Com pouco efetivo, Polícia Civil mineira deixa de investigar crimes

Iêva Tatiana - Hoje em Dia
20/09/2015 às 08:19.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:48
 (Arte HD)

(Arte HD)

Com um déficit de pelo menos 7.746 servidores, a Polícia Civil de Minas está deixando de investigar crimes, atrasando o registro de ocorrências e retardando processos judiciais. O sucateamento da corporação tem resultado, ainda, na sobrecarga dos policiais em atividade, que apresentam cada vez mais problemas de saúde e afastamentos do trabalho, gerando um ciclo vicioso.

“Minas Gerais tem, hoje, a pior relação policial civil/população do Brasil e o mesmo acontece na relação policial civil/policial militar. Em outros Estados, a proporção é de um para três; aqui, é de um para cinco. Além disso, dos 853 municípios mineiros, apenas 60% têm delegacias”, ressalta o presidente do Sindpol/MG – sindicato da categoria –, Denilson Martins.

Segundo ele, atualmente, nem mesmo o quadro de servidores previsto pela Lei Orgânica (Lei Complementar 129/2013) seria suficiente para atender a todas as demandas, porque a legislação já está “defasada”. O texto prevê a convocação de, aproximadamente, 17 mil servidores em todo o Estado, total ainda não alcançado, cerca de dois anos depois.

Agravantes

“Hoje, a prioridade é estabelecida pelo poder judiciário e pelo Ministério Público nas cotas de despacho, sob pena de não realizarem audiências e os processos ficarem parados. Dessa forma, acabam tirando policiais do atendimento direto ao cidadão. Há toda uma cadeia produtiva parada por falta de efetivo”, critica Martins.

A Polícia Civil confirma a insuficiência de servidores e garante que está negociando a nomeação de cerca de mil aprovados em um concurso público para provimento de vagas de investigador – cargo com maior deficiência no momento.

Em nota, a corporação afirmou que “continua empenhada em encontrar, juntamente à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão e aos demais setores do governo, alternativas que permitam a nomeação dos concursados, dentro dos limites orçamentários e financeiros do Estado e em rigoroso respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal”.

Para Martins, o impasse compromete ainda mais o trabalho da polícia e preocupa. “Muitos policiais estão adoecendo por causa da sobrecarga de trabalho, e a situação fica ainda pior sem esses investigadores (aprovados no concurso). É um sucateamento crônico. Se não solucionarem o problema hoje, ele vai piorar amanhã e continuar sem solução”.

Em alguns casos, população faz o papel da própria polícia

No mês passado, a precariedade da Polícia Civil ficou mais evidente quando a família de uma senhora de 88 anos, vítima de um golpe, tentou registrar um boletim de ocorrência e foi orientada a conduzir a investigação por conta própria. O motivo: a falta de servidores.

Segundo a filha da vítima, que prefere não ter o nome divulgado, duas mulheres pediram para usar o banheiro da casa da idosa no momento em que ela colocava o lixo para fora. Uma das suspeitas distraiu a mulher enquanto a outra roubou cartões e senhas. Além de efetuar diversos saques, a dupla fez um empréstimo de R$ 20 mil.

“Fui até a delegacia do bairro Floresta para registrar a ocorrência, mas saí de lá muito chateada porque não recebi apoio da polícia. Disseram que não havia homens para investigar e que eu deveria correr atrás de imagens que mostrassem a ação das mulheres nas lojas e bancos por onde elas passaram”, relembrou.

Drama

A filha da vítima conseguiu identificar até o endereço das suspeitas – além de descobrir a participação de outras duas pessoas. “Depois de a imprensa pressionar, os policiais finalmente prenderam as duas, que já tinham passagem. Mas elas apenas prestaram depoimento e saíram pela porta da frente da delegacia, antes mesmo de mim e da minha mãe, acompanhadas por um advogado bacana, provavelmente pago com o dinheiro das vítimas”.

Para Adilson Rocha, professor de direito penal da Universidade Fumec, o impacto maior para a população é, justamente, a impunidade. “Nesse processo, a sociedade é entregue à sorte. Nem é má vontade da polícia, é falta de condições de trabalho mesmo. O policial chega para trabalhar, é obrigado a escolher os casos mais graves e conferir se tem tempo e equipe para atuar neles. Faltam pessoal e instalações físicas adequadas”, avalia.

Na última sexta-feira, o governador Fernando Pimentel determinou à Seplag que adote as providências necessárias para a nomeação de 1.080 aprovados no concurso público para o cargo de Investigador de Polícia I.

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