Carnaval fora da região Centro-Sul atrai novos blocos e multidão de foliões

Raul Mariano
rmariano@hojeemdia.com.br
12/02/2018 às 06:00.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:17
 (Pedro Gontijo)

(Pedro Gontijo)

De olhos fechados, com as mãos levantadas para o céu e em estado de transe completo, a jovem Flora Rajão (30) evoca a paz e o amor cantando mantras. A cena pode lembrar um ritual hindu, mas se trata do aquecimento do bloco de Carnaval Pena de Pavão de Krishna, ou simplesmente PPK, que se prepara para sair em cortejo pelas ruas do Barreiro, em Belo Horizonte. 

O grupo é uma das principais referências quando o assunto é a folia fora da região Centro-Sul da capital, um movimento que tem crescido e mostrado cada vez mais que a festa tem se democratizado em BH. Desde 2013, eles levam os desfiles para bairros e comunidades mais distantes, sempre promovendo reflexões por meio do que chamam de “artivismo espiritualista”. 

Da Praça do Cristo, no bairro Milionários, o PPK parte em um trajeto de pouco mais de três quilômetros, caminhando sobre ruas que levam ao berço do Ribeirão Arrudas. No caminho, o bloco visita a nascente do rio, na avenida Olinto Meireles, local onde o curso d’água começa a ser canalizado.

Toda caminhada tem um motivo: chamar a atenção para o estado de degradação do Arrudas. Tanto que o ponto de chegada, na Praça da Febem, está localizado sobre um dos afluentes do rio. “Queremos, juntos com os parceiros do Instituto Macunaíma, reivindicar a criação do Parque Ecológico do Barreiro de Cima; por mais que estejamos em uma área considerada industrial”, explica Raphael Sales, músico do PPK. Pedro Gontijo / N/A

Famílias do Barreiro admiraram bloco

Apesar do Carnaval de rua ainda estar altamente concentrado na região Centro-Sul de Belo Horizonte– 45% dos desfiles acontecem nesta área segundo dados da Belotur– um movimento de dispersão já pode ser percebido para regiões como Leste, Oeste e Pampulha. O Barreiro agrega apenas 2% dos blocos que desfilam na capital, mas tem atraído grupos com propostas criativas, como é o caso do PPK, que é politizado, musicalmente rico e extremamente místico. 

A espiritualidade aflorada está presente nos cânticos que flertam ao mesmo tempo com o movimento Hare Krishna e com o culto aos orixás das crenças afro-brasileiras. Da mesma forma, os foliões –ou, nesse caso, os fiéis –que acompanham o grupo são o oposto do modelo padrão do carnavalesco belo-horizontino. No PPK, a alegria estampada no rosto de cada participante vem do clima recolhimento. “A gente aprende não apenas a olhar pra dentro, mas também a celebrar e viver essa catarse como todo mundo, sem ter que ‘enfiar o pé na jaca’, usando tantas drogas”, explica Flora Rajão, líder do bloco. 

Quem abraça a proposta garante que a sensação é algo inexplicável. A arte-educadora Carla Juliana acompanha o bloco pelo segundo ano consecutivo levando no colo a filha Savannah, de 1 ano e meio. “Da vontade de dançar e de chorar, me sinto mais leve. É mágico”, relata. Maurício Vieira / N/A

Bloco Tchanzinho Zona Norte valoriza a região de origem até em seu nome

Moradores comemoram chegada de grupos ao Barreiro

A escolha de levar os cortejos para regiões distantes do Centro de Belo Horizonte é um desafio para os blocos, que muitas vezes não encontram nesses locais a infraestrutura mais adequada para a realização dos desfiles. Um exemplo, assim como a maioria dos cortejos da capital, é a falta de banheiros químicos ao longo do percurso dos blocos é um problema constante que acaba levando foliões a urinarem pelas ruas. 

Mas, apesar dos percalços, quem recebe um bloco de Carnaval na porta de casa aprova a iniciativa. A diarista Elaine Reis, moradora do bairro Milionários, comemorou a presença do bloco Pena de Pavão de Krishna quase em frente o portão de casa. Acompanhada dos filhos João Vitor, de 7 anos, e Clara, de 9, eles sorriam durante todo tempo. Afinal, a presença de tantas figuras exóticas, com os rostos pintados de azul, era um acontecimento inédito no bairro. 

Empolgada, ela respondia o tempo todo a perguntas que os dois filhos faziam sobre aquela gente diferente que ocupava a Praça do Cristo. “Gostei demais e os meninos adoraram. Esse bloco é diferente. Eles tocam músicas mais bonitas e ficam meditando. É curioso e bonito ao mesmo tempo. Espero que tenha isso todo ano aqui”, relatou. 

Quem também se surpreendeu com a presença do PPK no Barreiro foi a moradora Miriam Magna. Ela correu para a praça logo cedo, assim que soube, pelos filhos Davi e Samuel, da aglomeração que começava, por volta das 7h da manhã.Calada e um pouco assustada com os cânticos entoados pelos foliões, ela não sabia do que se tratava o encontro até ser informada pela reportagem. A aprovação foi imediata. “Que ótimo. É um presente para o bairro. Aqui é um lugar onde quase não acontece nada, então esse tipo de evento muda o ambiente. Não vamos desfilar, mas vamos ficar aqui curtindo junto. Já vale a pena”, disse.

Cortejos na Pampulha e Zona Norte fortalecem descentralização

O movimento de dispersão do Carnaval para áreas mais periféricas de BH também é fortalecido por blocos como Beiço do Wando, que se apresentouAs servidoras públicas Neyza Carlas e Juliana Carmo, apostaram na alegria do repertório clássico e trocaram um dia de folia no Centro pela festa na Pampulha. “Tem que descentralizar mesmo. BH é gigante, nada mais democrático do que ter folia em todas as áreas”, diz Neyza. A amiga endossa o discurso “Isso é facilidade e dá oportunidade para todas as pessoas conhecerem a essência do Carnaval de BH, principalmente em blocos grandes como o ‘Beiço’”, completou. 

A arquiteta Ivana Camargos também esteve na Pampulha pela primeira durante o Carnaval. Apesar de morar em um bairro vizinho, ela nunca havia pensado em ir para a folia tão perto de casa. “Curtir a festa às margens da Lagoa é melhor do que qualquer outra coisa”, disse.Maurício Vieira / N/A

Público aprovou a ocupação da agremiação no bairro Dona Clara

Outro bloco que contribuiu para a descentralização da folia e se tornou um gigante no Carnaval de BH foi o Tchanzinho Zona Norte, que na última sexta-feira lotou a avenida Sebastião de Brito, no bairro Dona Clara.Era tanta gente que a família de Carla Miranda optou por sair de casa à pé, no bairro Jaraguá, para não perder a festa. “Estamos amando essa explosão do Carnaval por aqui. Dá pra vir sem carro, com todo mundo, na maior tranquilidade. Vida longa ao Carnaval de BH”, torce. 

Ainda no setor diversidade e inclusão, vale citar o bloco Cabe Todo Mundo no Mundo, criado para acolher pessoas com todos os tipos de deficiência, diante da constatação de que havia pouco espaço para esse público no Carnaval. A agremiação saiu ontem, no Santa Efigênia.

Confira imagens do desfile (Fotos de Pedro Gontijo)

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