Antônio Claret, um mineiro entre os maiores especialistas em estrelas do mundo

Leida Reis
lreis@hojeemdia.com.br
23/03/2016 às 21:55.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:37
 (IAA/Divulgação)

(IAA/Divulgação)

A Astrofísica Teórica acompanha a evolução das estrelas e os buracos negros, passando pela Teoria da Relatividade de Albert Einstein. Mas o mineiro Antônio Claret dos Santos, 59 anos, desde 1987 no Instituto de Astrofísico de Andalucia, da Universidade de Granada, na Espanha, tem outras linhas de atuação.

O astrofísico nascido em Sete Lagoas contribuiu para o telescópio da Nasa, o TESS (Transiting Exoplanet Survey Satellite), e está em outros projetos, como o que busca planetas semelhantes à Terra fora do eixo do Sol. Física de altas energias, telescópios robóticos e explosões de raios gama fazem parte de sua rotina de estudos.

Claret também entende de paleontologia, pesquisa as causas da extinção dos dinossauros e publicou livros sobre astronomia para crianças distribuídos gratuitamente. Ele esteve no Brasil pela última vez há 20 anos, mas acompanha com desgosto a crise política do país.

Depois da sua formação na UFMG, onde fez também o mestrado no Departamento de Física, como seguiu sua carreira internacional?  

Depois da UFMG, realizei a tese de doutorado no IAA-CSIC e no Departamento de Física Teórica da Universidade de Granada. Quando terminei a tese, ofereceram-me um contrato no IAA onde trabalhei por um ano; logo depois fiz um concurso no IAC (Instituto de Astrofísica de Canarias) onde fiquei mais três anos, revezando com estadias curtas em centros europeus. Finalmente, em 1995, regressei a Granada onde fiz outro concurso e estou vinculado ao grupo de Astrofísica Robótica e de Altas Energias (ARAE) do Instituto de Astrofísica de Andalucía (IAA-CSIC).IAA/Divulgação

Busca por exoplanetas e estudo do comportamento dos astros estão a cargo de pesquisadores que usam o Observatório de Sierra Nevada (em Granada, na Espanha), do IAA


Em um livro, você afirma que não temos um céu tranquilo e imutável, que fenômenos astrofísicos de alta energia são frequentes e podem explicar a evolução das espécies na Terra. Como, explica o seu interesse pelas estrelas e os dinossauros?
 
De fato, antes se pensava que o Universo era um lugar tranquilo, mas a Astrofísica mostra que a realidade é muito diferente: explosões de supernovas, estrelas de nêutrons e buracos negros, choques de cometas ou asteroides com a Terra etc.

Minha fascinação pelos dinossauros apareceu em minha infância, como em quase todas as crianças. O meu interesse pela Física nasceu lendo livros que pertenciam ao meu irmão mais velho.

Não entendia quase nada do que lia, mas foi justamente minha incapacidade de compreender que atiçou minha curiosidade. Só na fase adulta consegui reunir estas duas facetas e as materializei em um livrinho de divulgação.

Você se preocupa também com educação, proferindo palestras para crianças a respeito dos primeiros habitantes da Terra. Por que os pequenos gostam tanto de dinossauros?

Quando escrevo livros com temática astronômica para crianças ou dou palestras, cumpro o que penso ser parte de meu trabalho. Nós, cientistas, temos o dever de divulgar o conhecimento adquirido. O saber não deve ter donos.

Talvez uma resposta à pergunta do por que as crianças gostam dos dinossauros seja: eram enormes e ferozes (nem todos) mas estão extintos (não representam um perigo real).

Os dinossauros são quase como personagens de histórias em quadrinhos, mas com a ressalva de que realmente existiram. Fascinavam-me, de pequeno, e continuam me fascinando.

De que forma o seu trabalho no IAA está vinculado à Teoria da Relatividade de Einstein? Explique as últimas descobertas do Instituto das quais você participou.
 
Realizo pesquisas em diversos campos da Astrofísica Teórica, mas centrando-me, exclusivamente, na Relatividade Geral (RG). Em 2010 conseguimos explicar (junto com G. Torres do Harvard-Smithsonian e M. Wolf da Universidade de Praga) o movimento orbital de DI Herculis, uma estrela que parecia desafiar a relatividade geral. Entre 2012 e 2015, publiquei uma série de artigos sobre estrelas de nêutrons/quarks /buracos negros.

Finalmente, em fevereiro deste ano, a rede BOOTES (rede de telescópios robóticos da qual faço parte) participou do monitoramento da fusão de dois buracos negros de 36 e 29 vezes a massa do Sol.

Um de nossos telescópios, localizado na Nova Zelândia, conseguiu obter as únicas imagens simultâneas do evento. Tal fusão foi a primeira detecção direta das ondas gravitacionais pelo instrumento LIGO. Ditas ondas foram previstas teoricamente por Albert Einstein 100 anos atrás.

Como a medição das temperatura das estrelas é fundamental para a astrofísica? Que é o Teorema de von Zeipel?

