Assassinatos de mulheres sobem 52% em BH; a cada hora, são 16 casos de violência

Tatiana Lagôa e Malú Damázio
horizontes@hojeemdia.com.br
24/11/2017 às 20:55.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:53
 (Flávio Tavares)

(Flávio Tavares)

O término do relacionamento foi quase uma sentença de morte para Carla*, de 26 anos. Ameaçada pelo ex-companheiro, a estudante deixou até de sair de casa. Mas, nesta sexta-feira, ela prestou queixa na polícia. “Estou apavorada. Ele tem uma arma. Fico com muito medo”, disse. 

O pedido de socorro pode evitar que ela entre para a estatística que aponta um aumento de 52% no número de mulheres assassinadas no primeiro semestre deste ano em Belo Horizonte. Foram 32 mortes de janeiro a junho, contra 21 no mesmo período de 2016. Os dados estão no “Diagnóstico de violência doméstica e familiar”, divulgado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp).

Outros tipos 

Além dos homicídios, o levantamento detalha outras formas de violência sofridas pelas mulheres, como ataques físicos, psicológicos e sexuais. Foram 71.772 vítimas em Minas só no último semestre. A média é de 16 denúncias por hora.

É o caso da cozinheira Luciana*, de 49 anos. Ela estava em uma padaria perto do trabalho quando foi surpreendida pelo ex-companheiro com uma barra de ferro na mão. “Ele disse que iria quebrar minhas duas pernas”, conta. 

Cansada de ser agredida verbalmente durante dois anos de relacionamento, Luciana decidiu colocar um fim na relação. E essa foi a senha para que se tornasse alvo de xingamentos e agressões na rua. Ela também fez uma denúncia nesta sexta-feira na delegacia especializada de BH.

“Um desafio no combate à violência contra a mulher é o fato de as penas para ameaça e lesão leve serem pequenas” (desembargadora Kárin Emmerich)

Motivação

A certeza da impunidade, devido ao silêncio da parceira, alimenta o ciclo da violência, segundo a desembargadora da primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Kárin Emmerich. No entanto, ela pondera que o maior acesso à informação tem levado mais vítimas a buscar ajuda. 

“As mulheres estão mais empoderadas, passaram a buscar mais seus direitos. E isso se reflete nas estatísticas”, afirma Kárin Emmerich, que também é superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica.Flávio Tavares número de agressões físicas tem ligação com o fato de muitas mulheres esperarem chegar em situações extremas para buscar socorro

A desembargadora reforça que as agressões refletem um problema cultural. “Os números nos lembram que as mulheres são vítimas de uma cultura machista, patriarcal e arcaica. É preciso uma mudança de pensamento desde a base, por meio da educação”. 

Já a coordenadora da Rede Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e vice-presidente do Conselho Municipal de Direito da Mulher de Belo Horizonte, Tetê Avelar, acredita que os casos de violência possam ter ligação com o avanço da pobreza. “Nesse contexto de perda de emprego, a violência doméstica tende a aumentar. O desespero faz com que mais conflitos aconteçam”.

Agressão física é campeã dentre as denúncias nas delegacias, mas ainda há subnotificação

Agressão física foi a denúncia que mais levou mulheres às delegacias mineiras no primeiro semestre deste ano. Foram mais de 31 mil ocorrências, o equivalente a 43% dos casos. Outras 40 mil vítimas também procuraram a polícia para denunciar violências psicológica, moral e sexual, dentre outras.

Para a delegada Danúbia Quadros, chefe da Divisão Especializada no Atendimento à Mulher, ao Idoso e à Pessoa com Deficiência (Demid) de BH, o número de agressões físicas tem ligação com o fato de muitas mulheres esperarem chegar em situações extremas para buscar socorro. O que seria um erro.

“Muitas vezes, a mulher espera estar marcada, ou o contato físico, o empurrão, o tapa, para pedir providência. E, às vezes, ela acha que isso vai parar, só que a prática nos mostra que não acaba. Na grande maioria dos casos, a vítima já está nesse ciclo de violência quando procura ajuda”, conta. “Estatisticamente falando, não vale a pena esperar e, muito menos, perdoar”, completa.

Ciclo

É o que percebeu só agora a fisioterapeuta *Jéssica, de 24 anos, que tenta se divorciar do marido há quase um mês. O ponto final vem sendo adiado graças às ameaças de morte feitas pelo companheiro.

No entanto, o histórico de agressões na vida do casal é de longa data. “Ele já puxou meu cabelo na frente dos amigos, me bateu em casa, mas eu não contava para ninguém porque gostava dele. Tinha medo dele me deixar e ele sempre dizia que aquilo não ia se repetir mais”, lembra. 

Porém, ela decidiu tomar uma decisão. “Não dá mais, não posso esperar chegar em um ponto crítico. Não sou obrigada a ficar junto”, afirma *Jéssica, que prestou queixa na polícia.

Desconhecidos

Apesar do grande número de denúncias, ainda existe subnotificação. “Muita gente não vem à delegacia registrar. Os casos que não chegam ao nosso conhecimento não entram na conta. Ainda há mulheres que até nos procuram, mas decidem esperar, e não têm a denúncia protocolada”, garante a delegada. 

Ainda segundo ela, somente 30% das vítimas de violência sexual que passam pelos hospitais procuram a delegacia para tomar providências legais. Belo Horizonte tem quatro delegacias da mulher especializadas em atender casos de violência, sendo uma de plantão. 

Ao mês, a Polícia Civil emite cerca de 700 medidas protetivas, que afastam e proíbem o contato do agressor com a vítima.

Perfil das vítimas e agressores

A maior parte das mulheres que denunciaram agressões no primeiro semestre deste ano se declara parda (46%) e tem baixa escolaridade. Mas a violência doméstica não se limita a um grupo específico. “Ela é muito democrática e atinge menor de idade, idosa, rica, pobre”, alerta a delegada Danúbia Quadros. Os agressores são, principalmente, aqueles que estão mais próximos das vítimas. Companheiros e ex lideram o ranking da violência, seguidos de filhos e enteados. Muitas vezes, o ataque vem de quem a mulher menos espera.

A auxiliar de produção Ana*, de 27 anos, conta que sempre teve uma relação tranquila com o ex-namorado. No entanto, a realidade mudou depois que decidiu terminar ao descobrir que o companheiro a estava traindo. No primeiro momento, o homem não aceitou o término e tentou estrangulá-la dentro de casa. Em seguida, a mulher foi espancada e trancada no quarto até que as marcas começassem a desaparecer. Nessa sexta-feira, ela registrou um boletim de ocorrência e solicitou medida protetiva contra o rapaz.

Em nota, a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) informou que as mineiras podem contar com a ajuda do programa Mediação de Conflitos (PMC) para romper o ciclo de impunidade. O programa busca consenso e solução pacífica. O foco é a prevenção e redução dos homicídios em razão de violência doméstica, familiar e contra mulher. 

* Nomes fictícios 

 Editoria de Arte

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