Crescimento desordenado de cidades sufoca beleza de Minas

Renato Fonseca - Hoje em Dia
26/01/2014 às 10:36.
Atualizado em 20/11/2021 às 15:35
 (Frederico Haikal/Hoje em Dia)

(Frederico Haikal/Hoje em Dia)

OURO PRETO E MARIANA – Forjadas no ouro e esculpidas graças à força do braço escravo, cidades coloniais de Minas convivem com construções em encostas e em topos de morro erguidas à revelia da fiscalização do poder público. Nas últimas décadas, essas montanhas, que testemunham a história de mais de 300 anos das Gerais, se tornaram alvo de ocupações irregulares. São barracos e até moradias de alvenaria que ofuscam a beleza do patrimônio e da paisagem.
 
Problema antigo e sem solução à vista, a ocupação desordenada, em meio aos bens tombados, é reflexo da inexistência de regras claras para o planejamento urbano. Levantamento feito pela Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais expõe a fragilidade do patrimônio e evidencia a necessidade de medidas urgentes para a proteção dos conjuntos arquitetônicos.
 
Hoje, quase metade das 33 cidades consideradas históricas pela Constituição Mineira de 1989, devido à relevância cultural, não tem ou precisa de readequações no Plano Diretor. O documento que define o uso e a ocupação do solo precisa de revisão ou atualização em oito municípios. Seis não têm o conjunto de diretrizes e 19 estão com as normas em dia.
 
Porém, ter o mecanismo legal não significa, na prática, estar protegido. “Muitas cidades têm o Plano Diretor aprovado na Câmara Municipal, mas, infelizmente, em alguns casos, foram elaborados sem levar em consideração as reais necessidades e prioridades da população”, alerta o economista e coordenador de projetos do Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (Ipead/UFMG), Renato Mogiz Silva.
 
É o caso de Ouro Preto, na região Central. Lá existe Plano Diretor, mas no perímetro urbano da cidade – a primeira do país a ser declarada, pela Organização das Nações Unidas, Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, em 1980 – edificações dos séculos 18 e 19 e outros monumentos artísticos tombados dividem espaço com aglomerados de casas construídas nos morros.
 
Na rua Manoel Cabral, no Centro, o olhar atento também não deixa escapar o contraste entre as belas residências coloniais e a Vila Aparecida, ao fundo, que surgiu no início dos anos 1980. “Quando cheguei aqui havia apenas três barracos. Depois dos anos 2000 tudo cresceu absurdamente. São pessoas vindas da zona rural ou de cidades próximas”, diz o aposentado Antônio Sérgio, o Ticoco, morador da vila.
 
Só em Ouro Preto, na Sede, cerca de 2 mil construções irregulares, sem projetos aprovados pela prefeitura, já foram identificadas.
 
URGÊNCIA
 
O secretário de Cultura e Patrimônio, José Alberto Pinheiro, diz que uma “medida emergencial” está sendo feita antes da definitiva elaboração do Plano Diretor, prevista para começar em 2015.
 
Um convênio assinado entre a administração municipal, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Ufop e uma fundação está mapeando quantas famílias precisam ser retiradas.
 
“Identificamos três áreas que podem receber essas pessoas. Pretendemos construir novas casas, por meio do programa Minha Casa Minha Vida”, diz José Alberto Pinheiro.
 
Problema vai além do impacto estético
 
Sancionada em 1937 pelo então presidente Getúlio Vargas (1882-1954), a lei 25 define que a desarmonia entre um bem tombado e outras construções pode ocorrer devido à falta de visibilidade, tipo de construção e revestimento ou pintura.
 
Segundo a superintende do Iphan em Minas, Michele Arroyo, entre 1930 e 1980 as restrições impostas, em âmbito federal, tinham uma “preocupação pontual”, revista nos últimas décadas devido ao crescimento das cidades. Hoje, o problema vai além das questões do patrimônio.
 
“Essas ocupações atingem o bem tombado, mas também são um problema social e econômico. A solução passa por uma série de políticas públicas, que vão da requalificação das áreas à construção de novas moradias”.
 
Michelle afirma que o Iphan tem feito contato com as administrações na busca por soluções. “É processo de longo prazo, que precisa de projetos e recursos. Daí a importância do Plano Diretor”.
 
No Brasil, municípios com mais de 20 mil habitantes, pertencentes a regiões metropolitanas, que integram áreas de interesse turístico ou de regiões de influência de empreendedorismo com impacto ambiental são obrigadas a ter o Plano Diretor.
 
Competência
 

O instrumento deve ser elaborado por instituição devidamente qualificada e credenciada junto ao Ministério das Cidades. “O plano precisa ser construído com a participação intensa e ativa da sociedade civil, e ser aprovado na íntegra pela Câmara Municipal, sem cortes”, destaca o economista Renato Mogiz Silva. Segundo ele, além da execução a longo prazo, a falta de mão de obra qualificada e a escassez de recursos são os principais entraves para a elaboração e implementação da norma.

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