Ensino perde com entra e sai de professor; alta rotatividade é comum em metade das escolas de Minas

Malú Damázio
mdamazio@hojeemdia.com.br
16/11/2017 às 07:48.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:43
 (Maurício Vieira/Hoje em Dia)

(Maurício Vieira/Hoje em Dia)

Mais da metade das instituições de ensino públicas e particulares mineiras têm alta rotatividade de professores, segundo dados do último Censo Escolar. Para especialistas da área de educação, bons projetos pedagógicos e ambientes estimulantes para o aprendizado demandam uma equipe de docentes duradoura e integrada.

De 2012 até o ano passado, 53,4% das escolas registraram regularidade de professores abaixo do ideal. O número representa uma piora na situação do Estado, conforme o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Há seis anos, 57% das instituições tinham índice acima da média.

As razões que afastam os educadores são diversas. Contratação em regime temporário, adoecimento, troca de local de trabalho, aposentadoria ou morte são as principais na rede pública. Na particular, a demissão é a maior causa. 

Adaptação

A irregularidade do time de professores é prejudicial tanto para os profissionais quanto para os estudantes, avalia a professora de políticas públicas em educação da UFMG Dalila Andrade Oliveira, coordenadora do Grupo de Estudos Sobre Política Educacional e Trabalho Docente (Gestrado).

“A ruptura no meio do ano letivo interfere no entendimento dos alunos. A descontinuidade implica também em perda no projeto pedagógico, porque é preciso tempo de adaptação para que o coletivo de professores tenha uma nova unidade”, afirma Dalila Oliveira.

A quebra da relação de confiança entre professor e aluno também é um dos prejuízos decorrentes da saída de docentes, conforme o presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep), Emiro Barbini. 

“Nos colégios privados, as famílias geralmente estão mais próximas do que acontece em sala de aula, elas confiam e gostam do professor. Quando ele é demitido, isso é rompido e a escola terá problemas. Quanto menos rotatividade, mais alinhados com os valores da escola estarão educadores e alunos”, diz Emiro Barbini.

Doenças tiram da sala de aula 12 mil docentes no Estado

Ambiente de trabalho desgastante e também a violência impulsionam o êxodo docente. De acordo com a Secretaria de Estado de Educação (SEE), hoje há 12 mil professores afastados do ofício por enfermidades. Dentre elas, esgotamento, estresse e sofrimento mental. A situação é pior nas escolas das periferias de grandes centros. 

“Nos locais com altos índices de vulnerabilidade é onde temos menos funcionários efetivos, porque o ambiente é mais violento e a infraestrutura mais precária”, explica a pesquisadora da UFMG Dalila Andrade Oliveira.

Professora há 25 anos, Luzia Alves* está há quase uma década fora da sala de aula. Em 2008 ela estava grávida e após sofrer uma tentativa de agressão por uma estudante, em uma escola de Belo Horizonte, desenvolveu depressão e síndrome do pânico.

Após o ocorrido, voltou à instituição em 2010, mas em uma nova função: auxiliar de biblioteca. “Já fui diretora, vice, professora, passei pela secretaria e agora estou na biblioteca, quase sempre nas periferias. Já fui muito ameaçada porque, infelizmente, o tráfico é uma realidade das escolas e o ambiente é muito inseguro”, relata.

Em nota, a SEE informou que está implementando o Programa de Convivência Democrática nas Escolas para “promover e defender direitos, compreender e combater a violência no espaço escolar e incentivar a participação política da comunidade”. A ferramenta servirá para “registrar e levantar os dados do Estado, possibilitando ações mais efetivas e localizadas”.

Migração

A “dança das cadeiras” dos professores também está relacionada a um aumento de contratações. Segundo o Inep, o número de docentes que passou a integrar as escolas de Minas em 2016 é 40% maior do que a do ano anterior.

Os dados do Censo Escolar mostram, ainda, que metade dos professores da rede pública mineira tinha contrato temporário no último ano. Esta é uma das principais causas para a elevada rotatividade, conforme Dalila Oliveira.

“O professor contratado migra bastante. Ele sai de uma escola e vai para outra, muitas vezes porque não conseguiu renovar o compromisso com a instituição ou porque a escola admitiu um efetivo”, acrescenta a pesquisadora.

Os contratados são designados anualmente para suprir vagas abertas em escolas enquanto o Estado e as prefeituras são nomeiam servidores aprovados em concurso para cargos efetivos. Na rede municipal da capital, 29% dos professores eram contratados no ano passado. Já no Estado, 58% dos 170 mil educadores têm contrato temporário. 

A SEE atribui o número de contratações temporárias à mudança em uma lei estadual que efetivou, sem concurso público, 98 mil servidores da educação em 2007. Há três anos, o Supremo Tribunal Federal determinou a inconstitucionalidade da Lei Complementar 100, por entender que o documento violava os princípios constitucionais da isonomia, impessoalidade e obrigatoriedade do concurso público. 

"A medida atingiu vários cargos, inclusive os professores de turma e os professores de disciplina", afirmou a pasta, em nota. 

Contratos temporários geram insegurança aos profissionais

Além de contribuírem para a rotatividade, as condições de trabalho de um professor contratado geram incertezas. Há quatro anos, Maria das Graças*, de 42, leciona nas séries iniciais da rede estadual em BH. Ela já passou por cinco escolas.

O regime de trabalho tem reflexos diretos na atividade da professora, que não consegue, por exemplo, elaborar um plano de aulas fixo para uma série. “Se atuasse como efetiva, saberia para quais turmas lecionaria, conseguiria dar continuidade ao ritmo de ensino”.

Já a professora de artes Mônica Bastos*, de 56, está apreensiva com a permanência na escola estadual em que trabalha. Ela considera, inclusive, buscar um colégio fora da capital para reduzir os gastos mensais. “Tento sempre manter a qualidade do meu trabalho e dar o melhor de mim, independentemente da condição de contratada, mas é complicado manter o vínculo com os alunos”, diz.

A educadora, que dá aulas há 12 anos, havia sido efetivada pela Lei 100 e, desde 2015, voltou a atuar como contratada. “Agora vivo, ano a ano, tentando encontrar escolas com melhores condições, mas nunca sei o que me espera”, conta.

(*) Nomes fictícios

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