem mais de 1,2 mil municípios em todo o território nacional.

“A partir do recebimento dos produtos descartados pelos cidadãos, é realizado o transporte, consolidação dos produtos e feito o encaminhamento para os parceiros, que realizam a manufatura reversa, permitindo a reinserção dos materiais na cadeia produtiva. Todo o processo é rastreável e ao final é emitido o certificado de destinação final”, explica Sérgio de Carvalho Maurício, Presidente da ABREE.

Segundo Sérgio de Carvalho, os fabricantes devem atuar, primeiramente, divulgando a necessidade do descarte correto dos produtos após o final da vida útil e adequar seus processos para receber insumos reciclados, o que muitas vezes requer o investimento em tecnologia e inovação. Por fim, devem optar entre o processo individual ou coletivo e, nesse caso, precisam buscar a entidade gestora que poderá auxiliar nessa jornada.

Os prestadores de serviços que fazem parte dessa cadeia, como transportadores, cooperativas, empresas de manufatura reversa e muitos outros, são partes interessadas também. “Minha recomendação é que todas essas empresas busquem o trabalho colaborativo com os sistemas de logística reversa existentes”, diz Carvalho.

Associação de catadores

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As cooperativas e associação de catadores são instrumentos importantes para o desenvolvimento da logística reversa no Brasil, isso porque são elas as responsáveis, em grande parte e até o momento, pela reciclagem de resíduos no país. Além dessa questão mais operacional, deve-se considerar o caráter social que configura a realidade das cooperativas no Brasil. Neste contexto, o novo decreto tem chamado a atenção dos ambientalistas.

Ele fala que as associações de catadores têm que estar cadastradas no Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (SINIR), o que facilita o controle, mas segrega muitas cooperativas de catadores. “Ao fazerem parte do SINIR, é exigida, por exemplo, uma central de triagem. Em casos de sucesso, como a ASMARE, de Belo Horizonte, a medida é totalmente possível, mas na medida em que se começa colocar empecilhos para as cooperativas que estão localizadas em bolsões de extrema pobreza, pode fazer com que as elas percam sua função social, que é tirar da miséria absoluta uma gama imensa de pessoas invisibilizadas pela sociedade”, avalia Walter Rocha.

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