Com pouco leite, bancos em Minas Gerais não conseguem atender às UTIs neonatais

Igor Patrick
ipsilva@hojeemdia.com.br
02/08/2016 às 19:56.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:07
 (Wesley Rodrigues)

(Wesley Rodrigues)

Mais da metade dos bancos de leite humano mineiros está com estoques abaixo do ideal, prejudicando a demanda das UTIs neonatais. Das 13 unidades do Estado, sete só atendem os casos graves de bebês prematuros ou intolerantes à chamada fórmula infantil – leite de vaca modificado com proteínas.

Na Semana Mundial de Amamentação, promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), gerentes e coordenadores dos bancos de leites lançam alerta para a baixa do alimento nesses espaços. 

Um dos casos mais graves é o do Hospital São Sebastião, em Viçosa, na Zona da Mata. Conforme a coordenadora do banco de leite, Rafaela Fonseca, em oito anos de funcionamento os estoques nunca foram suficientes. “Em julho, por exemplo, arrecadamos apenas 10,5 litros. Para atender a UTI neonatal, são necessários pelo menos 60”.

Além disso, o número ainda representa uma queda em relação ao mesmo período ne 2015, quando foram coletados 16 litros.

Outro exemplo é o Hospital Aroldo Tourinho, em Montes Claros, Norte de Minas. A unidade de saúde precisa de pelo menos o dobro dos 120 litros doados por mês. Segundo a técnica de enfermagem Inária Alves Moreira, o déficit força os profissionais a estabelecer prioridades. “No caso de adoção ou alguma alergia, muitas vezes os pais são obrigados a comprar o leite industrializado”.

Situação na capital

Mãe das gêmeas Laura e Lara, que nasceram prematuras em junho, a auxiliar de serviços gerais Érica Santos, de 21 anos, ficou desesperada. Ela mora em Itabira, na região Central do Estado, que não tem banco de leite. Com 28 semanas e pouco mais de 900 gramas cada, as meninas não conseguiam amamentar no peito da mãe.

O auxílio veio do Hospital Odete Valadares, em BH, cujo banco de leite é considerado referência em Minas. Os estoques estão normalizados e há até excedente. No mês passado, o local recebeu 280 litros dos 150 necessários para atender à UTI. 

O restante é escoado para unidades de saúde parceiras. “Como somos referência, não enfrentamos dificuldade para captar doadoras”, diz a coordenadora do banco, Maria Hercília Castro.

Ela explica que o leite coletado passa por um rígido processo de qualidade. A mulher que pretende doar precisa realizar exames para identificar doenças como HIV, sífilis e hepatite. Ela também não pode fumar nem beber.Wesley RodriguesESTATÍSTICAS – De acordo com a Secretaria de Saúde de BH, cerca de 10% das crianças nascem prematuramente na cidade

Faltam bancos

Mesmo com estoques altos, a presidente do Comitê de Aleitamento Materno da Sociedade Mineira de Pediatria, Maria Cândida Bouzada, afirma que é preciso mais bancos de leite. “A Secretaria Municipal de Saúde até tem um programa para coleta nos centros de saúde, mas não temos onde armazenar e tratar”. Coordenadora da Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente da secretaria, Márcia Parisi disse que um novo banco está em processo de implantação no Hospital Sofia Feldman, na zona Norte de BH. Wesley RodriguesCONTROLE DE QUALIDADE – Só podem doar leite materno mulheres em boas condições de saúde

Fórmula modificada representa risco à saúde da criança

Utilizada como paliativo quando o prematuro não pode se alimentar do leite da mãe e faltam bancos disponíveis, a fórmula infantil pode oferecer riscos. Derivado do leite de vaca modificado com proteínas e gorduras que simulam o alimento materno, o produto não tem os anticorpos necessários para até 1 ano e 3 meses de vida, quando a criança já tomou todas as vacinas consideradas essenciais até que organismo adquira mais imunidade.

De acordo com a neonatologista e presidente do Comitê de Aleitamento Materno da Sociedade Mineira de Pediatria, Maria Cândida Bouzada, o uso continuado da fórmula pode trazer problemas. “Ela muitas vezes salva a vida de uma criança, mas é importante ressaltar que o leite materno é superior. Um bebê alimentado só com fórmula tem mais chances de desenvolver infecções, hipertensão arterial, diabetes e até danos cerebrais”. 