Uma estrela, ao girar ou estar deformada pela presença de uma companheira, se achata nos polos e a distribuição de temperaturas modifica-se de acordo com o grau da distorção resultante.

A correspondente formulação matemática foi desenvolvida em 1924 e é conhecida como o Teorema de von Zeipel. Em 2012 escrevi um artigo científico onde demonstrava que o Teorema de von Zeipel não era válido em determinadas condições físicas. Mais tarde, em 2014, estendi esses estudos a estrelas de nêutrons.

Recentemente, neste mês, publiquei um estudo onde reforçava a não validade do mencionado Teorema. Como um dos subprodutos deste recente estudo, meus cálculos podem explicar, pelo menos em parte, porque algumas estrelas que giram muito rapidamente dão lugar aos LGRB, ou seja, estrelas que explodem e emitem uma quantidade enorme de energia ao espaço em forma de radiação gama.Arquivo Pessoal / N/A

Antônio Claret explora o solo em Galve, Aragão (Espanha)

De que forma esses estudos tão específicos auxiliam os jovens que ingressam no estudo da Fisica e da Astrofísica?

Eu imagino que os jovens, ao se darem conta do quão fascinante é o mundo da Física, encontram uma razão mais que suficiente para prosseguirem em seus estudos. A curiosidade é uma característica humana, mas é muito mais marcante quando se é jovem.
 
Você diz que o estudo dos dinossauros e a astrofísica têm pontos em comum. Um deles é que não se pode tocar neles. O que é trabalhar com algo que não pode tocar? Em algum momento de sua carreira de cientista pensou em trocar por algo mais tangível?
 
É quase como fazer música. Esta existe na cabeça do compositor e só toma forma e será perceptível ao se escrever a partitura e reunir os músicos necessários. Com a Astrofísica acontece algo parecido: não tocamos os objetos de nosso estudo (a não ser alguns corpos do sistema solar, mas ainda assim de forma indireta).

No entanto, essa limitação não nos impede de perguntar como é o interior das estrelas, como se formam os buracos negros ou como funciona uma galáxia. Mergulhamos com lápis, papel e computadores nestas questões, encontramos algumas respostas e verificamos se são corretas, comparando-as com dados empíricos.

A sinfonia começa a aparecer. Às vezes é necessário melhorá-la. Às vezes é preciso recomeçar do zero. E o que antes era intangível começa a tomar forma. Começamos a compreender.

Não se sabe tudo, mas a cada dia que passa sabemos mais. A nossa partitura é um constante virar de páginas. Nunca pensei em algo mais tangível, porque se não fosse físico, tentaria ser paleontólogo.

Como vê o Brasil hoje nos estudos da Astrofísica? Mantém contato com os professores e pesquisadores da UFMG?

Acho que a pesquisa em Astrofísica no Brasil é de muito boa qualidade. Por exemplo, o grupo de Belo Horizonte é um grupo com poucas pessoas, mas compacto e produtivo.

Por outro lado, se se investisse mais na ciência brasileira, esta seria ainda melhor. Não quero dizer com isso que só com muito dinheiro se produz boa ciência. Mas a ciência de ponta, hoje em dia, só pode ser levada a cabo com grandes investimentos, tanto em equipamentos, como em recursos humanos: cientistas, técnicos, engenheiros, etc.

Uma das soluções ao alto investimento necessárias para a implementação de grandes instalações científicas é a associação de vários países; tanto o investimento quanto os dividendos científicos são repartidos.

Mantenho ótimas relações pessoais com alguns de meus ex-professores e colegas do Departamento de Física da UFMG. Inclusive alguns deles já estiveram em Granada para realizar atividades científicas.

O Brasil constantemente “exporta” importantes estudiosos para a Europa e EUA. Faltam incentivos para que fiquem no país?

Não posso opinar sobre a questão dos salários pagos no Brasil porque não os desconheço. O que me preocupa é a escassez de postos de pesquisadores nas universidades e centros de pesquisas.

Há um acentuado número de jovens cientistas muito bons, sem trabalho estável. Deveria se investir mais neste aspecto. Por outro lado, é muito difícil que um país cresça adequadamente sem um investimento continuado em ciência básica. Esses e outros fatores podem provocar um êxodo de boas promessas.
 
Saindo do âmbito da Física, gostaria de ouvir sua opinião sobre a crise de refugiados na Europa.

Em uma palavra: vergonhoso! Nunca conseguirei entender a falta de solidariedade e sensibilidade dos governos europeus. É interessante notar que os europeus eram os refugiados décadas atrás.

A lição se repete, mas tudo leva a crer que não a aprenderemos nunca. Os refugiados são uma constante no caminho humano: ora por guerras, ora por catástrofes naturais, ora por fome e sede.

No Brasil tivemos (não sei se ainda há) refugiados vindos do Nordeste e mesmo do Norte de Minas. Se encontraram trabalho e moradia nem sempre encontraram a plena aceitação. Sofrer fome e sede, fugir de guerras é algo muito duro, mas não é menos sofrer agressões contra a condição humana.

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