Afluentes do rio Doce agonizam e peixes correm o risco de desaparecer

Ricardo Rodrigues e Iêva Tatiana - Hoje em Dia
18/11/2015 às 06:53.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:31
 (Leonardo Morais/Hoje em Dia)

(Leonardo Morais/Hoje em Dia)

O grande volume de rejeitos que desce o rio Doce, nove vezes maior que o da Lagoa da Pampulha, compromete a recuperação dos afluentes atingidos pela lama que vazou da barragem em Mariana, na região Central de Minas. A estimativa é a de que seja preciso fazer o monitoramento toxicológico da ictiofauna (conjunto de peixes da bacia) por até cinco anos. O risco de extinção ameaça 11 espécies.

A conclusão é do pesquisador Ricardo Motta Coelho, coordenador do Laboratório de Gestão de Reservatórios da UFMG. “A qualidade da água tem recuperação rápida, mas há espécies de peixes endêmicas que podem ser extintas a médio prazo”, alerta. Na bacia do Doce há 71 espécies nativas e 28 que não são.

Fábio Arantes é professor do programa de pós-graduação em biologia dos vertebrados da PUC Minas. Para ela, antes do desastre ambiental, a bacia do Doce já estava “decadente” por causa da poluição e assoreamento. Mesmo assim, o especialista aponta a existência de peixes de grande porte no rio. “Se o rejeito causar mal aos peixes que sobreviverem e a chuva levar mais sedimentos à calha do rio, o problema será muito maior. Há alguma chance, com ações mitigadoras, de retomar parte do que foi perdido”, avalia. Uma das medidas é a soltura de alevinos de espécies nativas.
Segundo Ricardo Coelho, a contaminação dos peixes por metais pesados pode durar anos. “É preciso colocá-los em tanques-redes e fazer testes na calha do Doce, como fizemos na Pampulha”, diz.

Análises em curso

Desde o início desta semana, o gerente-geral de Meio Ambiente da Fundação Gorceix, Wilson José Guerra, percorre cidades e distritos ao longo do rio Doce coletando amostras de água e lama para análises química e toxicológica. “É algo totalmente inédito. Em 35 anos de profissão, nunca vi isso. Parece um tsunami”, lamenta.

Segundo Guerra, ainda não foi possível analisar os danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão à flora e fauna ao longo do curso d’água. “Na situação atual, é difícil fazer essa avaliação, porque está tudo tomado pela lama e o material é muito denso. Posteriormente, vamos elaborar um projeto de recuperação de área degradada para tentar recuperar a mata ciliar do rio Doce”, adianta.
Avaliada em R$ 10 bilhões, recuperação pode durar dez anos

Na avaliação de especialistas, alguns danos são irreversíveis e inviabilizam a recuperação total da Bacia do Rio Doce. “Os efeitos do desastre ambiental serão sentidos a longo prazo. A vegetação que não foi arrancada vai morrer, porque foi entupida de sedimentos. A saída será estabelecer hortos florestais ao longo da bacia para repovoar as matas ciliares. Custa caro e demora de cinco a dez anos”, afirma Ricardo Motta Coelho, pesquisados da UFMG.

Relator do Código Mineral (PL 5.807/2013), que tramita na Câmara, o deputado federal Leonardo Quintão (PMDB) estima que a Samarco terá de desembolsar R$ 10 bilhões para pagar indenizações e reparar danos ambientais causados pela ruptura da barragem em Mariana. “São 58 milhões de toneladas de rejeitos despejadas ao longo de 700 quilômetros na calha do rio Doce e afluentes. Esse material tem de ser retirado e tratado, pois não pode ficar exposto no meio ambiente”, diz.

Além da recuperação do Doce e seus afluentes, o parlamentar ressalta que o dinheiro será usado na indenização das famílias afetadas, recuperar a infraestrutura urbana, restaurar o meio ambiente indenizar comunidades de pescadores e agricultores familiares. “São mais de 1 milhão de habitantes impactados, além de escolas, hospitais e empresas. A Samarco e suas controladoras terão de assumir integralmente essas responsabilidades”.

Ricardo Coelho teme falta de profissionais qualificados para que a resgate da fauna e as ações mitigadoras sejam executados com a devida agilidade. “As empresas estão desesperadas, vão pegar gente no exterior. A Samarco anunciou que vai buscar técnicos no Canadá para o projeto de recuperação ambiental”.

Entretanto, Fábio Arantes, professor da PUC, garante que há ictiólogos capacitados no Brasil. “Acho um exagero trazer especialistas de outro país, pois temos de ótimo gabarito aqui, inclusive em Minas Gerais”, afirma.

Investigação

Como adiantou o Hoje em Dia, a Polícia Federal (PF) instaurou inquérito para apurar “possível ocorrência do delito” no rompimento da barragem em Mariana. De acordo com nota divulgada pela PF, será investigado crime previsto na lei 9.605/98, de “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”.
 

O Instituto Terra, fundado em Aimorés pelo fotógrafo Sebastião Salgado, estima em R$ 5 bilhões a recuperação das 400 mil nascentes do rio Doce, por meio da recomposição da Mata Atlântica, alcançando os 230 municípios que formam a bacia hidrográfica

Prefeitura de Governador Valadares divulgou nessa terça (17) o laudo da Fundação Ezequiel Dias (Funed) atestando que a lama que está no rio Doce não é tóxica. O exame foi feito em BH, com amostra coletada no último dia 12



 

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