Ainda segundo Maria Cândida, ao amamentar, a mãe transmite anticorpos que o organismo dela já produziu, o que torna o alimento ainda mais rico.

A fala é corroborada pela professora de Enfermagem da Criança e do Adolescente da UFMG, Paula Bicalho. A especialista alerta que o leite de vaca atende às necessidades de um bezerro, que já nasce com habilidades e defesas desconhecidas ao organismo humano. “O animal já consegue ficar em pé e andar com pouco tempo de vida, é naturalmente mais resistente a doenças do campo. Além dos anticorpos, o leite materno tem mais líquido, gordura, que são essenciais ao crescimento da criança”, avalia a professora.

Complemento

A administração da fórmula infantil, porém, pode ser necessária, desde que com acompanhamento médico e preferencialmente como complemento da amamentação.

Segundo as especialistas, o produto é recomendado quando o bebê apresenta perda de peso maior que o de costume. Normalmente, os recém-nascidos perdem entre 5 e 10% do peso nos primeiros cinco dias de vida, ganhando 30 gramas diariamente. 

Quando se troca menos de seis fraldas em um período de 24 horas (a partir do quinto dia de vida) e quando o bebê apresenta comportamento ou agitado demais ou apático na maior parte do tempo, o produto pode ser utilizado. É importante que o uso seja acompanhado por um pediatra.

 Atividades buscam conscientizar a importância da doação

Parte das comemorações pela Semana Mundial de Amamentação, Belo Horizonte vai ter uma série de atividades de conscientização.

Até amanhã, sempre às 14h, a Equipe Banco de Leite Humano da Maternidade Odete Valadares vai promover encontros do grupo de apoio à amamentação no hall do segundo andar do prédio, que fica no Prado, região Oeste da cidade. O Hospital Júlia Kubitschek terá palestras sobre o tema entre 29 e 31 de agosto. Na pauta, debates como mitos e verdades sobre ama-mentação, aspectos emocionais no aleitamento e composição do leite humano.

Zona da Mata

No mês de julho, o Hospital Regional João Penido, em Juiz de Fora, iniciou treinamento com a equipe de enfermagem sobre os temas “Os dez passos para o sucesso do aleitamento materno” e “Técnica correta do aleitamento materno”, ministrados pela neonatologista da Maternidade Viva Vida, Aline Jacinto da Costa. 

Na próxima sexta-feira, serão distribuídos panfletos e brindes pelos Doutores da Alegria às as gestantes. Um café da manhã especial também será servido na Casa da Gestante.

Também na cidade, haverá exibição de documentário e palestras no Hospital Regional Antônio Dias.

Orientações sobre a amamentação

A Secretaria de Estado de Saúde orienta que, para promover o aleitamento materno, é importante não usar mamadeiras, chucas, chupetas ou protetores de mamilo, já que esses objetos podem levar a um risco maior de contaminação. 

O colostro, que é o primeiro leite a sair após o parto, não é fraco como muita gente pensa: ao contrário, é importante para o recém-nascido por conter todos os nutrientes necessários aos primeiros dias da criança. 

O bebê precisa mamar um peito antes de passar para o outro. Assim, ele toma o leite do final da mamada, que o faz engordar. É a criança quem vai definir quando e o quanto mamar, então não há necessidade de estabelecer horários para dar o peito ao filho. Como é um material de digestão mais fácil, é comum que ele queira mamar várias vezes ao dia.

Importante destacar também que, ao doar o leite excedente, não vai faltar alimento ao bebê. O corpo se ajusta e, quando mais retira o leite, mais o organismo se adapta para produzir mais.

Centros de Saúde em BH

Coordenadora da Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente da Secretaria Municipal de Saúde, Márcia Parisi enfatiza que 19 postos de saúde contam com equipe especializada para orientar as mães como fazer a coleta adequada do leite, posteriormente encaminhado para ser pasteurizado no Hospital Odete Valadares. Em média, cinco litros de leite são arrecadados semanalmente, o que dá para atender a 50 bebês. A cidade conta com 52 doadoras de leite humano.

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