Alunos definem ritmo das atividades escolares em instituição pública da capital

Malú Damázio
mdamazio@hojeemdia.com.br
01/05/2018 às 16:54.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:37
 (Maurício Vieira)

(Maurício Vieira)

Uma escola sem carteiras enfileiradas, provas e professor à frente do quadro repleto de conteúdo das disciplinas. Em uma sala, estudantes e educadores discutem, na matéria de linguagens, os impactos de ser mulher e homem na sociedade. A poucos metros dali, um grupo de alunos aprende a tocar instrumentos de percussão na aula de música. 

O dia a dia da Escola Municipal Polo de Educação Integrada, que atende crianças e adolescentes do ensino fundamental no Barreiro, em BH, é diferente do que se desenrola nas outras unidades públicas da capital. Na proposta pedagógica, os alunos, que ficam das 7h às 17h na instituição, são os sujeitos do aprendizado. Cabe a eles definir o ritmo da conclusão dos exercícios e demais atividades escolares.

Pioneiro na rede municipal, o projeto começou há cerca de dois meses e foi inspirado em modelos adotados na Finlândia e em Portugal. Os conteúdos são separados em áreas do conhecimento: matemática e ciências, linguagens (que inclui artes, português, idioma estrangeiro e educação física) e ciências humanas. Oficinas de horta, música, fotografia e vídeo, capoeira, dança e educação patrimonial e ambiental também integram a grade.

“O aluno tem que ter voz e liberdade de se expressar, perguntar e criticar. Tem que confiar no tutor. A experiência está sendo maravilhosa. Às vezes, penso se é verdade que estamos conseguindo fazer dar certo” (Aline Andrade, professora de ciências da Polo Educação Integrada)

 Roteiros

Ao contrário da maior parte das escolas, a Polo de Educação Integrada não obriga a realização de dever de casa, e a prova sequer é o principal instrumento de avaliação do aprendizado. 

Nos salões, os alunos sentam-se sempre em grupos e debatem temas propostos nos roteiros de estudo. As fichas reúnem conteúdo e explicações de mais de uma matéria, como matemática e ciências, e trazem exercícios para que o professor verifique se os jovens estão aprendendo.

No entanto, não há prazo. Cada aluno entrega os roteiros para a correção somente após finalizar o trabalho. “A gente aprende a ter autonomia”, ressalta Emanuelle Ferreira, de 14 anos. “O professor fala que somos livres para fazermos quando quisermos, mas, se demorarmos demais, a matéria vai acumular. Teremos novos roteiros para terminar até o fim de 2018”.

“Se não soubermos um assunto, a primeira opção é pesquisar nos laboratórios de informática ou na biblioteca. Se não conseguirmos, podemos pedir ajuda a um amigo que entendeu melhor o tema. A última forma é recorrermos ao professor, ainda que ele esteja sempre acompanhando nosso desempenho”, explica a aluna do nono ano Maria Eduarda Cajazeiro, de 14.

Esta é a primeira vez que a professora de ciências Aline Andrade trabalha com essa metodologia. Para ela, romper com o conservadorismo e enxergar que existem outras possibilidades de ensinar e aprender são os grandes desafios. “Fugir do quadro e giz e entender que troca de ideias entre alunos não é colar, é enriquecedor. Nós sempre devemos estar abertos ao novo”.

Segundo o especialista em políticas educacionais Carlos Roberto Jamil Cury, professor da PUC Minas, o método possibilita um aprendizado sólido, embora os conteúdos sejam assimilados mais devagar. “O que importa é que, ao fim do ano letivo, os estudantes tenham aprendido o que é esperado deles na etapa escolar em que estão”.

“A intenção é construir uma escola em que o currículo seja integrado e o aluno, a centralidade da proposta” (Anderson Santos, coordenador pedagógico da Polo de Educação Integrada)

Iniciativas dependem de parceria entre pais de estudantes e equipe de ensino

 Diálogo franco entre a família do aluno e a comunidade escolar. De acordo com o professor Carlos Roberto Jamil Cury, essa é a base para que o aprendizado, de fato, seja efetivo nas escolas diferentes do método tradicional.

O especialista diz ser necessário ter uma equipe bem qualificada para trabalhar a nova forma de educar. “Os pais terão dúvidas, já que muitos possivelmente foram escolarizados de outra maneira”.

Que o diga Marcely Ferreira Lima, de 41 anos. Mãe de duas estudantes, de 11 e 14, matriculadas na Polo de Educação Integrada, ela estranhou ao saber que as meninas teriam, na instituição, uma nova experiência de aprendizagem. “No início, achei tudo diferente. Não existem dever de casa e provas. Fiquei com medo de que o conteúdo não fosse assimilado”, conta.

Diálogo

A cada trimestre, a escola reúne os responsáveis pelos alunos para debater o aprendizado. Inclusive, foram os constantes diálogos com os professores e os relatos das filhas que deixaram Marcely mais tranquila.

“Elas falam muito bem do ensino e vejo que não estão aprendendo só as matérias, mas também a se comportar, respeitar o próximo e ter autonomia. Havendo algum problema, os tutores ligam, explicam como está o desenvolvimento dos alunos e pedem ajuda à família”.

Sem previsão

Não há previsão de expansão do modelo na rede ensino. Questionada, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) informou que cada unidade tem autonomia para desenvolver propostas pedagógicas diferenciadas.

O projeto é pioneiro na rede municipal de ensino de Belo Horizonte e não há previsão de expansão; prefeitura afirma que cada escola tem autonomia para desenvolver propostas pedagógicas diferenciadas

Nova forma de educar impõe desafios constantes

A pedagogia adotada na Polo de Educação Integrada é semelhante à utilizada na Escola da Serra, também em Belo Horizonte. Há 14 anos, a instituição particular trabalha com o ensino centrado no estudante.

Diretor da unidade, Sérgio Godinho diz ser um desafio constante investir em uma nova forma de educar, especialmente porque poucos colégios no país “abandonam” o método tradicional.

As mudanças no currículo e na metodologia de ensino são graduais. Aberta em 1992, somente anos depois, segundo o diretor, a escola conseguiu eliminar a divisão em turmas e implantar, de fato, a educação multidisciplinar.

Para que propostas como essa tenham vida longa, é preciso se basear em valores democráticos e no respeito entre as pessoas, diz Sérgio Godinho. “A ideia de uma instituição participativa é alicerçada em relações de confiança entre alunos, pais e professores. Não pode ser cheia de grades, ter portas trancadas, lugares proibidos e, muito menos, relações grosseiras, autoritárias e desrespeitosas. O estudante só pode ser protagonista fora dessas condições”, diz.

“O que educa não é o livro, o quadro negro e o projetor, mas as relações estabelecidas no ambiente. A educação é um processo humano e os principais atores são as pessoas envolvidas” (Sérgio Godinho, diretor da Escola da Serra)

Peça-chave

A infraestrutura também é peça-chave para que o aprendizado autônomo ocorra, aponta o professor Carlos Roberto Jamil Cury. Salas espaçosas, instrumentos para oficinas, áreas ao ar livre, boa conexão de internet, computadores e biblioteca completa são alguns itens que auxiliam e estimulam o estudante a buscar conhecimento. 

“Se ele tem acesso a esses recursos, terá a atitude de buscar uma informação que ele não sabe em lugares que podem ter esses dados. Isso motiva uma cultura de investigação”, avalia o especialista.

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