Alunos de escolas públicas de BH aprendem a aplicar recursos e buscar soluções sozinhos

Malú Damázio
mdamazio@hojeemdia.com.br
15/05/2017 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:32

Decidir como destinar e distribuir recursos financeiros em uma escola pública não é apenas tarefa de gente grande. Em Belo Horizonte, um projeto em que alunos sugerem e decidem como será aplicada parte do orçamento da instituição onde estudam mostra que, apesar da pouca idade, crianças e adolescentes são completamente capazes de identificar problemas e propor soluções para melhorar o ambiente escolar. 

O Orçamento Participativo da Criança e do Adolescente (OPCA) chega à quarta edição em 2017. Com uma verba de R$ 20 mil para cada escola, alunos da rede municipal precisam pensar e debater propostas de aplicação do dinheiro.

A principal condição é que o recurso seja investido em algo que beneficie todos os estudantes e que possa ser utilizado tanto pelas crianças pequenas quanto pelas mais velhas. O processo para esta edição foi iniciado em maio e atenderá 16 mil alunos de 27 escolas.

Melissa Gomes, de 6 anos, acabou de chegar à Escola Municipal União Comunitária, no Barreiro, e nem sonhava que teria aulas em 3D. “Eu gosto muito de ver filmes na sala de cinema. Na outra escola não tinha isso”, diz. 

O espaço foi conquistado em 2014, no projeto-piloto do OPCA. Segundo a vice-diretora Naílda Silva, uma das condições estipuladas pelos próprios estudantes é que a sala de vídeo tivesse uso recreativo, mas também pedagógico. “Os alunos querem ter aulas aqui, não só ver filmes”, conta.

Cada turma pensa em propostas para o orçamento e elege representantes; os alunos debatem e escolhem dez demandas prioritárias, que são submetidas à votação

Responsabilidade

Armários para guardar os materiais, laboratório de ciências, criação de um parquinho e até excursões para o clube foram sugeridos pelos estudantes da Escola Municipal Hilton Rocha, também no Barreiro.

No entanto, os R$ 20 mil foram utilizados para compra de bebedouros novos, revitalização da sala de vídeo e aquisição de materiais de beisebol, rugby e hóquei para educação física. 

A estudante Geovanna Marques, de 14 anos, uma das representantes dos alunos no projeto e afirma que o OPCA fez com que ela entendesse melhor os gastos da escola e percebesse as limitações na hora de empregar a verba. 

“Fiquei mais responsável com o dinheiro público. Participando do projeto, os alunos entendem todo o processo para um bebedouro estar na escola e o trabalho que dá para comprar. Não dava para fazer armário para todo mundo, seria caro e inviável”, conta.

Melhorias

Os equipamentos esportivos foram eleitos pelos estudantes da instituição a fim de diversificar as aulas de educação física e torná-las mais divertidas. 

“Antes as atividades eram limitadas a vôlei, futebol, handebol e basquete, agora temos vários esportes que não podíamos praticar antes”, lembra Ana Clara Castro, de 14 anos. 

Além dos alunos, até a professora da disciplina, Adriana Campos, precisou aprender: “tive que pesquisar e estudar as práticas esportivas para ensinar a eles”, diz.Flávio Tavares / N/A

Agora, na Escola Municipal São Rafael, no bairro Pompeia, novos livros fazem parte do acervo da biblioteca 

Projeto desenvolve prática política entre estudantes

Quando há orçamento participativo em um município, moradores de todas as regiões podem decidir onde serão aplicados os recursos. Reproduzir esta dinâmica nas escolas é essencial para que os alunos comecem a entender como são tomadas decisões democráticas, diz o cientista político Otávio Dulci. 

“O orçamento tem um sentido educativo não só porque crianças e adolescentes escolhem como melhorar a escola, mas pelo aprendizado da democracia e a possibilidade de participação política”, afirma.

Inserção social

No entanto, o ensino da prática política – em que os representantes dos alunos devem divulgar propostas e precisam conseguir votos para emplacar as ideias que defendem – não deve ocorrer sem debate, pondera Lívia Fraga Vieira, professora da Faculdade de Educação da UFMG. 

“Precisamos de uma democracia social, e não só política. Não basta votar. Ao incentivar que alunos discutam o que é importante para melhorar a escola e como ela pode ser mais inclusiva, promovemos a questão social. É importante que os estudantes pensem o que pode ser feito pelo coletivo, para melhorar a convivência e o bem-estar, até para aumentar a vontade de estudar”, diz.

Além Disso

Apesar de ocorrer há quatro anos, o Orçamento Participativo da Criança e do Adolescente (OPCA) ainda não é um programa fixo da Secretaria Municipal de Educação (Smed). O principal desafio, segundo Adriana Lacerda, integrante do comitê gestor da iniciativa, é garantir que ele se torne uma política pública permanente. 

Cerca de 40 mil alunos de 70 escolas já foram atendidos pelo OPCA desde 2014. O investimento, no período, foi de R$ 1,4 milhão. Neste ano, outros R$ 56 mil serão destinados às instituições contempladas. “É um projeto muito importante para que os alunos possam exercer o protagonismo juvenil e fazer, também, a defesa de suas ideias”, explica Adriana. 

O estudante Ítalo da Silva Valentin, de 11 anos, conta que gostou de vivenciar a experiência porque se sentiu ouvido pela comunidade escolar. “Eles deixaram todos os alunos participarem do processo de compra, o que foi muito legal, porque geralmente só a direção decide”, diz.

O critério utilizado para a escolha das instituições participantes é a vulnerabilidade social. Escolas que estão em regiões mais precárias de Belo Horizonte são as primeiras a receber o projeto. Porém, conforme Adriana, a intenção é que o OPCA possa chegar às 173 escolas da rede municipal.

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