Janaina Fidelis

Psicóloga explica como a comunicação eficaz gera resultados nas corporações

Izamara Arcanjo
Especial para o Hoje em Dia
Publicado em 04/07/2022 às 08:39.
"A questão da escuta, da empatia e de você entender o outro vale também para os colaboradores. Estamos estimulando muitos colaboradores a desempenhar um papel mais ativo. Não ser só aquele que escuta, mas também aquele que pergunta" (Fernando Michel/Hoje em Dia)

"A questão da escuta, da empatia e de você entender o outro vale também para os colaboradores. Estamos estimulando muitos colaboradores a desempenhar um papel mais ativo. Não ser só aquele que escuta, mas também aquele que pergunta" (Fernando Michel/Hoje em Dia)

Os desafios da gestão organizacional e a alta complexidade dos negócios tornaram a comunicação uma competência ainda mais necessária para a geração de bons resultados. Entretanto, isso ainda é um desafio para alguns líderes e gestores, pois uma boa comunicação não diz respeito apenas a feedbacks e conversas amistosas com as equipes. Especialistas dizem que é preciso romper julgamentos, formas de pensar e ainda levar em conta as histórias de vida de cada um.

Psicóloga, mestre em administração e especialista em gestão de negócios e relações de trabalho, Janaina Fidelis há 23 anos atua com recursos humanos, lideranças e gestão de pessoas. Para ela, as empresas e instituições têm buscado se comunicar com mais transparência e ética para construir confiança com seus funcionários, clientes, formadores de opinião, fornecedores, governos e sociedade. “Uma boa comunicação hoje precisa reconhecer e ter nas pessoas a centralidade das estratégias. É preciso ter lucidez para vislumbrar o que elas valorizam, o que faz sentido para todos os envolvidos nos processo organizacionais”, destaca.

Com a experiência de quem viveu grande parte da carreira como especialista de RH em multinacionais e empresas como Gerdau, Ambev e Vale, Janaina Fidelis conversou com o jornal Hoje em Dia sobre a comunicação corporativa.

Com sua experiência, é possível dimensionar a importância que a comunicação tem hoje para as empresas? Ela é realmente valorizada?
Nós vivemos um momento em que a comunicação interna, institucional era o que tínhamos em muitas empresas no aspecto comunicacional. Fazer um jornalzinho interno, pequenas confraternizações era o quanto bastava. Essa comunicação estava muito associada à comunicação da empresa com veículos de comunicação e disponibilização das informações, tivemos esse momento em que isso se normalizou. Entretanto, a comunicação organizacional, de uma maneira mais ampla, ficou um pouquinho desaquecida. Mas de alguns anos para cá, comunicar-se bem, de maneira assertiva, tornou-se uma soft skill extremamente importante, valorizada para todos os níveis de profissionais, mas que ainda demanda desenvolvimento e espaço na agenda das lideranças.

Sabemos que várias instituições têm problemas com a comunicação. Ela é às vezes cheia de ruídos, muito agressiva e até mesmo violenta entre líderes e liderados. As empresas estão mesmo dispostas a superar este cenário?
Eu vejo que existe muita intenção para que a comunicação efetivamente ocupe esse espaço de forma assertiva. Muitas ações neste sentido não são colocadas em prática porque comunicar não é fácil, não é? Exige não só técnicas adequadas como a possibilidade, tempo, empatia, vontade de entender o que o outro está dizendo e foco também. Mas, hoje, muitas vezes o processo de metas e entregas ocupa o espaço de um diálogo. Eu acredito que a gente está caminhando. Já existem várias iniciativas, empresas que têm investido em projetos de desenvolvimento dessa competência para seus colaboradores, sejam eles líderes ou não. Nós precisamos ainda trazer mais para a pauta a comunicação e não a negligenciar, abrindo mão, por exemplo, de uma reunião de feedback para ir resolver um problema técnico que é muito comum. As pessoas relatam muito isso para mim. Dizem: meu líder desmarcou minha reunião de feedback para resolver algum problema. Isso deveria ser feito apenas se o problema for muito crítico. O feedback é que deve ser uma prioridade nessa agenda?

Algum setor da economia está à frente dos outros quando o assunto é comunicação, em especial após a fase crítica da pandemia e o isolamento social?
O trabalho remoto demandou uma forma de comunicação bem diferente da que estávamos acostumados. E, sem dúvida, a pandemia reforçou toda a importância da comunicação, na mesma medida que a deixou muito mais desafiadora, uma vez que as empresas se viram obrigadas a fazer uso de chats, mecanismos de conversa digital, de conversação rápida, mas que não deveriam substituir o diálogo. São ferramentas comuns e que já vinham sendo muito usadas, por exemplo, na área de tecnologia, onde eu vejo que engloba um público que tem mais facilidade em lidar com essas ferramentas. Ao mesmo tempo, ressalto que isso gera um distanciamento maior do contato pessoal. E a gente sabe que a comunicação, ela tem uma série de referências que a compõem. Uma delas é o olho do olho. Então eu diria que na tecnologia, podemos perceber mais os usos das ferramentas de comunicação digital, em função da natureza do trabalho, mas que a gente vê empresas de diferentes portes e negócios investindo na comunicação.

Qual seria o modelo ideal de comunicação neste contexto em que estamos?
Eu diria que é um modelo que equilibra diferentes ferramentas. É muito comum pessoas da tecnologia gostarem de participar de uma reunião online, mas raramente gostam de abrir a câmera. Elas têm facilidade com a videoconferência, mas deixam de lado o contato visual. Eu acho que é um equilíbrio.

