Drama público: avança no congresso texto que pode punir aborto em qualquer caso

Da Redação
horizontes@hojeemdia.com.br
13/11/2017 às 06:00.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:40
 (Pixabay/Divulgação)

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A chance real de criminalização do aborto nos casos hoje permitidos pela lei brasileira pode impor um drama ainda maior a mulheres vítimas de estupro, com gravidez de risco ou que estejam gerando bebês sem possibilidade de sobreviver – e que, por isso, queiram antecipar o fim da gestação.

Comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou na semana passada projeto que prevê incluir na Constituição a garantia do direito à vida “desde a concepção”. Na prática, a proposta que avança no Congresso segue na direção de proibir o aborto sob qualquer justificativa.

Em BH, se já estivesse em vigor, o texto teria impedido pelo menos 64 mulheres de interromper a gravidez em situações em que a Justiça considerou a opção um direito ou um “mal menor”, do ponto de vista físico ou psicológico, às mães. 

“Só pobres morrem por aborto, porque têm menos recursos. Ricas vão continuar abortando porque têm acesso a métodos mais seguros, mesmo que ilegais”Sônia LanskyDoutora em Saúde Pública

O número corresponde às belo-horizontinas que se submeteram a um aborto legal de 2015 para cá em apenas dois dos quatro hospitais públicos na capital que fazem o procedimento: o das Clínicas, da Universidade Federal de Minas Gerais, e o Júlia Kubitschek, da Fhemig.

A Maternidade Odete Valadares, que também é do Estado, e o Odilon Behrens, vinculado à prefeitura, além das secretarias municipal e estadual de Saúde, não informaram o total de abortos legais realizados.

Relator do texto, o deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP) alega que o princípio da dignidade da pessoa humana e a garantia de inviolabilidade do direito à vida devem ser respeitados desde a concepção. “Nós somos favoráveis à vida”

Volta ao passado 

Profissionais da área da saúde ouvidos pelo Hoje em Dia consideram a proposta que tramita no Congresso um retrocesso. Além de impedir que a palavra final seja da mulher, a mudança sujeitaria principalmente gestantes pobres e negras, as mais vulneráveis social e financeiramente, à obrigação de levar a gravidez indesejada até o fim, ao risco de complicações e à roleta-russa de intervenções clandestinas e inseguras.

“Sabemos que abortos acontecem todos os dias em clínicas clandestinas, e a (eventual) decisão (do Congresso) pode levar um número muito maior de pessoas a buscar métodos arriscados de interrupção da gravidez”, afirma a professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da UFMG, com atuação no Hospital das Clínicas, Eura Martins Lage.

Também médica, Sônia Lansky vê o aborto legal como uma questão exclusiva de saúde pública. Ela ressalta que em algumas situações a gravidez representa risco de morte para a própria mulher, caso das gestantes com doenças graves do coração. 

Doutora em saúde pública, ela diz que o acompanhamento de grávidas que desejam abortar é importante, inclusive para que essas mulheres tomem decisões mais seguras. 

“Quem quer abortar muitas vezes precisa se virar sozinha, esconder da família e do sistema de saúde. Com o acompanhamento, ao longo de semanas, há mulheres que podem até mudar de ideia e desistir”.

“Na época da 1ª Guerra já tinham chegado à conclusão de que as vítimas sexuais dos soldados não poderiam ser obrigadas a levar a gravidez até o fim. Não cabe forçar a mulher a gerar o fruto de uma ação criminosa”Warley BeloAdvogado criminalista e autor do livro “Aborto”

Medo de condenação moral aflige mulher, diz especialista

O chamado aborto legal foi realizado 8.139 vezes no país entre 2012 e 2016. No entanto, a falta de informações tirou de várias outras mulheres a possibilidade de recorrer ao procedimento, acredita a professora do curso de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB) Silvia Badim. 

“Além disso, principalmente no caso de violência sexual, as mulheres acabam sendo condenadas moralmente, fazendo com que ainda tenham muito medo de acessar o serviço”, pontua Silvia, também coordenadora dos Direitos da Mulheres da Diretoria da Diversidade da UnB. 

Pesquisa feita no ano passado pela universidade e o Instituto de Bioética estima que 503 mil brasileiras interromperam a gravidez de forma ilegal em 2015 – média de 57 por hora.

Dilema

Para a psicanalista Gabriella Cirilo, coordenadora de Psicologia da Casa de Referência da Mulher Tina Martins, espaço de atendimento a vítimas de violência em BH, a gravidez, por si só, já traz sentimentos diversos e conflitantes. Uma gestação não planejada e não desejada pode representar um problema ainda maior, mas o aborto também não é uma escolha fácil, frisa. 

“É visível a fragilidade, em todos os níveis, com que a mulher chega para um acolhimento. Somente ela pode dizer, com toda a responsabilidade que qualquer escolha acarreta, o que quer”.

“Falar que o aborto será usado como método contraceptivo é desinformação. Isso não é verdade. Nenhuma mulher quer sair por aí fazendo aborto, algo que é doloroso emocional e fisicamente”Sônia LanskyDoutora em saúde pública

Já Vera Ribeiro, coordenadora nacional do “Brasil 4Life”, instituição com viés religioso que existe aqui e nos Estados Unidos para apoiar mulheres com gravidez indesejada, é contra o aborto em qualquer situação. Ela defende a “preservação da vida em qualquer aspecto”, porque considera que a vida do bebê é tão valiosa quanto a da mãe. 

Em 2016, Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que a maior parte das pessoas que recorreram à interrupção antecipada da gravidez tinham religião (88%). 

“O substitutivo da PEC apenas explicita um direito que já existe, que é o direito à vida. Não há diferença entre o bebê em desenvolvimento no útero da mãe e aquele que se desenvolve após o nascimento”Deputado Diego Garcia (PHS-PR)Ao comemorar a aprovação do texto

Além Disso

Aprovada por 18 votos a 1, a PEC 181/2011 foi votada na quarta-feira passada por uma comissão especial da Câmara dos Deputados e precisa ser levada a plenário. São necessários 308 votos dos 513 parlamentares para que o texto seja validado. Se aprovado, também precisará de sanção presidencial. 

Na última sexta-feira, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adiantou que se ficar entendido que a proposta dá margem para a proibição do aborto em casos de estupro não deve avançar plenário. Não há garantia ou data prevista para que o projeto seja votado.

A proposta foi inserida em uma PEC que já tramitava na Casa sobre a ampliação da licença-maternidade de 120 para 240 dias em caso de bebês prematuros. O relator, Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), sob pressão dos deputados evangélicos, alterou o texto para incluir também mudanças relacionadas à interrupção da gravidez.Editoria de Arte / N/A

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