Ensino poliglota: número de estrangeiros nas escolas de Minas triplica em uma década

Malú Damázio
mdamazio@hojeemdia.com.br
23/03/2018 às 21:27.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:00
 (Pedro Gontijo)

(Pedro Gontijo)

Um desenho feito a lápis em carteiras e folhas de papel foi a alternativa encontrada pelos adolescentes Mario Alaji e Joseph Karam, de 17 anos, de contar aos novos colegas de sala como e porque vieram estudar no Brasil. Sem falar português, os alunos refugiados, que se matricularam no Instituto de Educação de Minas Gerais (Iemg), em Belo Horizonte, relataram por imagens as experiências sobre a guerra na Síria.

Passados dois anos, a dupla, que hoje domina o idioma, faz parte dos mais de 13 mil estrangeiros matriculados nas escolas do Estado em 2017. O número triplicou na última década, conforme dados do Censo Escolar. Não há como apontar um motivo para o aumento, mas, dentre os estudantes, existem os que vieram de famílias refugiadas, intercambistas e quem se mudou após os pais receberam uma oferta de trabalho.

Minas ocupa a terceira posição no ranking nacional de alunos de outras nacionalidades nas redes pública e privada. A principal barreira para entenderem o conteúdo e se comunicar é o idioma. Vencida esta etapa, apontam educadores, os jovens daqui e de fora só tem a ganhar com socialização e troca de culturas. 

Em 2008, Minas Gerais tinha 4 mil estudantes estrangeiros; já em 2017, eram 13.723, segundo dados do Censo Escolar do Ministério da Educação

As intercambistas francesas Maëlys Richard e Marie Le Gallo, de 17 anos, se surpreenderam ao chegar a BH, há seis meses. “É muito diferente, mas era justamente isso que eu queria. Ir para um lugar que não fosse parecido com a Europa”, conta Maëlys.

As jovens são da mesma classe de Mario e Joseph e de outros tantos alunos mineiros. O grupo se diverte ao contar as reações dos colegas. “É muito engraçado. Assim que ficam sabendo que somos estrangeiros, correm para conversar com a gente e fazem mil perguntas”, diz Mario Alaji.Maurício VieiraAlunos da escola Americana de BH, os irmãos mexicanos Marcela e Samuel sempre tentam conversar com os colegas em português

Idioma
Há pouco mais de um ano no Brasil, o aluno sírio Rober Bara, de 17 anos, teve que repetir de ano na Escola Estadual Pedro II até aprender o português. Para ele, matérias como história e geografia são as mais complicadas. “Exigem um vocabulário muito específico”.

A diretora da instituição, Cristiane Michelle Justi, explica que a medida é necessária em casos como esse, em que a compreensão do conteúdo das disciplinas é comprometida. “Varia de estudante para estudante. Nosso objetivo é que eles aprendam bem o português para conseguirem ter autonomia nas outras aulas”.

“É muito diferente, mas era isso que eu queria. Ir para um lugar que não fosse parecido com a Europa”. Maëlys Richard - Intercambista francesa

Ótima convivência com os colegas e saudade de casa

Apesar de estudarem em uma instituição bilíngue, na qual o inglês é o idioma oficial das principais disciplinas, os irmãos mexicanos Samuel Ortiz Reyes, de 17 anos, e Marcela Ortiz Reyes, de 15, tentam conversar com os colegas em português sempre que podem. Eles chegaram ao Brasil em 2015, após os pais serem transferidos para trabalhar na capital mineira e, desde então, estão matriculados na Escola Americana de Belo Horizonte.

A mudança foi grande, diz Marcela. No México, os irmãos eram educados em casa e nunca tinham estudado em uma instituição regular. “O jeito do brasileiro é muito parecido com o nosso, são pessoas alegres, acolhedoras”, lembra a garota. Para aprender o idioma, tanto Marcela quanto Samuel, tiveram apoio da escola. Lá, 30% dos alunos vieram de fora do país e há uma classe específica de português para estrangeiros.

“O jeito do brasileiro é muito parecido com o nosso, são pessoas alegres, acolhedoras”. Marcela Ortiz Reyes - Estudante mexicana

Diferenças
A relação entre professores e estudantes é uma das principais diferenças apontadas por quem vem de fora. Tanto na Síria quanto na França, há um certo distanciamento e demonstrações de afeto não fazem parte da rotina. “Aqui você pode, inclusive, abraçar o professor. Na França, isso é impensável. É considerado falta de respeito”, conta Maëlys Richard.

Para alguns, no entanto, a saudade de casa ainda é um desafio. Sem sotaque carregado, o estudante da Escola Estadual Pedro II, Nawar Elias, de 17 anos, carrega a pátria nas lembranças. “Na Síria, acredito que as relações com meus amigos da escola eram mais profundas”, diz.

Chegada de estudantes de outras nacionalidades muda a rotina nas instituições

A chegada de estudantes estrangeiros muda a rotina das escolas, garantem professores e alunos. As amigas Isabela Cristina Orneles e Carolina de Paula Avelino dos Santos, de 17 anos, do Iemg, ficaram tão empolgadas em recepcionar os colegas sírios que decidiram tentar aprender um pouco de árabe.

“Um professor nos deu dois livros de alfabetização. Usamos um para aprender alguns termos em árabe, e outro para ensiná-los português. Foi uma troca muito legal”, garante Isabela. Além disso, os colegas de outra nacionalidade as ajudam com exercícios que envolvem matemática e cálculos. “Eles são bem melhores que nós”, acrescenta.

Integrados

Este é o primeiro ano que o professor de português do terceiro ano do Iemg, André Flausino de Oliveira, dá aulas para estrangeiros. Ele explica que não precisou fazer adaptações no conteúdo passado em sala de aula porque todos os adolescentes já estão integrados à turma e conseguem se comunicar bem.

“O entendimento deles é muito bom, as principais dificuldades estão na parte escrita, porque a estrutura do francês e do árabe é diferente do português”, afirma. Para sanar as dúvidas, André agora senta com cada um e explica como as frases devem ser construídas no idioma português.

ALÉM DISSO

Para o pesquisador do Grupo de Estudos e Extensão em Políticas Migratórias, Durval Fernandes, professor do Departamento de Geografia da PUC Minas, é preciso que haja uma política pública voltada para acolher esses estudantes. Ele destaca que hoje existem apenas iniciativas isoladas e pontuais em algumas instituições.

“Professores, servidores administrativos e os alunos precisam estar preparados para integrar esse jovem e os seus familiares. Assim, ele poderá evoluir na escola”. A presença de um intermediador que entenda a história dos países, os hábitos e as dificuldades de aprendizagem é uma solução possível , diz o pesquisador.

“Essa pessoa pode ajudar a equipe pedagógica e o próprio estudante a entender as novas culturas”. Outra opção, segundo Durval, é o apadrinhamento voluntário por alunos brasileiros. “Nós só temos a ganhar com a presença deles, pois nos trazem contribuições culturais importantíssimas”.

Ainda não há uma ação específica da Secretaria de Estado de Educação (SEE) voltada para a adaptação dos estudantes estrangeiros nas instituições estaduais. O órgão afirma que este trabalho é feito diretamente pelas equipes pedagógicas das unidades.Pedro Gontijo / N/AOs sírios Nawar e Rober estudam na escola Pedro II e contam que ainda é um desafio se adaptar

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