Motorista que coloca a vida do pedestre em risco é ignorado pela fiscalização

Bruno Moreno
bmoreno@hojeemdia.com.br
22/05/2017 às 08:41.
Atualizado em 15/11/2021 às 14:39

Motoristas que insistem em desrespeitar a preferência do pedestre não são punidos em Belo Horizonte. Levantamento das multas aplicadas nos últimos cinco anos mostra que a fiscalização prioriza flagrar irregularidades de carros parados, enquanto os condutores imprudentes, que colocam em risco a vida de quem está a pé, raramente são advertidos.

Só no ano passado, das 4.287 infrações relacionadas ao desrespeito à faixa de pedestres, apenas 335 – menos de 8% – foram anotadas a veículos em movimento.

Ou seja, condutores que desprezaram a travessia das pessoas, não reduziram a velocidade em locais de intensa circulação ou ignoraram as placas de direita livre, dentre outros exemplos. A média é de menos de uma multa por dia.

As demais 3.952 autuações, ou 92,2%, foram aplicadas a motoristas que estacionaram ou pararam os veículos sobre a travessia de segurança. A estatística é da BHTrans, por meio da Gerência de Processamento de Multas do Município.

Em todos os casos foram consideradas infrações cometidas tanto em locais com semáforo quanto onde há apenas a sinalização horizontal.

Recentemente, a reportagem do Hoje em Dia esteve em diferentes pontos da região Central de BH, durante uma hora em cada um, e comprovou: as infrações ocorrem constantemente. Dezenas de motoristas e motociclistas foram flagrados desrespeitando a legislação.

Na esquina da avenida Afonso Pena com rua Guajajaras, a placa “Direita Livre – Preferência para Pedestre” é ignorada sem o menor constrangimento. Das 10h20 às 11h20, mais de 80% dos condutores que passaram pelo local não deram a devida preferência. A imprudência foi cometida por 64 motoristas de carros de passeio, ônibus e táxi, além de motos. 

Apenas 14 (18%) carros pararam para oferecer a travessia segura. Em um dos gestos de exceção, que deveria ser regra conforme prevê a legislação, uma passageira chegou a gritar de dentro do veículo: “pedestres, podem ir! A faixa é de vocês”.

Regra

O assistente técnico Thiago Megale, de 35 anos, trabalha no Centro e relata que quase já foi atropelado algumas vezes ao atravessar as vias, mesmo em cima da faixa.

"Os motoristas não respeitam, e a gente passa por isso todo dia. Tinha que ter mais fiscalização, é isso que tem que ser trabalhado para melhorar essa situação”, opina.

“A fiscalização é muito burocrática, e menos operacional. Isso aumentou à medida em que a BHTrans saiu da fiscalização. A Polícia Militar (órgão responsável por emitir as multas) não tem como responsabilidade a engenharia de tráfego, mas de fiscalizar coisas mais estáticas”, avalia o consultor em transporte e trânsito Osias Baptista Neto.

“A operação de trânsito em BH é muito prejudicada porque quem faz a engenharia não opera. Não é só ter mais gente na rua, mas ter gente que conhece ações de engenharia de tráfego” - Osias Baptista Neto, consultor em transporte e trânsito

O especialista enfatiza que a falta de respeito à faixa por parte dos condutores da capital estimula os pedestres a atravessarem em locais não sinalizados.

“Ele (pedestre) sente que está sendo desrespeitado, então travessa correndo fora da faixa. Só vai acontecer do pedestre atravessar na faixa na hora em que ele sentir que for respeitado, e isso só vai acontecer quando tiver campanha forte e fiscalização forte”, avalia.Editoria de Arte / N/A

Autuação é constante na capital, garante PM

Apesar dos flagrantes de desrespeito à faixa de pedestres registrados pela reportagem, a Polícia Militar garante que a fiscalização é feita normalmente nos principais corredores de trânsito e na área central de Belo Horizonte. Além da corporação, guardas municipais aplicam multas a condutores infratores na capital. 

Agentes da BHTrans não podem anotar as irregularidades. A proibição decorre de a empresa ser de capital misto. Somente se a natureza jurídica dela for alterada para autarquia é que os servidores estarão autorizados a multar.

De acordo com o tenente Marco Antônio Said, do Batalhão de Polícia de Trânsito, diariamente, de quatro a cinco equipes de militares acompanham agentes da BHTrans nesse serviço nas ruas. Ele afirma que todas as infrações previstas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) são observadas. Não existe, no entanto, ação específica para a faixa de pedestres.

Neste mês é realizado o movimento “Maio Amarelo”, que visa chamar a atenção da sociedade para o alto índice de mortes no trânsito em todo o mundo; ação quer promover a conscientização e debater as responsabilidades de cada um.

Said reforça as ações de educação para o trânsito com foco nas crianças realizadas pela Transitolândia, no bairro Gameleira, região Oeste da capital. “O principal é educação e conscientização. Essa palavras andam juntas. Os veículos sempre têm que respeitar os pedestres, que são mais vulneráveis”, enfatiza.

Consultor em transporte e trânsito, Osias Baptista Neto destaca que em BH, por exemplo, o respeito foi conquistado por meio de campanhas e muitas multas.

Mudanças

O prefeito Alexandre Kalil já manifestou interesse em modificar a natureza jurídica da BHTrans. Porém, o projeto da reforma administrativa do Executivo, encaminhado à Câmara Municipal, não contempla a modificação. 

Por meio de nota, a assessoria da prefeitura informou que “ainda encontra-se em estudo a transformação da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) em uma autarquia municipal”. 

O texto diz, ainda, que “o trabalho de avaliação da viabilidade econômica e jurídica dessa transformação está sendo elaborado por técnicos da Procuradoria do Município e da Secretaria Adjunta de Planejamento Urbano. Tão logo seja concluído o trabalho dos técnicos, a PBH passará todas as informações necessárias à imprensa”.

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