Universitária afirma ter tido exposição censurada na Escola de Belas Artes da UFMG

Cinthya Oliveira
cioliveira@hojeemdia.com.br
22/06/2018 às 18:38.
Atualizado em 10/11/2021 às 00:55
 (Sylvia Triginelli/Divulgação)

(Sylvia Triginelli/Divulgação)

Um dos principais centros de formação artística do país, a Escola de Belas Artes (EBA) da UFMG é ponto central de uma polêmica. A exposição de uma estudante do primeiro período de Artes Visuais, com 23 fotografias de corpos nus de mulheres que não fazem parte do padrão de beleza, foi alvo de repreensão, encarada como censura por parte de muitos estudantes da instituição.

Segundo a autora das obras, Sylvia Triginelli, a exposição teve início no dia 13 de junho e contou com obras de alunos da disciplina Fotografia básica. No momento em que ela disponibilizava as imagens em um determinado espaço da EBA, foi interpelada pelo superintendente da instituição, que a proibiu de apresentar as imagens – ela deveria retirá-las ou tampá-las com papel vegetal.

“O superintendente me disse que aquelas fotos eram nudez explícita e não poderia ser exposta sem uma classificação indicativa”, afirma Sylvia. Segundo ela, a justificativa para o impedimento seria a visita frequente de adolescentes ligados à Cruz Vermelha.

“O professor (de Fotografia) comprou o papel vegetal e eu, frustrada e fortemente emocionada com o ocorrido, coloquei o papel vegetal em cima das fotos, respeitando as obras”, conta.

Frente à repreensão, alunos da EBA fizeram vários tipos de protestos. Em um deles, estudantes cobriram seios e partes íntimas com papel vegetal, para depois deitar na área de convivência do prédio da escola. As folhas de papel vegetal que cobriam as obras foram arrancadas e as obras, neste momento, podem ser vistas dentro da EBA.

Repercussão

O caso ganhou repercussão na internet e na universidade. Artista renomado e professor da EBA, Marcos Hill escreveu uma carta aberta à comunidade acadêmica, elogiando o trabalho da aluna. “O resultado visual desse ensaio fez emergir a delicadeza com que tudo foi vivenciado, tornando evidente a presença de corpos absolutamente fora de um padrão de beleza estereotipado, imposto pela sociedade de consumo na qual vivemos”, escreve.

O educador solicita ainda um debate em torno da concepção de classificação etária, determinada pelo Ministério da Justiça. Segundo ele, o texto indica que a nudez não erótica não é prejudicial ao desenvolvimento psicológico da criança – como exemplo, um documentário mostra a realidade de uma tribo indígena onde as pessoas estão nuas.

O advogado Eric Guimarães, membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), também se manifestou via carta aberta. “As artes representam a voz das minorias, da inovação, da evolução. Em um centro acadêmico do porte da UFMG tal ocorrência é inadmissível”, escreveu.

“Sempre penso se minha arte está errada, mas logo tiro isso da minha cabeça pois a arte foi feita para ter um impacto nas pessoas, seja boa ou ruim. Depois de ver tantas pessoas do meu lado, se manifestando, como os estudantes, o professor da EBA que escreveu uma carta aberta, a Comissão de Direitos Humanos da OAB, me sinto simplesmente artista, e isso potenciou meus trabalhos”, afirma Sylvia.

Procurada pela reportagem, a UFMG informou que todos os eventos artísticos e culturais recebem classificação indicativa e, em relação a exposição, agiu para "proteção dos adolescentes aprendizes que atuam nas setores administrativos da Escola de Belas Artes, e visando ao cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente".

A universidade explicou que quando a classificação é superior a 16 anos, os menores aprendizes são orientados a não frequentar o espaço. A recomendação, no entanto, é feita quando avaliada com antecedência. "A necessidade de informar a classificação com antecedência é, portanto, medida de proteção aos adolescentes de fundamental importância para o devido cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente".

Confira abaixo a íntegra da nota:

"Em relação à exposição dos trabalhos desenvolvidos na disciplina Fotografia Básica, da Escola de Belas Artes da UFMG, esclarecemos que:

- Conforme disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, regulamentado pela Portaria do Ministério da Justiça nº 368, de 11 de fevereiro de 2014, eventos artísticos e culturais devem receber classificação indicativa para a orientação das famílias quanto ao acesso e fruição de crianças e adolescentes.

- Como forma de proteção dos adolescentes aprendizes que atuam nas setores administrativos da Escola de Belas Artes, e visando ao cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 2016, a direção da Escola de Belas Artes realizou uma consulta à Procuradoria Federal na UFMG que se manifestou, no Parecer nº 387/2016/PF-UFMG/PGF/AGU/DTMC, pela obrigatoriedade da indicação de classificação por faixa etária dos eventos artísticos e culturais realizados no âmbito da escola em decorrência de suas ações de ensino, pesquisa e extensão.

- A Direção da Escola de Belas Artes, desde então, adota o procedimento de autoclassificação indicativa, garantindo que são os próprios autores das obras – alunos, técnico-administrativos e professores #8211; que devem fazer a indicação da faixa etária, seguindo as orientações do Ministério da Justiça dispostas no Guia Prático da Classificação Indicativa. Além disso, para que seja possível acompanhar e garantir o cumprimento da legislação, todos os eventos a serem realizados na Escola devem ser comunicados à Superintendência, responsável por conferir se a classificação foi informada em plaqueta visível, conforme exigência legal. Importante ressaltar que a Superintendência não questiona a faixa etária indicada pelos autores.

- Quando a classificação indicativa é superior a 16 anos, a Superintendência informa às chefias imediatas dos menores aprendizes para que somente acessem o local em companhia dos pais ou com alvará judiciário.

A necessidade de informar a classificação com antecedência é, portanto, medida de proteção aos adolescentes de fundamental importância para o devido cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente.

- No dia 13 de junho de 2018, pela manhã, durante o processo de montagem da exposição dos trabalhos desenvolvidos na disciplina Fotografia Básica, o Superintendente da Escola de Belas Artes identificou que a classificação indicativa dos trabalhos ainda não havia sido realizada. Por sua vez, o professor da disciplina, como organizador da exposição, decidiu suspender temporariamente a montagem da exposição até que a classificação fosse estabelecida pela autora. As fotografias com conteúdo de nudez foram cobertas apenas nesse momento, sem nenhuma intenção de impedir a sua exibição tão logo a exposição fosse aberta, o que ocorreu no turno da tarde. A exposição segue aberta à visitação pública.

- No dia 14 de junho de 2018, pela manhã, a aluna e sua mãe foram recebidas pela representação estudantil no Diretório Acadêmico e se reuniram com a direção da Escola de Belas Artes, que prestou os esclarecimentos sobre o ocorrido, reafirmando que não houve nenhuma intenção de censura, mas sim a preocupação institucional de que a exibição pública da obra artística estivesse em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente.

No mesmo dia, à tarde, durante reunião da Congregação, a direção da Escola, o professor da disciplina e a representação estudantil prestaram os mesmos esclarecimentos à comunidade.

- A direção da Escola de Belas Artes da UFMG reafirma sua conduta de respeito ao exercício livre da expressão artística, garantido pela Constituição Federal brasileira, em harmonia com o Estatuto da Estatuto da Criança e do Adolescente.

 Prof. Dr. Cristiano Gurgel BickelDiretor da Escola de Belas Artes"

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