Dada sua vivência com as consultorias em Recursos Humanos, poderia me apontar as principais características de uma liderança que se comunica bem?
Primeiramente, ela escuta muito bem. Esta é sem dúvida alguma a primeira característica. Comunicar implica numa escuta ativa, porque normalmente nós estamos sendo atropelados pela velocidade das coisas, pelo mundo hoje. São tantas demandas, tantos estímulos que eu já escuto pensando no que eu vou dizer, então o líder precisa desenvolver essa capacidade de escutar. Uma segunda característica é que o líder tem que ter a sensibilidade para entender qual é o perfil, com quem ele está se comunicando. Existem pessoas mais reflexivas, por exemplo, mas existem pessoas mais racionais e pragmáticas, e precisamos então seguir uma orientação simples, que é tratar as pessoas como gostaríamos de ser tratados. Por isso é tão importante o líder compreender com quem está falando. E a última, mas não menos importante, é a empatia. Só conseguimos nos comunicar adequadamente de uma maneira não violenta se houver empatia. Com essas características e com as técnicas de comunicação, que podem ser administradas como as técnicas de oratória, feedbacks, a chance de se estabelecer uma comunicação adequada é grande.

E para o outro lado? Para os colaboradores vale estar atento a estas mesmas questões?
Eu acho que a questão da escuta, da empatia e de você entender o outro vale também para os colaboradores. Mas hoje nós estamos estimulando muitos colaboradores a desempenharem um papel mais ativo na sua comunicação. Não ser só aquele que recebe a orientação, que escuta, mas também aquele que pergunta, que se posiciona, que fala e que não se contenta com uma informação que foi dada de maneira incompleta. A soma destas questões da liderança com a proatividade, esse protagonismo e se responsabilizar também pelo processo de comunicação que ficou por muito tempo a cargo das áreas de recursos humanos.

Como você avalia a necessidade de estarmos discutindo ainda hoje a comunicação não-violenta, termo cunhado pelo psicólogo Marshall Rosenberg ainda nos anos de 1960?
Temos precisado cada vez mais falar em comunicação não-violenta. Só para se ter uma ideia de como anda a comunicação nas organizações, o Marshall Rosenberg vem estudando há muitos anos esta questão. Ele já mediou conflitos em zonas de guerra em mais de 30 países. Ele cita em um dos seus livros que o ambiente onde ele encontrou uma comunicação mais violenta entre todos os lugares por onde ele passou foi nas corporações, no mundo corporativo. Exatamente porque também existe aquela comunicação violenta que é mais que difícil de perceber, que você expressa pelo tom de voz, pela sua oralidade, por uma palavra inadequada, mas pelo silêncio. O silêncio pode também ser muito violento. O boicote ao outro pode ser uma forma de você expressar essa violência na comunicação, um questionamento que você faz numa reunião, que não é para contribuir, mas para colocar em xeque, por exemplo, o que o outro está dizendo. Essa é uma forma de violência que se expressa na comunicação. Então, nós precisamos melhorar muito ainda, pois todo mundo fala sobre a comunicação não-violenta, mas ela ainda é pouco praticada.

Gestores que vêm de um modelo mais tradicional de comunicação estão abertos a novos modelos?
Eu acredito que a grande maioria já percebeu a importância do tema, mas ainda é muito difícil desenvolver essa comunicação, pois ela vai muito além de você só aprender técnicas. Significa mudar algo que vem com você ao longo da sua vida, que tem a ver com as suas referências, com seus padrões, como você foi criado, e inclusive suas referências de gestão. Antigamente, o modelo que tínhamos era uma gestão baseada em comando e controle, onde eu mandava e o você obedecia. Esse modelo não tem mais espaço nas organizações.

Então é um aprendizado que requer investimentos de estudo e de energia muito alto, mas sou otimista e acredito que o espaço está aberto e que há consciência da necessidade, do novo. As organizações precisam agora sair do discurso e partir para a ação, para o diálogo, ele sim é realmente transformador, pois permite a solução de problemas com soluções criativas, gerando um espaço de confiança, de segurança psicológica, que não vai permitir que o seu colaborador, por exemplo, adoeça. Então, essa comunicação está diretamente ligada ao cuidado e à saúde mental das pessoas.

Quais as dicas você daria para um líder que deseja desenvolver a competência de uma boa comunicação?
Primeira coisa: um líder não pode ter a agenda dele tomada por tarefas e atividades, porque se comunicar bem implica dedicar tempo para o outro. Então, se eu tenho uma agenda com horário das 8h às 18h, eu tenho 50 reuniões, vários compromissos e muitas coisas a fazer, eu posso não ter tempo para esse tipo de diálogo. Uma outra questão fundamental é a capacitação, se instrumentalizar também é bastante importante. Também é necessário escutar e escutar também implica em fazer perguntas. A gente é muito bom em fazer afirmação, não é? Assim, nós exercitamos pouco o perguntar.

Um outro aspecto muito importante, que os líderes precisam desenvolver é o olhar para o indivíduo, para além da tarefa. Estamos sempre muito focados em entregas, e, é claro que é compreensível este nível de exigência, pois os resultados que estão sempre pressionando esse líder do tempo todo. O cliente que está batendo à porta, mas se esse líder não entender que ele tem que gerenciar um time que não só entrega, mas que tem pessoas ali que precisam ser escutadas, que têm seus valores, que têm suas histórias de vida, que têm as suas necessidades, será muito difícil obter o sucesso.

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